Joanna de Ângelis - Psicografia de Divaldo P. Franco
No deserto
Há dias em que tudo se afigura desolador, caracterizado pela perda de sentido, sem qualquer estímulo para o trabalho de divulgação e de preservação do bem na Terra.
Há períodos na existência humana em que todas as florações da alegria e do entusiasmo emurchecem, demonstrando a aparente inutilidade da sua benéfica ação.
Há fases no percurso carnal, em que proliferam o mal e a agressividade em crescimento, asfixiando as débeis manifestações da bondade e da abnegação.
Há ocasiões em que a predominância da vulgaridade e do ressentimento golpeia as expressões da gentileza e da dignidade, parecendo conduzir tudo e todos ao caos.
Há ocorrências perturbadoras que se multiplicam na condição de escalracho maldito, dominando o trigal das experiências de amor e de caridade direcionadas às criaturas humanas.
Olhando-se superficialmente a cultura social vigente e os indivíduos, repontam alarmantes índices de perversidade, de gozo exaustivo e de loucura pelo poder e pelo prazer sem freio nem dimensão.
Todos os que se envolvem nos ideais de engrandecimento da sociedade interrogam, com frustração, se têm valido as propostas da honradez e as lições sublimes do Evangelho de Jesus com os seus mártires e apóstolos, pois que apraz aos viandantes carnais tudo quanto leva à consumpção, ao desar, ao invés da alegria pura e da harmonia indispensável ao equilíbrio e à plenitude.
Há, é certo, predominância do vício escancarado e, sob disfarces variados, o aspecto pandêmico do cinismo e do desrespeito aos códigos de ética e de moral, prevalecendo a face zombeteira dos triunfadores da desonestidade, famosos e difamados, nos postos que conquistaram mediante o suborno, a traição e a astúcia.
Mas, não são realmente felizes, tranquilos...
Estão hipnotizados, esses triunfadores de um momento, marchando inexoravelmente na direção do deserto que os aguarda, ardente e desolador.
Sorridentes, mas receosos, inseguros embora prepotentes, empanturram-se de poder e intoxicam-se no álcool e nas drogas ilícitas, porque não suportam a lucidez da consciência ultrajada, a fim de fugirem da presença da culpa e do desamor.
Reconhecem que ninguém os ama, embora se exibam ao seu lado, como cachorrinhos que aguardam as migalhas que venham a cair das suas mesas ricas.
Na primeira oportunidade, abominam-nos, abandonam-nos, execram-nos, porque tampouco se sentem amados e respeitados. Sabem que são utilizados na ruidosa corte da exibição, na qual um usa o outro, que é sempre descartável.
...Este é o deserto social!
Nunca duvides do êxito da verdade.
Nuvem alguma pode deter indefinidamente a luminosidade solar, por mais se demore em aparente impedimento.
Foi num desses desertos que, às portas de Damasco, Jesus apareceu a Saulo, triunfante e enganado, que seguia encarregado de infausta missão contra um dos Seus discípulos.
Ao impacto da Sua presença, derreou da animália ricamente adornada e percebeu a gloriosa figura luminescente, passando a sofrer o horror da cegueira que o tomou, acompanhada do tormentoso arrependimento em torno da hórrida conduta que se permitia.
Nesse deserto, a viagem foi para dentro, para a necessidade do autoencontro, do redescobrimento, da reidentificação com a vida e do retorno aos sagrados objetivos existenciais que desprezara até aquele momento.
Ali nasceu o apóstolo das gentes, o desbravador dos desertos humanos, expandindo o reino de Deus em todas as possíveis direções.
A linguagem do tempo é um presente agora, um contínuo suceder que altera todas as paisagens: as agrestes reverdecem-se, as montanhosas são corroídas, as pantanosas abrem-se em valas de liberação dos fluidos pútridos.
A água suave, nesse largo, infinito tempo, vence a rocha, o vento cantante desgasta o granito vigoroso, o fogo altera a floresta...
Também o ser humano, mesmo quando soberbo e ingrato, arbitrário e dominador, corroído pelas viroses da culpa, necessitando de afeto que não soube despertar pelo caminho transforma-se, amolda-se, cede ao impositivo das inevitáveis alterações evolutivas.
Ninguém consegue fugir de si mesmo ou viver saudável sem um propósito, um sentido psicológico na sua existência.
O indivíduo mais inflexível nos seus ideais e convicções assim permanece até o momento em que a dor se lhe penetra, insinuante e contínua, passando a habitar-lhe as paisagens dos sentimentos.
Nesse deserto, porém, numa caminhada silenciosa e demorada, surgem os tesouros da reflexão, do entendimento dos valores espirituais, da necessidade de ser pleno.
Não importa quando esse sublime fenômeno venha a acontecer, porquanto o importante é que sucederá.
A bênção do tempo agora é responsável pela edificação do anjo e do holocausto de amor, porque o sofrimento é uma dádiva que Deus confere aos Seus eleitos.
Após a visita de Jesus a Saulo, no deserto em Damasco, o prepotente rabino, déspota e criminoso, teve necessidade de três anos em outro deserto, para diluir a construção de ferro do orgulho em que se encarcerava e argamassar a realidade do amor no coração ralado de sofrimentos.
Foi, portanto, reflorescendo as emoções que ele se deixou impregnar por Jesus e contribuiu vigorosamente para torná-lo conhecido e amado.
Trabalha o teu deserto interior com os instrumentos do amor e da compaixão e o transformarás em jardim de dádivas, tornando o mundo melhor, de onde o mal fugirá envergonhado.
Joanna de Ângelis
Psicografia de Divaldo Pereira Franco, na reunião mediúnica da noite de 4 de março de 2013, no Centro Espírita Caminho da Redenção, em Salvador, Bahia.
Fonte: Rede Amigo Espírita
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