sexta-feira, 18 de setembro de 2020

Hammed - Livro La Fontaine e o Comportamento Humano - Francisco do Espírito Santo Neto - O Burro que levava relíquias - Sem asas para voar



Hammed  - Livro La Fontaine e o Comportamento Humano - Francisco do Espírito Santo Neto


O Burro que levava relíquias - Sem asas para voar


Todos aqueles que não conquistaram valor próprio ficam "sem asas para voar". Os homens modestos legitimam suas habilidades e competências e sabem usá-las com farta generosidade, porque possuem autoconsciência das suas virtudes inatas. Já o vaidoso é inconsciente de seu potencial e busca conquistá-lo exteriormente, em vez de desenvolvê-la na própria intimidade.


O Burro que levava relíquias

Um burro, carregando a estátua de um santo e outras relíquias, caminhava pelas ruas da cidade. E por onde ele passava as pessoas entoavam hinos e queimavam incensos. Paravam para vê-lo e fixavam em sua direção olhares de admiração.  Alguns até se ajoelhavam.

Imaginando que todas as honrarias eram para ele, o burro, cheio de orgulho, marchava soberanamente diante do povo. E até fazia paradas estratégicas quando percebia que a multidão exultava.

Alguém que por ali passava, observando a pose do animal, adivinha o que passa na cabeça e diz:

– Não sejas tolo, ó burro insano! Deixa de lado essa presunção! És pobre da cabeça! Não vês que as homenagens e as preces dos suplicantes são para o santo que carregas, e não para ti? 

Quantos burros se imaginam adorados pelos homens!

Quantos magistrados que nada sabem são aplaudidos pela imponência da toga!


Sem asas para voar

O notável filósofo e matemático Blaise Pascal escreveu: ''A vaidade é de tal forma inerente ao coração do homem que todo mundo quer ser admirado - mesmo eu, que assim escrevo, e você, que me lê".

Todos aqueles que não conquistaram valor próprio ficam "sem asas para voar". Os homens modestos legitimam suas habilidades e competências e sabem usá-las com farta generosidade, porque possuem autoconsciência das suas virtudes inatas. Já o vaidoso é inconsciente de seu potencial e busca conquistá-lo exteriormente, em vez de desenvolvê-lo na própria intimidade.

O modesto fala por si só, pelo silêncio que manifesta, e, quando se exprime, é por meio da simplicidade, lucidez e síntese; o presunçoso, quando quer obter algo, a qualquer custo, faz discursos pomposos e arrogantes.

Todos nós apreciamos a consideração, a afabilidade, a atenção, as homenagens e os agradecimentos. Manifestações de afeição e reconhecimento fazem bem. Quem de nós haveria de abrir mão desses pronunciamentos?

No entanto, para uma criatura presunçosa, o aplauso passa a ser uma necessidade constante e vital, e não uma aspiração momentânea que corresponda a um fato realmente merecido.

Certos homens, como o burro que carregava relíquias, supõem serem melhores e superiores, não se enxergam, não percebem o disparate de suas posturas arrogantes. Mas, como na fábula, há sempre alguém que os alerta dizendo:

"- Não sejas tolo, ó burro insano! Deixa de lado essa presunção! És pobre de cabeça? Não vês que as homenagens e as preces dos suplicantes são para o santo que carregas, e não para ti?"

A busca da aprovação pode ser comparada à história bíblica dos filhos de Isaac - Jacó e Esaú.  Ela descreve a busca desesperada daquelas pessoas que tentam comprar a glória e a fama por um prato de lentilha.

"Um dia em que Jacó preparava um guisado, voltando Esaú fatigado do campo, disse-lhe: 'Deixa-me comer um pouco, porque estou muito cansado.' Jacó respondeu-lhe: 'Vende-me primeiro o teu direito de primogenitura." Ponderou Esaú: 'Morro de fome, que me importa o meu direito de primogenitura?". Disse Jacó: 'Jura-me, pois, agora mesmo'.

'Esaú jurou e vendeu o seu direito de primogenitura a Jacó. Este deu-lhe pão e um prato de lentilhas. Esaú comeu, bebeu, depois se levantou e partiu. Foi assim que Esaú desprezou o seu direito de primogenitura'." (Gênesis, 25:29 a 34).

Costumamos entender como identidade pessoal tudo aquilo que nos distingue de uma outra pessoa. Formamos a ideia sobre nós mesmos fundamentada em alguns modelos ou scripts que nos foram passados por nossos pais, educadores e pessoas importantes de nosso convívio.

Com o passar do tempo, percebemos que quanto mais nos assemelhávamos a esses modelos idealizados, mais éramos amados, admirados e queridos. De maneira implícita, notamos igualmente que a sociedade e nossos entes queridos estavam perfeitamente condicionados a retribuir, com estima especial e carinho, a docilidade com que cedíamos e adotávamos esse modelo comportamental que eles acreditavam ser bom.

É comum encontrar na vida social pessoas que deixam subir à cabeça os elogios que não são propriamente para eles:

"Quantos burros se imaginam adorados pelos homens! Quantos magistrados que nada sabem (essência) são aplaudidos pela imponência da toga (aparência)!"

São indivíduos que defendem dia após dia um "fantasma mental", imaginado e feito de névoa, enquanto a alma, verdadeiro ser real, muito superior a todas as relíquias, coroas, cetros e direitos de primogenitura, fica esquecida e abandonada.

