Ermance Dufaux - Livro Emoções que Curam - Wanderley Oliveira - Cap. 19
Relações cármicas que curam
"|... | a lei de amor constitui o primeiro e o mais importante preceito da vossa nova doutrina, porque é ela que um dia matará o egoísmo, qualquer que seja a forma sob que se apresente, dado que, além do egoísmo pessoal, há também o egoísmo de família, de casta, de nacionalidade. Disse Jesus: 'Amai o vosso próximo como a vós mesmos.'. Ora, qual o limite com relação ao próximo? Será a família, a seita, a nação? Não; é a Humanidade inteira." Fénelon (Bordéus, 1861]. O Evangelho Segundo o Espiritismo, capítulo 11, item 9.
No reino da mente, as crenças são programações indutoras dos modos de sentir e pensar. Por meio de hábitos milenares, elas condicionaram estados emocionais e psicológicos que respondem pelo que a criatura sente e pensa na rotina de seus dias.
O estado de baixa autoestima ou desamor a si mesmo é um exemplo desse automatismo, induzindo condutas, escolhas, fugas e idealizações que se assemelham a uma prisão construída em milênios de condutas repetitivas na esfera do egoísmo.
Esse clima interior de desvalor pessoal é uma das principais causas de nossos desajustes na escola dos relacionamentos frustrados e conflituosos. Se não amamos quem somos, como poderemos envolver com amorosidade o nosso próximo?
E é assim que o carma se cumpre em nossas vidas. Somos atraídos para a busca de pessoas, experiências e contextos que representam nossas necessidades e limitações mais profundas. Teremos acentuada atração para lugares, pessoas e situações que expressam as lições que a vida quer nos ministrar para resgate de nossa condição íntima de auto amor e plenitude. A lei de causa e efeito obedece a probabilidades naturais que regem com absoluta perfeição os destinos e o aprendizado de todos nós.
Carma, portanto, não são os outros; carma, antes de tudo, são nossas carências e ilusões, talentos e habilidades. Os outros são os estágios de aprendizado que a vida nos entrega em favor de nosso avanço e crescimento.
Na ótica justa das leis naturais, não temos carma com o outro. Temos planejamentos visando à reparação de nossas condições íntimas. Planejamentos regidos pelo amor determinam a cooperação, o amparo, a bondade e o apoio no quadro das relações humanas, independentemente de projetos carmáticos. 0 que determina nossa prisão a condições de colheita obrigatória é o que construímos dentro de nós mesmos. Nos recessos da estrutura mental, arquivamos e orientamos os mais graves e profundos desajustes perante nossa própria consciência.
A palavra carma sugere condenação, principalmente com relação aos vínculos com outras pessoas, mas não é bem assim. O significado de carma está mais próximo dos sentidos de reparação e aperfeiçoamento. A única condenação, se assim podemos nos expressar, existe com relação aos resultados do que fizemos a alguém.
Isso significa que temos de reparar os efeitos infelizes da ação lesiva em nós mesmos. Carma é estar "condenado" a agir - agir para transmutar as tendências, a culpa, as recordações enfermas e remorsos infelizes.
A visão ocidental de carma como ação de devolver ao outro o que lhe tiramos é um exame superficial e cultural que nem sempre corresponde à realidade dos planejamentos reencarnatórios, distanciando-nos dos verdadeiros objetivos de nossas necessidades de aprimoramento.
Por conta dessa forma de entendimento, muitos chegam aqui no mundo espiritual sentindo-se extremamente fracassados por não terem alcançado objetivos e projetos que acalentaram em relação ao próximo, especialmente aos que amaram. Esses espíritos caem na amargura e no derrotismo de supostas perdas e por julgarem que seu amor deveria ter sido suficiente para transformar as pessoas e corrigir os caminhos alheios. Isso acontece porque tombaram em uma das mais velhas ilusões do egoísmo: o de suporem que sua missão pessoal era resgatar débitos e contas cármicas com esse ou aquele grupo. Desencarnam amargurados, infelizes, magoados e tristes, ignorando que o único resgate legitimamente esperado é em relação à própria condição espiritual.
