Lancellin - Livro Iniciação Viagem Astral - João Nunes Maia - Cap. 35
Amor é vida
Certamente que o amor é vida e, quem sente dificuldade em amar a Deus e ao próximo, desconhece a vida e não a sente na sua plenitude. Compadeçam-se daquele que não sabe o que é o amor. Aqui falamos do amor universal, que tanto inspirou os companheiros de Jesus no alvorecer do Evangelho. João disse que Deus é Amor e Paulo desenvolveu as qualidades do amor divisionado em variadas virtudes.
O amor puro não fere, não julga, não arrisca seu equilíbrio com defesas pessoais, não estimula a vaidade; é incompatível com o egoísmo e o orgulho. É justo, é manso, paciente e fraternal.
O amor não deixa a complacência trabalhar sozinha e acompanha sempre o perdão. O amor é paz, é labor construtivo. O amor é alegria, é saúde, é o uso de todas as virtudes na força do Cristo.
O amor é verdadeiramente Deus, é a harmonia dos mundos, é o existir de tudo. É a fonte inesgotável do saber. O amor faz existir eu e tu e toda a criação, ele é o elo que liga as vidas na Grande Vida. Se o Espírito não pode existir sem o amor, sem tê-lo como alimento, também o corpo não o pode, pois um é, por assim dizer, continuação do outro. Desde o encontro do óvulo com a semente masculina, o amor é o impulso desta vida. A fecundação se faz por ele, e o nascimento é envolvido pelo seu clima. E, ainda mais, o mundo uterino vibra em plena sintonia com as forças internas, o organismo trabalha em harmonia com o universo para se dar o milagre da vida. Isso se chama amor.
Ele é o alicerce do lar. Quando é cultivado entre pais e filhos, esse laço jamais se quebra, enfrentando o tempo e o espaço e iluminando consciências em sucessivas reencarnações. Ele é o que realmente salva as criaturas. Quem já conheceu essa verdade, começa a viver melhor. A amizade é fração do amor, em busca da compreensão. A simpatia é o amor querendo desabrochar as flores do entendimento, e o perdão é o amor querendo se manifestar esquecendo as ofensas.
Quando estendemos a mão a um faminto, passando para as suas mãos o pão que lhe matará a fome, é a energia do amor que nos impulsiona; quando dos nossos lábios sai alguma palavra de carinho ao sofredor, foi ele, no silêncio, quem nos inspirou para tal gesto.
Quando te lembras de aparar as arestas que te podem entravar o progresso, foi o supremo sentimento que te segredou aos ouvidos para que assim o fizesse. Quando procuras a escola da disciplina e da educação, o amor é, por excelência, o mestre. Quando não se tem nada a doar ao sofredor, a não ser um copo de água, o amor o transforma em remédio, que alivia ou cura o corpo e o Espírito. Ele está sempre presente no bem que fazes ou que ainda pretendas fazer. Ele se estende até a caridade e o estimula a fazê-la.
O amor é Deus, operando pelas mãos do Cristo no nosso mundo, essa Terra abençoada em que moramos, encarnados e desencarnados, pelas bênçãos do Senhor. Estávamos cada vez mais interessados nos trabalhos a que fomos chamados a realizar. Cada noite nos trazia um punhado de experiências novas que nos alegravam e confortavam, como também nos instruíam. O grupo formado pelo nosso guia espiritual afinou-se de modo extraordinário, engrandecido pelo amor, a humildade e o campo da inteligência para o bem de todos. Sou devedor desses irmãos que tenho a felicidade de acompanhar nesse trabalho cristão, nesse trabalho de amor. Acende-se em nós um grande interesse: o interesse de amar, naquele sentimento que não exige, que não vende e que serve sempre. Nós estamos semeando a semente da fraternidade e queremos muito a cooperação humana. Já que somos mais ouvidos nas organizações espíritas, que os espíritas nos ouçam: vamos trabalhar! Todos têm condições, bastando querer.
Trabalha no Bem, se não puderes fazê-lo fora, dentro da tua própria casa. Trabalha com o Cristo, junto aos teus colegas de lazer. Trabalha nas ruas e, se o teu destino te pediu que suportasses a enfermidade, trabalha mesmo no leito de dor, com a paciência, com o verbo, com o proceder. Estamos convocando a todos, para que a fraternidade se alastre por toda a Terra.
Ninguém nos impedirá, de agora para frente, de estarmos sob a influência do Bem, que é o mesmo amor, liga divina que faz os homens se entenderem em todos os continentes. Nada se perde, tudo se transforma, e a transformação é sempre para melhor. Caminhemos com Deus e Cristo no coração!
Meu irmão, há muita alegria nos planos superiores da espiritualidade, quando as pessoas começam a despertar para o exercício do Bem em favor da coletividade. Deixemos que o Senhor apareça no nosso deserto interno e com a Sua luz faça cair as escamas que nos impedem de ver a Verdade, e tomemos novos rumos. Nascer de novo é também renovar-se, com a autoeducação dos sentimentos. Com o tempo, a Verdade irá se projetando de maneira mais visível para a humanidade, e ela haverá de se libertar do egoísmo, chaga maior do ser humano. Vamos nos unir em um só rebanho! As divisões nos enfraquecem e o orgulho e a vaidade nos trazem divisão.
Meditemos e compreendamos que Deus, sendo Deus, nunca coloca as responsabilidade em uma só mão. Isso é muita pretensão de quem assim pensa. A verdade e a justiça não pedem conselhos às leis humanas; elas impõem as regras estruturadas por Deus para toda a criação. O sábio e o santo não procuram esconder a Verdade: eles obedecem, estudam e divulgam todas as linhas do amor, principalmente, pelos canais do exemplo. Vamos imitá-los. Jesus Cristo é um traço de união em todos os ramos da vida e da sabedoria, para que o amor transforme a Terra em um só rebanho para um só Pastor. A falta de amor na Terra é que gera as guerras, as pestes, a fome, os desentendimentos, o ódio, a injustiça e a falta do mínimo necessário para a família terrena.
Mais uma vez estávamos reunidos em nossa colônia, ouvindo uma bela obra musical, nem sempre valorizada, como merece, pelos irmãos que ora habitam a Terra. Relaxamo-nos para ouvir a Traviata, de José Verdi, grande compositor italiano que viveu mais de 80 anos com as antenas ligadas na harmonia universal. O Papa Leão XIII era admirador incondicional de Verdi e as suas músicas lhe davam novas inspirações.
O salão onde estávamos ficava impregnado de uma atmosfera altamente positiva, de onde tirávamos muito ânimo para os nossos trabalhos. São recursos às nossas mãos, que temos no plano em que habitamos. Que Deus nos abençoe sempre, para que possamos repartir com os homens esse bem-estar espiritual.
