André Luiz - Livro Nosso Lar - Chico Xavier - Cap. 25
Generoso alvitre
No dia imediato, muito cedo, fiz leve refeição em companhia de Lísias e familiares.
Antes que os filhos se despedissem, rumo ao trabalho no Auxílio, a senhora Laura encorajou-me o espírito hesitante, dizendo, bem-humorada:
— Já lhe arranjei companhia para hoje. Nosso amigo Rafael, funcionário da Regeneração, passará por aqui, a meu pedido. Poderá aceitar-lhe a companhia em direção ao novo Ministério. Rafael é antiga relação de nossa família e apresentá-lo-á, em meu nome, ao Ministro Genésio.
Não poderia explicar o contentamento que me dominou a alma. Estava radiante. Agradeci, comovido, sem encontrar palavras que definissem meu júbilo. Lísias, por sua vez, demonstrou grande alegria. Abraçou-me efusivamente antes de sair, sensibilizando-me o coração. Ao beijar o filho, a senhora Laura recomendou:
— Você, Lísias, avise ao Ministro Clarêncio que comparecerei ao expediente, logo que entregue nosso amigo aos cuidados de Rafael.
Comovidíssimo, não conseguia agradecer tamanha dedicação.
Ficando a sós, a desvelada progenitora do meu amigo dirigiu-me a palavra carinhosa:
— Meu irmão, permita-me algumas indicações para os seus novos caminhos. Creia que a colaboração maternal sempre vale alguma cousa e, já que sua mãezinha não reside em “Nosso Lar”, reivindico a satisfação de orientá-lo neste momento.
— Gratíssimo! — Respondi, sensibilizado; — nunca saberei traduzir meu reconhecimento à sua atenção.
Sorriu a bondosa senhora, acrescentando:
— Estou informada de que pediu trabalho há algum tempo…
— Sim, sim… — Esclareci, relembrando as elucidações de Clarêncio.
— Sei, igualmente, que não o obteve de pronto, recebendo, mais tarde, a necessária autorização para visitar os Ministérios que nos ligam mais fortemente à Terra.
Esboçando significativa expressão fisionômica, a boa senhora acrescentou:
— É justamente neste sentido que lhe ofereço minhas sugestões humildes. Falo com o direito de experiência maior. Detendo, agora, essa autorização, abandone, quanto lhe seja possível, os propósitos de mera curiosidade. Não deseje personificar a mariposa, de lâmpada em lâmpada.
Sei que seu espírito de pesquisa intelectual é muito forte. Médico estudioso, apaixonado de novidades e enigmas, ser-lhe-á muito fácil deslizar na posição nova. Não esqueça que poderá obter valores mais preciosos e dignos que a simples análise das cousas.
A curiosidade, mesmo sadia, pode ser zona mental muito interessante, mas perigosa, por vezes. Dentro dela, o espírito desassombrado e leal consegue movimentar-se em atividades nobilitantes; mas os indecisos e inexperientes podem conhecer dores amargas, sem necessidade justa.
Clarêncio ofereceu-lhe ingresso nos Ministérios, começando pela Regeneração. Pois bem: não se limite a observar. Ao invés de albergar a curiosidade, medite no trabalho e atire-se a ele na primeira ocasião que se ofereça. Surgindo ensejo nas tarefas da Regeneração, não se preocupe em alcançar o espetáculo dos serviços nos demais Ministérios.
Aprenda a construir o seu círculo de simpatias e não olvide que o espírito de investigação deve manifestar-se após o espírito de serviço. Pesquisar atividades alheias, sem testemunhos no bem, pode ser criminoso atrevimento.
Muitos fracassos, nas edificações do mundo, originam-se de semelhante anomalia. Todos querem observar, raros se dispõem a realizar. Somente o trabalho digno confere ao espírito o merecimento indispensável a quaisquer direitos novos.
O Ministério da Regeneração está repleto de lutas pesadas, localizando-se ali a região mais baixa de nossa colônia espiritual. Saem de lá todas as turmas destinadas aos serviços mais árduos.
Não se considere, porém, humilhado por atender às tarefas humildes. Lembre que em todas as nossas Esferas, desde o planeta aos núcleos mais elevados das zonas superiores, em nos referindo à Terra, o Maior Trabalhador é o próprio Cristo e que Ele não desdenhou o serrote pesado de uma carpintaria.
O Ministro Clarêncio autorizou-o, gentilmente, a conhecer, visitar e analisar; mas pode, como servidor de bom senso, converter observações em tarefa útil.
É possível receber alguém negativa justa dos que administram, quando peça determinado gênero de atividade reservado, com justiça, aos que muito hão lutado e sofrido no capítulo da especialização; mas ninguém se recusará a aceitar o concurso do espírito de boa vontade, que ama o trabalho pelo prazer de servir.
Meus olhos estavam úmidos. Aquelas palavras, pronunciadas com meiguice maternal, caíam-me no coração como bálsamos preciosos. Poucas vezes sentira na vida tanto interesse fraternal pela minha sorte. Semelhante conselho calava-me no fundo d'alma e, como se desejasse temperar com amor os criteriosos conceitos, a senhora Laura acrescentou com inflexão carinhosa:
— A ciência de recomeçar é das mais nobres que nosso espírito pode aprender. São mui raros os que a compreendem nas Esferas da crosta. Temos escassos exemplos humanos, nesse sentido.
Lembremos, contudo, o de Paulo de Tarso, Doutor do Sinédrio, esperança de uma raça, pela cultura e pela mocidade, alvo de geral atenção em Jerusalém, voltou, um dia, ao deserto para recomeçar a experiência humana, como tecelão rústico e pobre.
Não pude mais. Tomei-lhe as mãos como filho agradecido, e cobri-as do pranto jubiloso que me inundava o coração.
A genitora de Lísias, agora de olhos fixos no horizonte, murmurou:
— Muito grata, meu irmão. Creio que você não veio a esta casa atendendo ao mecanismo da casualidade.
Estamos todos entrelaçados em teia de amizade secular. Brevemente voltarei ao Círculo da carne; entretanto, continuaremos sempre unidos pelo coração. Espero vê-lo animado e feliz, antes de minha partida. Faça desta casa a sua habitação. Trabalhe e anime-se, confiando em Deus.
Levantei os olhos rasos d’água, fixei-lhe a expressão carinhosa, experimentei a felicidade que nasce dos afetos puros e tive impressão de conhecer minha interlocutora, de velhos tempos, embora tentasse, debalde, identificar-lhe o carinho nas reminiscências mais distantes. Quis beijá-la muitas vezes, com o enternecimento filial do coração, mas, nesse instante, alguém bateu à porta.
Fitou-me a senhora Laura, mostrando indefinível ternura maternal e falou:
— É Rafael que vem buscá-lo. Vá, meu amigo, pensando em Jesus. Trabalhe para o bem dos outros, para que possa encontrar seu próprio bem.
André Luiz
VÍDEO:
Nosso Lar - Cap. 25/03 - Generoso Alvitre
O Espírito da Letra
Apresentação: André Luiz Ruiz
O Espírito da Letra - Nosso Lar - Analisando a obra de André Luiz psicografia de Chico Xavier
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