Felicidade, Desdita e Nós
– Por que sou tão infeliz?! – Perguntou com débil voz, saindo da reflexão para a realidade objetiva.
No acolhedor silêncio do quarto, cada um por sua vez meditava.
A interrogação trouxe-os todos ao recinto arejado, e D. Artêmis, que retinha na sua a mão da filha, sentada ao lado do leito, respondeu inspiradamente:
– Porque a felicidade se encontra onde cada qual coloca o coração, conforme ensinou Jesus. Se você situa as aspirações no prazer fugidio, no ouro mentiroso e nas paixões que ardem e se apagam em breve, a sua ausência produz a desdita. No entanto, se pensa em paz de consciência, retidão moral e dever corretamente cumprido, como metas de dignidade e honradez, a ventura se estabelecerá no coração tranquilo…
A Terra, aliás, não é fim, destino, consoante estamos aprendendo. É meio, escola, recurso de que nos utilizamos para ascender a planos realmente ditosos.
Quem deseja usufruir sem merecer, receber sem dar, colher sem haver semeado é obrigado a furtar e converter-se em indigno beneficiário da vida, que lhe impõe recomeços difíceis.
Todos podemos conseguir a felicidade, se soubermos e quisermos bem conduzir nossas aspirações.
Muitos desejariam um pomar referto, um jardim de messes… Por não consegui-los, desalentam-se, esquecidos de que também poderiam tornar-se um arbusto verde no caminho pedregoso, adornando a estrada adusta; uma árvore sobranceira, mesmo solitária, quebrando a inclemência e aridez da terra…
A montanha altaneira e íngreme, não raro, de quando em quando, nas frinchas e patamares, abre-se em vegetação teimosa, que reverdece o negrume sombrio da rocha e parece abençoar o minério, abrindo flores exóticas e raras que recebem o ósculo do Sol, da vida, em nome do Construtor Divino.
Felicidade, minha filha, é o bem que fazemos e não o gozo que fruímos. Não vemos os mesmos desaires entre opulentos e miseráveis, as mesmas tragédias no palco da glória e do fracasso, os mesmos desassossegos nos palácios e nas taperas?
A felicidade não resulta do que se tem e do que se desfruta, mas do que se é e do que se faz.
Jesus, podendo permanecer no sólio do Altíssimo, conviveu com as sombras hórridas dos vales humanos, a fim de clarear com insuperável luz as baixadas em que chafurdam as criaturas, fazendo-as anelar pelas claridades estelares do infinito.
Não nos queixemos! A reclamação reflete insatisfação pelo que temos, a traduzir a revolta de que nos consideramos defraudados e, em conseqüência, injustiçados por Deus.
Cada um recebe, não como julga merecer, porque a verdade é que coisa alguma merecemos, mas de acordo com o que nos seja melhor para o bem estar real, entende?
Não se lamente mais e saia do egoísmo vexatório, insatisfeito, fator da sua inquietação, aprendendo a descortinar belezas e esperanças.
A fim de consegui-los, arrebente as lentes enfumaçadas através das quais tem olhado a vida e abra-se à luz.
Eis aí um exemplo: se fecharmos a janela, campeiam as sombras neste recinto, agora em ouro; se abrirmos, reinará a claridade…
O sol do amor divino brilha incessantemente. A forma como se encontrarem as janelas das nossas intenções espirituais, morais e mentais, dirá do que preferimos: luz ou sombra, alegria ou dissabor…
Manoel Philomeno de Miranda
Fonte: Tramas do Destino -pdf
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