domingo, 15 de março de 2020

Humberto de Campos - Livro Crônicas de Além-Túmulo - Chico Xavier - Cap. 32 - Aniversário do Brasil




Humberto de Campos - Livro Crônicas de Além-Túmulo - Chico Xavier - Cap. 32


Aniversário do Brasil


Vem o Brasil de comemorar o 437.° ano do seu descobrimento. Em todos os centros culturais do País foi lembrada a célebre expedição de Álvares Cabral, que, em marco de 1500, deixou Lisboa com as mais severas recomendações para os régulos da Ásia e que aportou primeiramente na ilha de Vera Cruz, cheia de árvores fartas e de rolas morenas cantando a inocência das terras inexploradas e virgens, cujo domínio Portugal havia pleiteado em Tordesilhas.

Os naturais ainda pareciam permanecer com a bênção divina no paraíso terrestre, pois não conheciam o sentimento que fizera Adão e Eva buscarem a folha de parra, envergonhados dos seus pormenores anatômicos; mas Frei Henrique de Coimbra na primeira missa celebrada naquele deserto maravilhoso tentou pregar para as gentes de Porto-Seguro, que não lhe compreenderam as palavras, tomando, logo após aquele ato católico, os seus arcos e os seus tacapes, prosseguindo nas suas danças exóticas, sobre as ervas rasteiras da praia.

Sobre as grandes comemorações brasileiras destes últimos dias, não podemos mencionar as da política administrativa, que, no momento, estava preocupada com a eleição do Presidente da Câmara Federal, sendo de destacar-se, somente, a Congregação Mariana no Rio de Janeiro. A Igreja, conhecendo profundamente a psicologia das massas, reuniu mais de dez mil católicos na capital do País, realizando os seus movimentos com o apoio governamental. Mas, não nos surpreendemos. Não se tratou de um congresso para a generalização do livro ou de novas facilidades da vida.

Como Frei Henrique de Coimbra, no dia 3 de maio de 1500, entre as madeiras toscas da Bahia, Monsenhor Leovigildo Franca, na Feira de Amostras do Rio de Janeiro, dava explicações da missa ao povo do Brasil, com a diferença de que falava pelo rádio e com pouca esperança de ser entendido pelos seus patrícios, que, como outrora, se levantariam dali, com as suas cuícas e os seus pandeiros, procurando a Favela ou a Mangueira, para um samba de quintal. Aliás, semelhante fato não será estranhável, considerando-se que o governo que apoiou a última concentração católica é o mesmo que subvenciona as festas carnavalescas, incentivando, por essa forma, o turismo no Brasil.

Todavia, longe das apreciações superficiais, que teria feito a nação em mais de quatrocentos anos de vida histórica e mais de um século de independência política? Com um território imenso, onde caberá possivelmente toda a população da Europa moderna, ela apenas conhece pouco mais de um décimo de suas possibilidades econômicas. Do vale soberbo do Amazonas às planícies do Prata, há um perfume de matas virgens na terra misteriosa e o mesmo livro infinito de sua Natureza extraordinária espera ainda a raça ciclópica que escreverá nas suas páginas, ainda em branco, a mais bela talvez de todas as epopeias da Humanidade, nos triunfos do Espírito.

É lastimável que as paixões políticas aí permaneçam, intoxicando inteligências e corações. A esses sentimentos nefastos deve-se a sensação de angustiosa expectativa que o País vem experimentando, nestes anos derradeiros, perturbando os seus surtos de trabalho e empobrecendo as suas fontes de produção. Os espíritos, que aí se entregam ao vinho sinistro do interesse e da ambição, andam esquecidos de que são criminosos todos aqueles que destroem um abrigo diante da tempestade furiosa sem apresentar um refúgio melhor aos náufragos desesperados. Como inaugurar-se uma nova experiência de novos regimes políticos no País, se o próprio princípio democrático ainda não foi devidamente assimilado? Contudo, o que vemos no Brasil, nos últimos tempos, é a tendência para a desagregação das forças construtivas da nacionalidade, em lutas esterilizadoras.

Reza a História que, nos séculos passados, quando as hordas de bárbaros ameaçavam a Europa medieval, o sultão Amurat submeteu ao seu domínio as províncias gregas da Trácia, da Albânia e da Macedônia. Cheio de galardões e de vitórias, avançou para o norte em direção dos sérvios e dos búlgaros que, comandados por Lázaro e Sísman, lhe opuseram a mais encarniçada resistência. O orgulhoso sultão ganhou-lhes a grande batalha de Kossovo,  mas, quando vitorioso contemplava com feroz alegria o campo forrado de sangue e de cadáveres, orgulhoso do seu feito e da sua glória, o sérvio Miloch levantou-se, no silêncio da praça destruída, e, lesto, cravou-lhe um punhal no coração.

A política brasileira dos últimos anos tem sido a repetição do mesmo quadro. Sempre um Amurat escalando o caminho da glória e da evidência, sobre as humilhações dos seus semelhantes, e sempre um Miloch saindo do seu anonimato para desferir-lhe o golpe supremo.

Mas… não falemos de assunto tão ingrato, quanto inoportuno.

No dia de aniversário do Brasil, recordemos que o professor Tyndall acaba de anunciar os dez problemas mais importantes que a ciência terrestre terá de resolver nos próximos cem anos, neles incluindo a viagem à Lua e a alimentação química, lembrando ao ilustre catedrático da Pensilvânia que, não obstante as suas mestranças, esqueceu a questão da vitória do Evangelho. E olhando o país maravilhoso onde todas as raças do planeta se encontraram para a glorificação da fraternidade e do amor, saudemos, com as emoções de nossa esperança, as terras afortunadas de Santa Cruz.




Humberto de Campos
(Irmão X)






7 de maio de 1937.

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