Vampirismo
Também pertence aos guardados do professor Newton Boechat e constante de nosso livro, Irmãos do Bom Combate, o caso abaixo:
Março de 1954...
Centro Espírita Luiz Gonzaga... Segunda-feira, dezenove horas e trinta minutos...
Chico Xavier, recém-chegado, recebia pequeno grupo de confrades de fora e uma porção de abraços.
Pouco antes da sessão começar naquela noite, ela entrou.
Corpo magro, sorriso sarcástico, afetação nos gestos, olhos revirados nas órbitas, andar agitado, trajes berrantes, excesso de pintura...
Dava-nos a ideia nítida de estar fortemente obsediada.
De um dos braços pendia a bolsa vermelha, já gasta, semi-aberta, abarrotada de papéis e de receitas assinadas por respeitáveis médicos da capital mineira.
Olga, como a chamaremos, de vez em quando, falando desconexamente, dava tapas violentos em seus próprios ombros magros, tudo isso mesclado com citações incongruentes, ditas para piedade geral.
Chico Xavier aproximou-se da pobre moça. Consolou-a. Citou-lhe frases curtas de estímulo espiritual, mas ela longe de perceber e muito menos sentir, falava continuamente e apanhava uma daquelas receitas comentadas, acompanhadas sempre e sempre de fortes palmadas nos ombros...
- Você pensa que eu falo com ela? – perguntou-me o médium.
-?...
- Não, não. Estou conversando diretamente com a entidade espiritual que a influência. É sua avó, desprendida do corpo físico há sete anos; não preparada para a vida no “outro lado”, presa ainda de acentuados desequilíbrios que alimentou, apoderou-se da neta por afinidade; a rigor, “Come-lhe o calor” ... *
Olga, escrava de seus caprichos, é-lhe perfeita médium, devido à trajetória idêntica que vem imprimindo à vida...
E concluiu:
- Vejo-a bem... (referindo-se ao ser desencarnado). Chama-se Mara J. B.** Vamos doutrina-la e, creio, com o processamento da reunião desta noite a neta cairá, ainda que por momentos, em seu habitual estado. É um caso categórico de obsessão, como os citados sobejamente na literatura mediúnica.
O certo é que ao principiar a reunião evangélico-doutrinária, Olga aquietou-se, ouviu placidamente o comentário, desdobrado por inúmeros oradores da noite espiritual.
Acerquei-me dela lá no saguão do Luiz Gonzaga. Conversamos naturalmente. Dissera-me estar ali pela primeira vez, na esperança de conseguir um bálsamo para o seu sofrimento.
Não conhecia o Chico. Sentia coisas estranhas e era avassalada por “força desconhecida” que a levava a fazer o que não podia... E não queria. Desviava-a para situações menos dignas, libidinosas. Após cessado o “assalto”, a “força” se saciava, retirando-se e deixando-a aniquilada... E desencantada, sentia-se, depois de passar a crise, ela mesma, com sua lucidez...
Mas os momentos em que se sentia assim eram tão efêmeros...
De supetão, roendo-me a curiosidade, fiz a pergunta:
- Como se chama a sua avó?...
- Chamava-se... Já morreu. Era Mara J. B. (pronunciou pausadamente o nome por inteiro da entidade de além-túmulo anteriormente registrada pela mediunidade do Chico).
Fenômeno curioso... O vampirismo além da vida!
Tal avó, tal neta! Uma, sustentáculo da outra, carregando o mesmo fardo, o mesmo vício mental!
Junho de 1955...
Um dia de sol... Galeria... Casa de lanches finos. Av. Afonso Pena, Belo Horizonte.
Parado à porta, eu observava interessante movimentação de automóveis ao longe, vendo até que ponto chegava a perícia de um chofer, quando...
- Vem!... Vem!...
Era a Olga! Transtornada, com as mesmas manias, e com ela, pelos sintomas, em torturada influência, a avó desencarnada!
Não me reconhecera, nem se lembrava de mim! O ser invisível anuviava-lhe mais uma vez a consciência...
Queria perpetuar o domínio!...
E lá se foi outra vez, passos largos, bolsinha à tiracolo, agitada, afetada, chamando a atenção dos homens...
Parece uma dessas torturadas a longas provações...
Rebusco os meus guardados, curiosos, interessantes e este caso despertará a curiosidade do nosso ilustrado Prof. Ramiro Gama, que certamente gostaria de conta-lo em seus Lindos Casos de Chico Xavier.
Ainda, depois daquela tarde, vi Olga “com a avozinha às costas”, como diz o meu amigo José Amorim, conhecedor do caso.
“Meus guardados... quantos alfarrábios tu não ocultas?...”
Ramiro Gama
(*) Frase textual do médium
(**) Substituição do nome real, para evitar dissabores e ressentimentos familiares.
Fonte: Julio Miyamoto
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