Naquela noite, entramos em uma câmara magnética na nossa colônia para ativarmos as nossas percepções, por intermédio de altos instrutores adestrados nesta arte divina, objetivando o nosso estudo sobre a vida mais sutil. No entanto, poderíamos voltar ao nosso estado natural, desde quando a vontade assim o requeresse. Nós somos anjos em potencial, dormindo em nós todas as qualidades dos Espíritos puros. Essa é a nossa esperança.
Estava faiscando de vontade de usar os poderes até então adquiridos e poderia fazê-lo quando bem o quisesse; não obstante, fomos advertidos para o seu bom uso. Despedimo-nos dos companheiros do salão, que nos desejaram boa viagem e bons serviços, e aprumamos nos espaços de Deus. Todos estávamos esperançosos e eu, com as aulas que recebera de como usar a minha vontade, logo experimentei: concentrei a mente nos pontos indicados e senti subir na minha espinha espiritual uma espécie de fogo que, enquanto subia, provocava o crescimento da minha percepção e a visão se abrindo sob o controle da vontade, e eu podia observar qualquer coisa no espaço infinito, melhor do que pelo telescópio do Monte Palomar, ou inverter e observar as microvidas bem mais nítidas do que o mais moderno microscópio eletrônico pode oferecer.
Concentrei meus pensamentos na atmosfera em que respirávamos, e fui vendo uma coisa espantosa: nós estávamos viajando em um mar de energia cósmica. Procurei saber o que era aquilo e alguém me segredou:
— Isso, Lancellin, é o grande oceano etérico que interpenetra tudo, que dá vida e faz mover as vidas. Mas ele se modifica de conformidade com o ambiente em que chega. Isso é o Prana dos indianos, o hálito de Deus. Para finalizar, isso que observas pelos teus dons dilatados, é o amor, em sua plena função.
Observei mais e notei uma leve música partindo do turbilhão imensurável de energia, e foi-me explicado que a melodia era ouvida de acordo com a elevação de cada um de nós, ou seja, pelo poder mental e as condições espirituais de cada Espírito, poderíamos ouvir o que pretendêssemos, sob a regência da grande orquestração universal.
Sei das minhas deficiências, sou consciente de que não merecia o que me foi concedido. Senti uma imensa gratidão por Deus, e aqueceu-se em minha mente uma ideia sobre o quanto vale a caridade, o interesse de ajudar por amor. Sei, entretanto, que fiz o mínimo em favor dos outros. Remoí no coração esses sentimentos.
Fiz uma experiência, isso em plena viagem, e não sei se os meus companheiros fizeram o mesmo. Com certeza, cada um estava aplicando a sua vontade em algum ramo de experiência válida. Depois vamos conversar sobre isso. Comecei a formar ideias negativas e, em um instante, já não via nem sentia mais a energia luminosa que me cercava como se fosse um mar, e passei a ouvir um barulho esquisito; a visão foi desaparecendo e, no mesmo momento, não percebia os meus companheiros, e a escuridão assomou em meu caminho. Gritei pelos irmãos, porém, eu mesmo tinha a intuição de que os meus gritos não tinham repercussão no campo em que eu projetava os sons. Emiti fortes pensamentos mas eles não saíam da minha mente, como se estivessem em circuito fechado' Que coisa horrível!... Lembrei-me, então, da paciência de Deus e Cristo e orei com humildade. Fui voltando às ideias elevadas, concentrei-me no amor e o senti por todos os seres viventes; com todas as minhas forças, isolei-me gradativamente dos pensamentos que formei antes e tornei a ver como antes.
Dei um "graças a Deus" em tal altura, que mais parecia um trovão. Eu estivera em um ambiente terrível, que não posso descrever aqui; todavia, mãos amigas socorreram-me, e retornei à viagem sem outros incidentes a mencionar.
A evolução é coisa muito séria. Eis porque é gradativa. Não se pode ativar o estado evolutivo em criaturas que não têm a capacidade de saber usá-lo, pois torna-se pior para a sua vida espiritual. É uma maravilha uma mente educada; no entanto, essa educação tem um preço muito alto na escada de Jacó, para nós, que estamos envolvidos com as coisas da Terra. Ela requer suor, lágrimas e sacrifício, e o maior dos sacrifícios é eliminar o egoísmo do coração, acostumado na usura e no amor próprio.
Íamos descendo, com o verde já às nossas vistas. Notávamos do alto um grande risco na Terra e, de quando em vez, luzes mostrando o roteiro: era uma rodovia. Miramez aguçou os ouvidos e disse-nos:
— Temos trabalho urgente, alguém nos pede ajuda.
Acabamos de descer, em um segundo. De um lado da estrada via-se um grupo de entidades preocupadas, e logo tomamos conhecimento do caso: eles tinham observado um lote de Espíritos inferiores planejando a queda, em um abismo, de um ônibus que já saíra da rodoviária em direção a outra capital. Quando chegamos, eles se animaram, e o chefe socorrista adiantou-se, falando a Miramez, com esperança:
— Caro irmão em Cristo, permite que nós beijemos as tuas mãos por gratidão, pelo alívio que estamos sentindo com a tua presença. Que Deus vos abençoe!
Não aceitamos aquela reverência, pelo menos eu, diante das minhas condições espirituais, que não são boas. Talvez aqueles companheiros das estradas estejam com os fardos mais leves do que o meu, e o jugo mais suave do que o que carrego nos ombros.
Miramez abraçou-os como irmãos em Cristo, seguido por todos nós, e nos pusemos à disposição daqueles trabalhadores. Notávamos o grupo inquieto pelo tempo que passava. Miramez nos pediu, nestes termos:
— Ativai as vibrações. Quero crer que no meio dos Espíritos desequilibrados que se reúnem para o mal, haja alguns de visão mais apurada, e é bom que eles não nos vejam. Eu vou ficar acima deles com Kahena, e vós ficais embaixo, rente ao chão, porque já observei que eles armaram a armadilha dos lados da estrada e lá estão instalados há horas, com planos delineados para jogar o veículo no despenhadeiro. Para tanto, eles têm o empenho de um magnetizador das trevas. Esse é o primeiro ato em quase todos os desastres, para fazer o motorista dormir ou cochilar, porque aí fica mais fácil sugerir um golpe no volante na mente de quem está dirigindo o carro, o qual refletirá nas mãos físicas do mesmo. Outra turma deles entra no veículo para estimular piadas picantes e pensamentos inferiores, formando assim, o ambiente propício para o trabalho das trevas.