Outros chegam por aqui se supondo quites com a lei por terem suportado provas acirradas e mantido firmeza em seus propósitos e projetos em relação a determinadas pessoas ou contextos. Estes experimentam uma terrível sensação de solidão e ruína quando percebem o pouco que fizeram por si mesmos.
Em ambos os casos, esses espíritos abandonaram a si mesmos, examinando a lei de causa e efeito sob uma perspectiva de justiça sem amor.
O resgate cármico, analisado como se um devedor fosse saldar sua dívida com um credor, é um exame periférico, porque as sábias leis de Deus não têm como proposta o resgate de dívidas, mas sim, a integração das almas nas claridades do amor divino. Sob essa ótica, o suposto devedor também é alvo do resgate para a iluminação espiritual. Carma, portanto, é oportunidade redentora na repetição de aprendizados que a vida já nos conferiu algum dia e não aproveitamos tanto quanto poderíamos.
Será um lamentável equívoco pensar no carma como salvação do outro sem salvação de nós mesmos.
O propósito dos encontros cármicos é salvar e libertar todos os envolvidos nos conflitos conscienciais. Muitos assimilaram uma noção da lei de causa e efeito muito carregada de justiça, como se a proposta da lei divina fosse fazer-nos passar pela mesma intensidade de sofrimento que causamos ao outro, quando, em verdade, o objetivo é oferecer a chance da libertação consciencial pelos caminhos da misericórdia e do amor.
Nessa nova visão do carma, alguém que tenha sido lesado pelas nossas arbitrariedades, essencialmente, não desejaria uma chance da vida para devolver-nos na mesma moeda. Ao contrário, solicitaria de nós a força do amor, o benefício do carinho e do respeito, que, amplamente acolhidos como condutas que expressam as nossas propostas sinceras de perdão, nos dariam a oportunidade de reconstrução de uma nova vida para eles e para nós.
O que nos faz crer que carma é passar pelas agonias da provação dolorosa é nossa concepção de amor nas relações. As crenças que construímos sobre o amor foram as que mais engessaram nossa verdadeira capacidade de amar.
Nosso histórico em relação ao amor é muito mais uma forma de pensar do que um sentimento adquirido.
Pensamos que amamos porque sentimos algo que nomeamos como amor quando uma considerável parcela desse sentimento ainda é um reflexo do egoísmo, isto é, nós nos "amamos" no outro.
Essa forma de pensar o amor é uma crença que nos faz acreditar em um sentimento tão poderoso que chega ao ponto de se tornar prepotente. Um amor que seria capaz de extinguir dentro do outro todos os focos de dor, mesmo quando essa pessoa amada não deseje sair de suas sombrias prisões interiores.
Deus, por exemplo, nos ama intensamente e nem por isso o sentimento do Criador nos liberta das dores e perturbações. Por que isso acontece? Porque amor não é um sentimento cujo propósito seja resolver o que compete ao outro.
A mudança de nossa concepção sobre libertação cármica depende da renovação de nossas crenças sobre o amor.
Registremos seis crenças muito comuns à nossa forma ilusória de amar e procuremos em nossos grupos um debate sincero e acolhedor, à luz dos princípios cristãos, visando à construção de um curso sobre relações que curam:
- A crença de que podemos mudar o outro com nosso amor, mesmo que ele não queira. Conexão entre amor e prepotência.
- A crença de que amar é tolerar sem impor limites. Conexão entre amor e sacrifício.
- A crença de que amar é ser submisso à vontade do outro. Conexão entre amor e autoabandono.
- A crença de que amar é prover a pessoa amada de tudo o que ela solicita. Conexão entre amor e julgamento do que o outro precisa.
- A crença de que o outro vai se modificar por nossa causa. Conexão entre amor e expectativas muito elevadas.
- A crença de que somente com o amor do outro podemos ser felizes. Conexão entre amor e carência.
Pensar que amamos ainda é uma das expressões sombrias do nosso egoísmo milenar. A renovação de nossas crenças é a solução para essa enfermidade moral que um dia nos levará à condição prenunciada por Fénelon:
"Amai o vosso próximo como a vós mesmos.' Ora, qual o limite com relação ao próximo? Será a família, a seita, a nação? Não é a Humanidade inteira."
Esse é o amor que celebram aqueles que experimentam as relações cármicas que curam e libertam nossas vidas para a eternidade.
Ermance Dufaux
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