Nossa essência imortal está repleta de riquezas imensas e infinitas; nosso espírito é fonte inesgotável de poderes ilimitados e eficazes. Por analogia, a alma assemelha-se a "cornucópia" da mitologia grega: um vaso em forma de chifre, com abundância de frutas e flores, que expressava a fertilidade e a riqueza. Miticamente relacionada à infância de Júpiter, o chifre da cabra Amaltéia é símbolo de plenitude, capacidade e prosperidade; características idênticas às da alma.

A modéstia requer autorreflexão e disciplina. A verdadeira simplicidade consiste no ato de nos despirmos da autoadmiração lisonjeira, do narcisismo e das falsas noções a respeito de nós mesmos, para tratarmos do que é verdadeiramente real.


CONCEITOS-CHAVE


A - PRESUNÇÃO

Ato de tirar uma conclusão antecipada, baseada em indícios e suposições, e não em fatos reais; julgamento alicerçado em aparência, suposição que se tem por verdadeira; julgamento exageradamente bom e lisonjeiro sobre si mesmo; demonstração pública dessa opinião; imodéstia, pretensão, vaidade, confiança excessiva em si mesmo


B - SCRIPTS

Muitos de nós tememos esconder nossos pontos fracos e nos mostramos diante dos outros com aparências imponentes, representando papéis sociais que não correspondem aos fatos. Simular socialmente um SCRIPT é formar uma ideia inconsistente e distanciada da realidade em que vivemos, supondo ou pensando sermos o que não somos. Em várias circunstâncias, nós nos utilizamos de uma aparência enganadora para ocultar ou disfarçar nossos conflitos, desajustes, fragilidades e pontos vulneráveis.


C - CORNUCÓPIA

Segundo a Mitologia, Júpiter, filho de Saturno e de Réia, foi separado da mãe ao nascer e amamentado por uma cabra, única maneira de livrá-lo das garras do pai que, temendo ser destronado por um de seus descendentes, engolia-os logo que nasciam. Assim, Júpiter cresceu tendo como ama de leite a mitológica cabra Amaltéia. Um dia, enquanto o deus infante brincava com a ama, quebrou sem querer um de seus chifres. Para compensar sua imprudência, Júpiter prometeu a ela que o corno que restara despejaria sempre e em abundância flores e frutos. E quando Amaltéia morreu, para agradecer os cuidados que dela recebeu de criança, o jovem deus Júpiter colocou-a no céu, brilhando na constelação de Capricórnio. Do mito para a vida, temos a imagem do vaso corniforme, que se representa cheio de flores e frutos, e a cornucópia, símbolo da abundância, da plenitude, da profusão gratuita dos dons divinos que jazem na essência de cada um, aguardando para serem acordados.


MORAL DA HISTÓRIA:

Aqueles que se vangloriam com os bens dos outros se expõem ao riso daqueles que os conhecem. Narcisistas são visionários da própria imagem. O que acontece é que o narcisista identifica-se com a imagem autocriada. O Self (essência) ficou escondido, porque a imagem inventada deixou-o nublado. Os narcisistas são presunçosos, não funcionam em termos do "eu verdadeiro", porque este lhes é ignorado; não olham para si mesmos, é como se olhassem seu reflexo num espelho. E assim, perdem a oportunidade de amadurecer, impedindo que os sentimentos verdadeiros ocupem o espaço que lhes cabe. Personagem mitológico extremamente belo e vaidoso, Narciso se atira nas águas, apaixonado pela própria imagem refletida no lago. Por extensão, a Psicologia define o narcisismo como "estado em que a libido é dirigida ao próprio ego". Qualquer semelhança com os "narcisos da vida" não será mera coincidência, pois eles procuram se sustentar emocionalmente pelas aparências e não cultivam os dons divinos que lhes foram gratuitamente oferecidos. São como peças decorativas: jazem em determinados espaços para esconder um vazio, para camuflar a solidão de um canto ou o vão ocioso de uma sala. São ornamentos, nada mais.


REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO:

"É preciso se guardar de confundir a fé com a presunção. A verdadeira fé se alia à humildade; aquele que a possui coloca sua confiança em Deus mais do que em si mesmo, porque sabe que, simples instrumento da vontade de Deus, não pode nada sem ele ( ... )" (ESE, Cap 19, item 4, Boa Nova Editora)

"Vivei em boa harmonia uns com os outros. Não vos deixeis levar pelo gosto das grandezas; afeiçoai-vos com as coisas modestas. Não sejais sábios aos vossos próprios olhos." (Romanos 12: 16)

"O orgulho é igual em todos, só diferem os meios e a maneira de o mostrar" La Rochefoucauld


Hammed



VÍDEO:

Fábulas de La Fontaine 

"O burro que levava relíquias" Sem asas para voar (Hammed)
Inspiração Espírita

Apresentação Larissa Chaves.




Fábula / Narração: Júlia Mattos.


Estudo sob a ótica espírita com base na obra "La Fontaine um estudo do comportamento humano", de Hammed e psicografada por Francisco do Espírito Santo Neto. 

Edição: Ricardo Valois 
Apoio: Marina Valois 
Música: Rosalie's Waltz 
Compositor: José da Vēde 

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