Abordarei primeiro o líder das sombras, que é o magnetizador; com ele neutralizado, os outros se desequilibrarão, e quando notardes que o nosso trabalho foi feito, invadi o veículo e iluminai-vos dentro dele, que eles não irão suportar.
Nesse momento, o carro visado surgiu no outro lado da estrada que o pontilhão divide. Estávamos todos habilitados para o serviço. Dois dos Espíritos das sombras estavam volitando acima do solo a uns quinze metros de altura, um de cada lado da estrada, concentrados, e pude observar pela visão à distância, a feição dos dois: eram mal-encarados; notava que partia das suas mentes uma corrente de forças em direção ao local escolhido para a queda do ônibus. Um punhado deles ia andando na rodovia ao encontro do carro. Quando vi o coletivo, tive um calafrio. Aproximei-me do Padre Galeno, e ele entendeu a minha preocupação.
—Tem fé, meu filho, Deus nunca falta com o seu socorro aos que buscam amparo com o coração no amor.
Ainda mais, lembrei-me de que nós tínhamos Miramez à frente do trabalho. Quando o ônibus foi se aproximando do local, notei que o motorista baixou as pálpebras, com os olhos cansados. Procurei analisar de onde vinha o que o perturbava, e vi como que duas linhas de um azul escuro, mas, com certa claridade, que partiam de dois olhos grandes, as quais confundiam a visão do motorista. Parecia, ainda, que eles se utilizavam do para-brisa e do espelho ao lado, para o seu infernal trabalho. Eu pouco trabalhava, a fim de poder observar todo o ocorrido. Miramez estava mais acima deles e pude notar uma coisa extraordinária: ele, concentrado, iluminou-se todo, mas, a iluminação maior era em suas mãos, que pareciam dois sóis. Contudo, as claridades eram diferentes uma da outra. Ele, com o semblante sério onde se notava fluir um teor energético indescritível, quando já estava bem perto do local escolhido pelas trevas, juntou as duas mãos e delas partiu um raio, que depois fiquei sabendo ser dirigido pela sua potente vibração bem em direção ao magnetizador.
Atingido, aquele Espírito tombou de lado dando um grito, diante do inesperado. Ele estava mais ou menos ligado com o motorista do coletivo e esse quase dormindo, se assustou, pois escutara alguém gritar, acordando sobressaltado. Recompôs-se, diante da sua obrigação, firmou as mãos no volante e passou no pontilhão já com quase cem quilômetros horários. Entramos no veículo no mesmo instante, e nos iluminamos. As entidades das trevas, dentro do veículo, saíram espavoridas pelas janelas, outras entravam debaixo dos bancos, gritando. Respiramos aliviados, pois o carro já corria sereno em uma grande reta. Quando o ônibus parou mais adiante em um restaurante, para o costumeiro descanso, o motorista abriu a porta, meio cansado pelos fluidos negativos do magnetizador e perguntou aos passageiros:
— Qual de vocês gritou aí dentro? Ouvi um grito e estive às portas do desequilíbrio no volante!
Ninguém tinha gritado. O motorista, sem graça, notou que tinha cochilado e passou a temer a viagem. Nós nos reunimos todos por ali mesmo, e os Espíritos do grupo de socorro das estradas nos agradeceram efusivamente, dizendo:
— Se não fosseis vós, só Deus sabe o que poderia acontecer. A curiosidade queria me levar ao local do quase acidente outra vez, para observação de como ficaram os irmãos das sombras.
Miramez, notando minha disposição, falou com brandura e sabedoria:
— Lancellin, essa força que nos impulsiona a isso não é nada boa para os que querem aprender o amor com Jesus Cristo. Não devemos nos alegrar com os infortúnios dos irmãos entregues ao erro. O tempo se encarregará deles, como cuidou de nós em outras épocas!
Baixei a cabeça e senti que era verdade. Eu ia me alegrar verdadeiramente com o fracasso deles, quando deveria ter piedade e orar por eles. Busquei o nosso irmão para outra pergunta, que deveria ser feita anteriormente, mas, que omiti por faltar oportunidade:
— Miramez, poderias nos dizer por que foi que eu perdi a visão, que estava sendo celestial na ativação dos meus sentidos, e não pude mais ver os companheiros da nossa equipe?
Miramez, serenamente, respondeu:
— Meu filho, isso tudo é problema de sintonia, como bem conheces. Quando o Espírito está encarnado, é mais demorado dar vida ao que pensa; quando em Espírito, é mais rápido. Principalmente sendo a alma mais evoluída, ela muda de faixa com maior rapidez. Foi o que ocorreu contigo.
Arrisquei outra pergunta, para acalmar o coração.
— Eu não vi mais aquele fluido universal que parecia um oceano em uma cadência indescritível que chegava à fascinação, facultando-me um conforto sem comparação. Ele desapareceu mesmo? Não o senti mais!
Miramez esclareceu:
— Esse fluido divino nunca foge de ninguém, nem desaparece de lugar algum; ele é uma essência de Deus, pela qual Ele recolhe todas as informações da Sua criação, até mesmo a microsinfonia dos átomos. Tu é que te isolaste dele pelo magnetismo negativo desprendido da tua mente em adestramento! Quanto mais a alma evolui, mais se integra nas suas correntes de luz, recebendo o amor de Deus por esse veículo de caridade. Alguns místicos do passado idealizaram uma contagem de vibrações do éter, que é esse mesmo fluido. Como se enganaram! Elas são incontáveis, e mudam de conformidade com o ambiente onde operam, ajudando e fazendo presente o Criador. Pensei em escrever alguma coisa para que os homens pudessem conhecer essa bênção de Deus, porém, Miramez notando minha inquietação, alertou-me:
— Lancellin, na Terra existe muita coisa escrita sobre esse hálito do Senhor. Está dependendo das criaturas modificarem os métodos de viver e de pensar. Falta-lhes certa evolução para tanto.
O éter divino se afina por excelência com a harmonia, porque tudo que foi criado, foi feito com harmonia. Ele tem uma sensibilidade sem par; ele é o magnetismo de Deus que viaja nas asas do amor em favor de todos nós. Se faltar essa bênção dos céus em algum lugar, a vida cessa. Silenciou por alguns instantes, e continuou:
— Olha, Lancellin, o corpo físico depende dessa energia divina para manter em forma e com saúde o corpo astral. Esse que ora usamos e que nos serve de vestes, está apropriado pelos centros de força, com raízes mais profundas do que se pensa, a filtrar esse éter que os humanos chamam de cósmico. Ele ativa os meridianos do corpo, já que corre nos seus canais luminosos, garantindo o equilíbrio. Ele se acumula mais no baço do ser humano, porque o seu depósito está no plexo solar do duplo etérico. Quando as pessoas se encontram enfermas, essa energia circula mal e, geralmente, pode-se dizer que a causa está na mente.
O mal é gerado na mente, no presente ou no passado. É por isso que em todos os tratamentos dos seres humanos, e mesmo aqui no mundo espiritual, aconselhamos em primeiro lugar o passe e a água fluidificada. O passe, aplicada por pessoas que têm esse dom aflorado, faz circular essa energia, e a água magnetizada ajuda a substituição das células mortas, vitalizando os órgãos em decadência. Esses são alguns traços desta ciência que podemos mostrar-te. Eu ainda não estava satisfeito, queria saber mais, e perguntei:
— Se esses passageiros tivessem de sucumbir, como que em uma prova coletiva, eles receberiam a assistência que receberam?
— Depende — respondeu nosso guia.
Fiquei mais intrigado.
— Depende de quê?
Mansamente as palavras fluíram dos lábios de Miramez:
— Neste caso, por exemplo, no último banco do coletivo vinha uma pessoa que sustentou a assistência de todos: era uma senhora de qualidades morais elevadas que, ao entrar no ônibus, elevou uma oração a Deus, pedindo que tudo corresse bem, pedindo a Ele as bênçãos para todos os que com ela viajavam... Dormiu em certo percurso da estrada e, desdobrando-se, foi até nossa colônia, como é de seu costume. Sendo uma criatura de uma folha de trabalho muito grande, os nossos maiores a olham com todo carinho. Dizendo lá que estava viajando em um ônibus, recebi a incumbência de percorrer a via onde iria passar o coletivo, e foi o que fiz. Logo descobrimos essa cilada armada por nossos irmãos ignorantes, para brincar com vidas humanas. Dentro do ônibus viajava uma pessoa justa, com muito crédito no mundo que habitamos, e que ainda suporta um peso sobremodo elevado de uma família conturbada pelas provas, o qual merece todo o nosso esforço. E o fizemos com alegria.
Fiquei em dúvida maior e perguntei:
— E se essas pessoas do ônibus tinham de passar por essa provação, que seria coletiva, como fica isso?
Respondeu Miramez:
— Que essa provação fique para depois. Há tempo para tudo, principalmente para provas coletivas. O nosso dever é, pois, proteger quem sustenta o Evangelho na Terra, pelas vias da vivência, seja em qualquer religião, filosofia, ou mesmo na política. O Evangelho na Terra é um fenômeno dos céus, de grande interesse pelo Senhor. Ao justo, Lancellin, são facultados todos os meios de defesa; até a própria natureza o vigia em seus caminhos!
Fiquei querendo conhecer essa senhora, cujo nome omitimos a pedido dos nossos orientadores, criatura que merece tamanha atenção, até dos nossos maiores. Miramez meditou, e encerrou a sua conversa nestes termos:
— Lancellin, vê o que está escrito no Salmo trinta e sete. Versículo vinte e cinco: "Fui moço, e já agora, sou velho, porém, jamais vi o justo desamparado, nem a sua descendência a mendigar o pão". Até os familiares do justo recebem a misericórdia do Senhor, por estarem com ele vivendo. Assim sucedeu com os companheiros dessa senhora, no coletivo mencionado; eles receberam a graça dos nossos superiores, por serem companheiros de viagem de uma criatura reta e que respeita as leis de Deus.
Suspirei... Cresceu dentro de mim uma vontade de ser justo, de ser bom, de me autoanalisar, fazendo uma reforma íntima, no silêncio. Pensei: "Então o justo não se preocupa com o mal? Não tem medo de nada que o possa perturbar?"
Padre Galeno veio em meu amparo, dizendo:
— Claro!... Claro, meu filho, que o justo não se preocupa com o mal, porque toda a sua atenção está no bem. Ele ama a Deus sobre todas as coisas e ao próximo como a si mesmo.
Aí pensei com esperança: "Mas que felicidade! Hei de chegar lá, se Deus quiser".
Depois de tudo resolvido naquela rodovia, fomos chamados para uma oração, e Padre Galeno comentou:
— Depois que recebemos tanto, o nosso primeiro dever é agradecer ao Todo Poderoso, pela dádiva de Seu amor!
Reunimo-nos com os vigilantes da estrada e foi dada a palavra a Kahena, que assim orou:
Luz que nos comanda a todos!.. .
Depois de um pequeno esforço nos serviços da fraternidade, abençoa, Senhor, os nossos corações, para que possamos perdoar, esquecendo as faltas; ajudar sem exigir recompensa e amar sem condições.
Ajuda-nos a limpar da nossa consciência, qualquer traço, por mais leve que seja, de discórdia, qualquer impressão, mesmo a mais branda, de dúvida sobre a Tua bondade e o Teu amor. Não nos deixes cair nas tentações, que por vezes dominam na Terra. Agradecidos estamos pela Tua assistência nas horas que a fraternidade nos une e que a caridade nos mostra o que deveremos fazer.
E Te pedimos, Pai nosso que estás nos Céus, que revigores as nossas forças, em todos os momentos em que estivermos lutando para estabelecer definitivamente o Bem entre as criaturas. Senhor, olha essas almas de valores extraordinários, vigilantes das estradas, em cujas fisionomias lemos a ansiedade por ajudar os que passam, abençoa aos seus esforços todos os dias e todas as noites, porque sobre os seus ombros pesa a responsabilidade de manter a ordem nas rodovias, sob o perigo da ação dos Espíritos malfazejos que ainda se alegram com os infortúnios alheios.
Pedimos, também, para os reinos da natureza, que no silêncio da vida, nos ajudam a assegurar a própria vida.
Não podemos nos esquecer daquela mulher valorosa que viaja neste coletivo; abençoa o seu coração, para que resista às duras provas por que passa no seu lar, e as lutas que trava; para os companheiros que se associaram a nós, sob a direção deste valoroso companheiro em Cristo, o nosso irmão maior Miramez, instruindo-nos mais, para que possamos amar com mais profundidade os serviços que a vida nos chama a fazer.
Abençoa, meu Deus, o ar, a terra e o mar, e que essa virtude maior, o Amor, seja o nosso caminho para sempre.
Assim seja.
Desceu do alto como que uma nuvem de fluidos, onde dominava a policromia divina, e essa nuvem se fez como por encanto, repartida; essas divisões foram dadas a cada um de nós, em um repasto de energia. Kahena, ao perceber isso, ajoelhou-se, interceptando a parte que lhe cabia, com o pensamento, com lágrimas nos olhos e falou exteriorizando amor:
— Senhor, essa parte que me toca por misericórdia, eu não a mereço e, se a Tua bondade pode me ouvir, deixa que seja entregue aos vigilantes, pois eles é que são merecedores desta bênção!
Embargou a sua voz de emoção, e nós choramos também. O grupo de vigilantes experimentou os mesmos sentimentos mas, foram tomados de luz e ficaram como estrelas iluminadas. Vi que o diretor daquele grupo perdeu também a voz e somente olhou para nós. Por seus olhos vivos, o coração transmitia a mais alta expressão de amor.
Partimos, e ao longe se via aquele grupo de Espíritos do bem, iluminados por graças de Deus, acenando as mãos para nós, com um adeus inesquecível. Miramez comandava a nós outros com pulso forte, tendo uma energia de nos assustar, quando necessário, mas, tornando-se uma criança quando o ambiente requeria. Contava histórias nos intervalos, manchetando-as de humorismo sadio, e a alegria nos animava mais, valorizando a vida em todos os aspectos.
A vida nos parecia cada vez mais bela. Nós tínhamos momentos de descanso na nossa colônia, não tanto quanto requer um corpo físico, pois trabalhamos umas vinte horas, diariamente, sem a manifestação do cansaço costumeiro, de quando estamos vivendo no corpo de carne.
O corpo espiritual, ou perispírito, tem um pouco de diferença do físico, por estar em outra dimensão de vida. Certamente que o corpo material é verdadeiramente uma duplicata do espiritual; todavia, o de cá obedece a certas exigências do ambiente em que vivemos. Quando subimos na escala mental, quando desenvolvemos de certa forma o campo dos nossos pensamentos, eles comandam os corpos que nos servem de casulo. A mente é tudo na vida, principalmente quando em Espírito. Tão logo se forma o pensamento, já o estamos vivendo; por isso é necessário que eduquemos, com urgência, os nossos sentimentos, para que não venhamos a cair em enganosas atividades. Nós vamos te dizer, novamente, uma verdade: deves aproveitar todos os tipos de regras para educar a mente com Jesus, porque, se não começares na área da carne, terás que fazê-lo aqui, onde poderás encontrar mais dificuldades. Ganha tempo, dando início a esse trabalho aí mesmo onde estiveres, onde fores chamado a viver.
A mediunidade cristã tem oferecido muitas modalidades de educação e disciplina da mente, e sobre esse assunto existem muitas e muitas mensagens. Por que desprezar essa bênção de Deus? Depois te arrependerás e te custará muito mais caro, em outras áreas de jazer. Os espíritas têm sido muito agraciados pelas mensagens mediúnicas, portanto, crescem também as suas responsabilidades diante de Deus e da consciência. A mente humana se encontra viciada em ideias carcomidas pelo tempo e quase não suporta mais a verdade distribuída pelo progresso.
A comunidade humana tem tudo no mundo, com abundância, para viver feliz. Se não vive, é por desprezar algumas leis naturais. O amor é vida, pois ninguém vive sem ter pelo menos uma fração dessa virtude no coração. Riqueza nunca impediu a felicidade de pessoa alguma; o que entrava a paz nos caminhos dos homens é o apego, filho do egoísmo.
Descemos em uma casa de alienados mentais e fomos recebidos na entrada por uma equipe de Espíritos joviais, que nos abraçaram a todos, deixando-nos à vontade. Enquanto traçávamos planos de trabalho em ampla sala espiritual, Miramez pediu para que Padre Galeno e eu pudéssemos buscar a irmã Quatorze, em iniciação de viagem astral consciente. Olhei para o sacerdote e partimos. Fiquei naquela expectativa! "Quem será ela?" E o Padre Galeno tomou uns caminhos já por nós percorridos naquela mesma noite. Fiquei pensativo. Passou mais um pouco, e pude observar o mesmo coletivo que foi livrado do desastre Sim, era ele mesmo.
Padre Galeno perguntou-me:
— Reconheces esse ônibus, Lancellin?
Retruquei, com bom humor:
— Não é o que acabamos de...
— É esse mesmo, atalhou-me o sacerdote, e vamos entrar nele. Pensei comigo: "Será que a irmã Quatorze é aquela senhora por intermédio de quem os passageiros se livraram da emboscada dos malfeitores?"
Padre Galeno leu meus pensamentos e acrescentou entusiasmado:
— Justamente, meu filho, é ela.
Aí pedi explicações:
— Como pode ela nos ajudar, se está viajando dentro de um coletivo? O ambiente heterogêneo não dificulta os nossos trabalhos?
Padre Galeno, revestido da humildade peculiar ao seu mundo interno, respondeu-me, sorrindo:
— Há uma locução latina que diz: "Nihil admirari". Por enquanto, não vamos nos admirar com nada; se é para fazer alguma coisa, mãos à obra. No trabalho, vamos ter tempo de sobra para as devidas conversações. Sorrimos juntos e entramos no coletivo. Quatorze estava dormindo; o ônibus corria serenamente e o motorista estava vigilante, com redobrada atenção na estrada. Poucos passageiros estavam acordados; a maior parte dormia.
Comecei a observar a nossa irmã que ia se desdobrar e vi, espantado seu cordão de prata: era um facho luminoso extraordinário que pulsava qual nervo agitado. O cordão fluídico dançava dentro do coletivo, até uma distância que ia de dois a três metros. Ele queimava o magnetismo inferior emanado pelos demais passageiros. Verifiquei esse fenômeno, e diante do meu espanto, Padre Galeno, trabalhando na limpeza espiritual do ônibus, disse-me prestativo:
— Lancellin, a nobreza de caráter da irmã é tamanha que, onde ela estiver, em alta conversação ou em trabalhos que lhe compete realizar, o magnetismo puro do seu Espírito flui com facilidade através do cordão de prata a beneficiar o seu corpo, como também aqueles que a cercam, em vivência ou viajando com ela.
E arrematou:
— Isso é a força do amor!
Tentei outra pergunta, mesmo em serviço:
— E como eu, por exemplo, posso adquirir esse amor, de sorte que possa operar também esses benefícios em favor da humanidade?
— Meu filho, tudo na vida pede preparo para ser mais útil. A boa vontade só, pouco realiza. Necessário se faz que aprendamos todas as ciências espirituais, porque elas são o ninho onde pode pousar a ave de luz, que se chama Amor. A vida é uma grande universidade e todos nós temos de aprender a conhecer, para depois saber ajudar com eficiência. E para tanto, caro irmão, nós temos um grande mestre, que vive geralmente no silêncio e que se chama Tempo. Deus nos deu tudo; basta fazer a nossa parte, que denominamos de Conquista. Educar é o lema, instruir é o tema de maior urgência nas nossas vidas.
Voltei os olhos para o cordão fluídico da nossa irmã e vi cores que me encantaram: um azul brilhante, com estrias de um róseo vivo, desfazendo-se em branco. Eram cores pulsáteis, como que parecendo dotadas de inteligência, pois recebiam o fluxo da mente da nossa irmã em questão, que iria estar na nossa colônia espiritual com alguns dos nossos maiores, em conversação de elevado teor.
Padre Galeno abeirou-se da nossa irmã Quatorze, que continuava em pleno sono, emitiu uma corrente magnética no seu cordão de prata e falou baixinho:
— Vem, irmã! Está na hora de trabalhares, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo!
Daí a instantes, ela acordou com um leve sorriso, pensando: "Parece que alguém me chamou!... Quem seria?"
Padre Galeno então lhe falou telepaticamente:
— Nós estamos aqui, minha filha, a esperar-te para o nosso trabalho de desdobramento consciente. É bom que não percas a oportunidade que Jesus te oferece! Notei que ela registrou bem a fala do padre, lembrou-se de algumas viagens astrais que já tinha feito mas, pensou logo: "Estou dentro de um ônibus! Seria Possível? E o ambiente?"
Padre Galeno projetou novos pensamentos em sua mente dizendo:
— Minha filha!... Para servir ao Cristo, não podemos escolher lugar. Fizeste uma viagem inesperada para ver alguém do teu coração distante fisicamente, e nesta viagem, se a irmã não desanimar, poderá ajudar muito aos que sofrem, e esta caridade refletirá nos teus parentes.
A sensibilidade dela registrava as palavras em forma de intuição. Acomodou-se na poltrona sem perder a satisfação e, naquela meditação em forma de prece silenciosa, ela começou a recordar o sonho que teve. Nós víamos as imagens desfilarem na sua mente, lembrando-se do encontro que teve na colônia do Triunfo, no salão de estudos e meditações. Padre Galeno deu-lhe uns passes no epigastro, demorou com as mãos na sua cabeça e chamou-a para fora do corpo; ela saiu com facilidade. Flutuou dentro do ônibus, depois aprumou o corpo espiritual e avançou para o sacerdote, beijando-lhe as mãos. Padre Galeno, para disfarçar seus pensamentos de muita estima, falou-lhe com carinho:
— Olha, filha - apontou para mim - esse é o nosso irmão, que vem desempenhando um papel muito importante. Ele escreve através da mediunidade, para que os homens saibam dos nossos trabalhos aqui no mundo espiritual.
Ela olhou para mim, como lendo-me por dentro, cumprimentou-me com gentileza e me desejou felicidade, mas isso, com tanto amor, que eu notava que de seus lábios, senão do coração, saía uma chama azul que tomava todo o meu ser. Fiquei renovado em minhas energias mais íntimas, e meu pensamento se inquietou, querendo perguntar ao padre o porquê daquilo, daqueles eflúvios altamente energéticos. Padre Galeno veio em meu auxílio imediatamente, dizendo-me, enquanto a nossa irmã corria todo o ônibus, olhando para as pessoas com carinho:
— Ainda aqui, no mundo espiritual, no plano em que habitamos, a energia da mulher é o complemento de que carece o homem. Mais tarde irás estudar com mais detalhes esse fato, que sempre ocorre entre nós.
A nossa irmã em Cristo abraçou seu corpo de carne como se fosse seu próprio filho, beijou-o efusivamente de todos os lados, e disse:
— Fica bonzinho aí até eu voltar. Que Deus te abençoe.
Demo-nos as mãos e saímos em pleno espaço, sem nenhum impedimento.
A nossa irmã Quatorze perguntou pelos outros trabalhadores e o Padre Galeno informou que já estavam nos esperando em uma Casa de Saúde.
Entramos no hospital e a nossa irmã regozijou-se com os nossos companheiros que estavam à sua espera. Já eram muitos os que ali se reuniam com os nossos amigos de trabalhos. Estavam em nossa companhia, em serviço de desdobramento, vários Espíritos, como citamos nos capítulos anteriores, pois a ida espiritual é uma eterna escola, que se paga com amor e boa vontade, procuramos logo um cubículo nos fundos do casarão, e lá estava um homem totalmente despido, em uma sujeira que a palavra não consegue expressar, a boca espumando, os olhos inquietos, cabelos em desalinho e que, de vez em quando dava gritos ensurdecedores. Fiquei espantado com tamanha degradação de um ser humano. Fomos nos aproximando e notei a atmosfera pesada. Observamos então, com muita nitidez, quatro Espíritos dentro da cela com o demente, dois dos quais montados nele "a cavalinho". Eles pareciam enlouquecidos de ódio pelo enfermo; falavam em seus ouvidos, gritando palavras obscenas e chamando-o por nomes pornográficos.
Os nossos amigos de trabalho estavam desligados das coisas inferiores; entraram e começaram a meditação. Eles não percebiam nada da nossa presença, felizmente. Vi, com emoção, a irmã Quatorze ajoelhar-se dentro da cela, rente ao enfermo, que nesta hora assentara-se em uma saliência do quarto, pegar as mãos e beijá-las enternecidamente e molhá-las de lágrimas partidas do coração. Ela falou para a intimidade do doente, nestes termos:
— Meu filho, estou te reconhecendo e quero-te como se fosses o meu próprio filho, aquele que nasce das nossas entranhas quando estamos na carne! Esse encontro para mim é, pois, uma bênção de Deus limpando os meus sentimentos, para que o perdão possa nascer no verdadeiro amor. Espero oportunidade há muito, porque se o ofensor tem necessidades de reconsiderar seu erro, o ofendido não pode viver em paz, sem a devida reconciliação. Como eu agradeço a Deus, por intermédio destes companheiros que estão me ajudando neste trabalho de luz, que é a oportunidade de amar a quem nos ofendeu, por ignorância!
Conscientiza-te, meu filho, de que não tenho nenhum ressentimento pelo que recebi das tuas mãos em passado distante. Tenho, isso sim, que te agradecer, porque muito me serviste para curar as minhas enfermidades morais, nessa luta para restabelecer a harmonia em minha vida. Não vou me esquecer de ti. Todas as vezes que tiver oportunidade, virei te visitar e pedir a Deus pelo teu equilíbrio e por tua paz. Sei que não estás me escutando com os ouvidos da carne, mas, sei muito bem que estás registrando tudo o que falo na consciência, o que irá refletir na tua mente gradativamente. Que Deus ajude essa operação!
A nossa irmã Quatorze estava inundada de luz, e o enfermo, dentro daquela imunda cela, como um celerado esquecido pela própria natureza, derramou abundantes lágrimas. Os Espíritos que o perturbavam se encostaram em um canto do quarto, cismados, sem saberem por quê. O que estava chefiando aquele grupo de obsessores, começou a ranger os dentes, para voltar novamente ao ataque àquele pobre sofredor. Celes e Kahena criaram um círculo em torno deles como se fosse uma rede fluídica e quando eles notaram, ficaram furiosos. Padre Galeno aproximou-se e foi, devagarinho, tornando-se visível a eles. Os infelizes assustaram e recuaram. Padre Galeno, mansamente, conversou neste tom amável com os irmãos ignorantes:
— Meus filhos, tudo tem um fim, tudo muda em nossa vida. Vós deveis mudar, agora, esse gesto de agressão contra esse irmão doente. Ele já sofreu demais os remorsos imputados pela consciência, e não é preciso que vos servis de instrumento para o escândalo. Jesus disse que era necessário o escândalo, no entanto acrescentou: ai daquele que servir de motivo para ele. Não sejais motivo para o escândalo; basta, como já disse, a investida da consciência que atormenta por dentro. Isso é horrível e não
precisa que vós o atormenteis por fora. Não, não podemos nos tornar instrumentos conscientes da justiça, pois ela cabe somente a Deus!
Fernando e Abílio faziam a devida limpeza no ambiente e os que nos acompanhavam para o treinamento de viagem astral estavam assistindo em silêncio ao drama naquela Casa de Saúde. Miramez estava na sala ao lado conversando, com certeza, com os dirigentes espirituais da casa, equacionando providências para outros tratamentos. Padre Galeno, quando viu que o obsessor queria falar, silenciou e depois disse:
— Fala, meu irmão, fala em nome de Deus!
Geraldino abriu a boca como um celerado ferido até as entranhas, falando em um tom agressivo:
— Padre, eu respeito o senhor, porque sei que és uma autoridade, mas sei também que autoridade nenhuma pode defender alguém, ou acusar, sem ouvir as duas partes, porque todas elas mentem. Compreendo que o ofensor e o ofendido são extremos, e a tua posição, como juiz, é a do meio. Portanto, eu preciso lhe falar o que sinto, falar a verdade sobre esse canalha, que ora está nesta cela. Ele isso não merece; deveria estar queimando em fogo ardente por toda a eternidade, sem remissão. O inferno foi feito para esse tipo de pária, para quem não pode existir compaixão. Foi ele quem destruiu o meu lar. A minha mulher e filhos morreram nas mãos deste carrasco sem piedade. Ele os destruiu como se fossem animais, dando gargalhadas, diante de um reduzido público que o assistia. Sei que foi mandado, mas, mesmo assim, enquanto eu não vir o seu fim, não o deixarei em paz. Perdi a minha esposa sem a qual não posso viver em paz, e nunca mais a encontrei. Estou até duvidando de que todos os Espíritos sobrevivem, porque muitos dos que eu conhecia, não os vi mais. Só aos que deveriam ser destruídos é que eu encontro. Estou estudando meios para destruir esse canalha, que nunca deveria ter nascido.
O ódio de Geraldino era tanto, que começou a espumar pelos cantos da boca A sua aura era da cor de sangue, com riscos cinzas e alguns negros, desprendendo um odor nauseante. Os outros permaneciam calados encostados na parede, mas a gente lia em seus olhos a maldade, a mentira e a covardia.
Padre Galeno, bem visível aos olhos deles, respeitou seus direitos, e pediu licença para falar. Ele baixou os olhos, e disse:
— Fala, padre. O Senhor tem direito de falar comigo, pois noto que és uma alma boa e justa, mas lembra-te, Padre, eu clamo pela justiça que nunca foi feita a meu favor!
A nossa irmã Quatorze, desmanchando-se em lágrimas, aproximou-se de nós, inundada de luz. O seu coração espiritual parecia uma estrela, pulsando pelas mãos de anjos, para manter o ritmo da vida.
Geraldino sentiu, naquela hora, fortes lembranças da sua esposa, emoção que os olhos mostravam, e escrevia nas faces a palavra saudade. Padre Galeno aproximou-se mais de Geraldino, pegou em suas mãos pela abertura da rede fluídica que o prendia, beijou-as com ternura e falou ao seu coração sofredor:
— Geraldino, meu filho, que Deus te abençoe nesta hora. Não posso tirar de ti alguns direitos que tens, diante do que sofres, mas, para todo caso há um jeito diferente para que possamos nos sair bem, desde quando cedamos ao amor. É bom para todos nós que nos lembremos de Jesus e Maria, Sua Mãe Santíssima. Eles foram, naquela época, apedrejados, espoliados em todos os Seus direitos como seres humanos. Foram escarnecidos, o Cristo vendido e traído pelo próprio discípulo que Ele amava. Colocaram em Sua cabeça majestosa uma coroa de espinhos e ainda O crucificaram, depois de carregar a própria cruz, para que servisse de haste da morte no topo do Calvário, e tendo como companheiros de martírio dois ladrões, como se fosse um deles. Ele colocou o amor acima de tudo, e ainda abençoou a humanidade, perdoando a todos. Sei que poderás dizer: Eu não sou o Cristo! . . . E certo que não és o Cristo, mas podes ser um dos Seus discípulos, e o discípulo correto é aquele que seque o exemplo do seu mestre. Deus chegou até ti hoje, Geraldino. Se soubesses o que te espera, trocarias todo esse ódio, que ora alimentas, para agradecer ao Senhor pelo que Ele te oferece com a justiça que tanto pedes.
Geraldino estava sentindo algo diferente em seu rosto, e um cheiro que nunca esquecera penetrava em suas narinas e lhe acalmava o coração. Era a Quatorze, que avançara através da rede e o acariciava com as suas mãos de luz, passando-as em seus cabelos encrespados pelo ambiente de ódio e vingança. Padre Galeno, tornou a falar com humildade:
— Geraldino, quem mais, no mundo, tu desejarias que neste momento pudesse vir até ao teu encontro?
Quando ele quis abrir a boca e falar, começou a se desenhar, no espaço daquele cubículo onde estava preso o celerado carrasco, por força da lei, a imagem, da sua mulher sorridente, mas um sorriso entrecortado de lágrimas. Ele, estático caiu de joelhos dizendo:
— Graças a Deus!
E abraçou a Quatorze, sem palavras. Ficou naquela posição demorado tempo; quando voltou a si, falou com ansiedade:
— És tu, realmente? Vives? Então, ninguém morre? Virou-se para o Padre Galeno e disse:
— Foi o senhor, padre, quem a trouxe para mim? O padre respondeu com benevolência:
— Não, filho, quem a devolveu aos teus braços foi Aquele que sempre devolve as coisas boas para nós: foi Deus!
E acrescentou com alegria:
— Geraldino!... Sei que desejas estar sempre com a alma que pode te trazer a esperança, e junto dela passar a acreditar na felicidade, não é assim? Pois bem, enquanto não perdoares esse irmão a quem maltratavas, obsediando-o e torturando-o, enquanto não vires nele o teu próprio prosseguimento, enquanto não amares a este irmão que tanto sofre, não poderás ficar com essa irmã que também te quer. Todo mal que pretenderes fazer a quem quer que seja, estarás distanciando-te dela. Lembra-te bem disso!
Ela, depois de refeita das emoções, olhou para ele com ternura e disse:
— Geraldino!... Eu te peço, saia deste lugar com urgência, se me amas mesmo. Perdoa esse companheiro em Cristo, porque eu já o fiz, e se precisar, o perdoarei quantas vezes forem necessárias. O perdão alivia a consciência e clareia a nossa visão para os caminhos que deveremos seguir. Ele é o mesmo amor fazendo amizade. Geraldino tornou a abraçá-la, soluçando como a criança nos braços da mãe. Falou com dificuldade:
— Meu amor, se for para o nosso bem, eu perdoarei. Eu preciso de ti, eu quero que me ensines como perdoar com mais proveito para nós dois. Não quero que me deixes. Quero ficar contigo para sempre!
Ela, tomando atitude de dignidade espiritual, acentuou:
— Geraldino!... Quem ama não exige, e quando se ama em verdade, mesmo os Espíritos estando longe, os corações permanecem juntos. Não sei se sabes, eu estou novamente na carne, há muito tempo, e não sei quando voltarei para a pátria espiritual como Espírito livre. Contudo, peço-te, espera e trabalha, entrega-te nas mãos destes abnegados servidores do Cristo que eles te guiarão para o verdadeiro caminho. E não te iludas com coisas passageiras, que não tenham o traço do trabalho digno e do amor sem exigência. Procura ser um servidor incondicional do Senhor, que o maior ganhador serás tu mesmo. Se assim o fizeres, eu prometo que sempre virei procurar-te, para que o nosso amor ascenda dos nossos corações para o coração de Deus.
Ele se desprendeu meio tristonho dos braços da Quatorze, mas aceitando seu compromisso. Apontou para os seus colegas de infortúnios:
— E esses, o que fazer deles?
— Esses? — Complementou a irmã Quatorze — Eles poderão seguir contigo se quiserem; se não, a própria vida se encarregará deles, até decidirem trabalhar pelo bem comum e pela sua recuperação. Nós todos os amamos também, e sempre vamos nos lembrar deles nas nossas orações.
Geraldino olhou para eles e disse:
— Como é? Vocês querem me seguir? Porque eu vou mudar de vida; onde eles quiserem me levar eu irei.
Os três companheiros de Geraldino, que tinham assistido a toda a festa evangélica, aquiesceram em acompanhar o chefe, pois estavam temendo o futuro. Olhei para Geraldino e o ex-carrasco. Havia entre eles uma ligação espiritual; eram fios tenuíssimos, que partiam de uma mente a outra, por onde o obsessor transmitia seu magnetismo, porém recebia de volta os mesmos fluidos, empestados de ódio, de
vingança, de tristeza e de dúvida. Ninguém ofende sem ser ofendido, esta é a lei de causa e efeito. E o pior é que a alienação mental do encarnado estava passando para o desencarnado, em uma perfeita simbiose. Quando o Padre Galeno também observou essa ligação de um com outro, por intermédio desses fios, disse com firmeza:
— Chama o Miramez para cortá-los, pois ele conhece essa difícil arte. Esses fios magnéticos estão ligados em zonas muito sensíveis de um e de outro. Carece de hábeis mãos para apartá-los sem grandes prejuízos.
Miramez foi chegando e perguntando:
— Como vão os nossos irmãos aí?
— Todos bem, graças a Deus — retrucou o Padre Galeno.
— Só restou um trabalhinho para o nosso companheiro: desligar os gêmeos do ódio, para que eles se ajustem no amor!
Todos acharam graça; até o Geraldino esboçou um leve sorriso. Miramez examinou com bastante atenção e pediu que orássemos e foi o que fizemos. Ele começou a vibrar, aparecendo em tomo de sua cabeça uma coroa de luz esverdeada, viva, que obedecia ao comando da sua adestrada mente. Tirou de seu bolso um pequeno, pode-se dizer para melhor compreensão, bisturi, puxou um fio daquela luz que circulava em sua cabeça, ligou no pequeno aparelho e esse tomou vida emitindo uma pequena língua luminosa que levou à cabeça do enfermo. Notei bem, dois dos principais fios estavam ligados nas suas glândulas, pineal e pituitária com uma resistência incrível. Miramez pegou os fios com uma das mãos e os cortou, com rapidez, com a outra. O ex-carrasco deu um grito e caiu desmaiado ao chão. Nisso, Geraldino empalideceu e passou a tremer. Padre Galeno aproximou-se dele e falou com segurança:
— Tem fé, meu filho, tudo passa. As coisas, para melhorarem, pioram primeiro. Confia...
Miramez enrolou os cordões na mão, depois de cortar todos, e chegou perto de Geraldino, executando a mesma operação com habilidade, só que, na cabeça de Geraldino, os cordões se amarravam no eixo da vida, nas entranhas do cérebro espiritual, de maneira a escoar os seus comandos infernais para o obsediado. Ele também perdeu os sentidos. Levaram-no para um alojamento no duplo do hospital, e os outros o acompanharam desconfiados. A irmã Quatorze agradeceu a todos nós, dizendo:
— Não tenho palavras. Só peço a Deus que os recompense por tudo que fizeram por nós.
E rematou:
— Ainda preciso de vós, não estou tendo condições de voltar ao corpo sozinha, pelo ocorrido esta noite. Peço, por caridade, que algum de vós me acompanhe, por favor.
Tive vontade de ir, mas o Padre Galeno se antecipou e foi. Voltamos ao salão, despedimo-nos dos diretores da casa, e subimos a volitar.
O sol anunciava sua chegada majestosa, e nós todos, felizes, tomávamos a direção da nossa casa espiritual, onde Deus nos concedeu uma oficina de trabalho permanente, em forma de amor, o amor que é vida.
Lancellin
Fonte: Iniciação Viagem Astral-pdf
VÍDEO:
INICIAÇÃO VIAGEM ASTRAL - Lancellin, Miramez e João Nunes Maia- esse livro me deixa emocionada!
Canal Leitura Espírita
Apresentação: Paula
Você já leu algo de Miramez ou da editora Fonte Viva? Aconselho muito! São maravilhosos!!
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