sexta-feira, 27 de outubro de 2023

Miramez - Livro Saúde - João Nunes Maia - Cap. 1 - Saúde



Miramez - Livro Saúde - João Nunes Maia - Cap. 1


Saúde


Já falamos muitas vezes que a dor é o prenúncio da verdadeira saúde. Ela é, pois, a mensageira do equilíbrio orgânico, bastando que venhamos a entendê-la na sua profundidade. No entanto, quando ela chega e bate em nossa porta, devemos ter condições para recebê-la, dentro da ética que o bom senso especula, garantindo, assim, a paz em nossa consciência.

Não existe nada errado no mundo das formas, nem no mundo das antiformas. Tudo está certo com os planos de Deus. A enfermidade é um aviso de que existe algo em desacerto em nosso organismo físico ou psíquico, portanto. devemos examinar a nós mesmos naquilo que já compreendemos.

O místico, verdadeiramente místico, conhece a si mesmo; estuda todos os dias as suas próprias reações e sabe quais os caminhos saudáveis onde ele encontra os princípios da felicidade.

Compete a quem ainda não chegou a este estado, procurar, porque quem procura acha e quem pede recebe, afirmou o Divino Médico de todos nós.

O Senhor Todo-Poderoso, que nos fez dentro da mais elevada harmonia, dentro da maior perfeição, a qual Ele representa na casa universal, não iria fazer uma obra imperfeita. Nada sairia de Suas mãos puras, com o timbre da imperfeição. Seria certamente um contrassenso, observado por qualquer razão humana. O homem foi feito para ser saudável, nas diretrizes que se lhe abriram para a sua paz espiritual.

É de notação comum que todos os meios de aquisição da saúde, seja física ou psíquica, estão ao alcance de nossas mãos, dependendo da nossa maturidade, cuja presença é fruto do tempo. É lei natural que participemos dessa conquista, para que tenhamos a alegria de dizer e sentir que participamos da maior conquista da Alma: a conquista de nós mesmos, nas linhas de nossa perfeição espiritual.

Não devemos recuar. Em todos os campos de trabalho, ou em qualquer estado em que nos encontremos, nada existe sem recursos, por ser o Pai Celestial o grande suprimento de todas as necessidades. Não há carência de nada no Universo de Deus: somente existe uma coisa que nos dá muita alegria, e essa coisa se chama abundância.

O homem positivo deve ver vigor em seus semelhantes; deve visualizar alegria em todas as criaturas; deve sentir amor se desfazendo do seu coração para toda a humanidade.

A saúde é um estado de graça, quando a consciência corresponde à tranquilidade dos anjos. O estado florente do corpo sem amor no coração não deixa de ser um desastre na ascensão do espírito. Nas hostes evolutivas em que nos encontramos na Terra, precisamos muito, mas muito mesmo, de nos dedicarmos aos estudos de variados campos do saber. É esse conjunto de esforços que a literatura universal nos empresta e forma em nós uma conscientização da realidade. E as leituras espirituais nos dão as condições de nos firmarmos naquilo que deve ser, nos ajudando a entender e a conquistar o discernimento.

O espírito que conhece a verdade se liberta, porque tem condições de trilhar os caminhos certos.

A natureza está de braços abertos esperando que todos os filhos voltem para ela e desse reencontro surgirá o novo Homem, a nova Alma, refeita de todos os desequilíbrios forjados pela ignorância.

O ser vigoroso é aquele que desconhece o ódio, porque somente ama. É o que não pensa nem fala no egoísmo, porque ama o desprendimento. É aquele que perdoa constantemente. por conhecer o clima da paz, por amor.

As páginas deste livro são como caminhos da senda, onde podereis encontrar alguns toques que vos levam ao livro maior: a Natureza.

Se não quiserdes deixar os velhos hábitos, ou mesmo os vícios que vos prendem à morte, fechai-o e deixai-o para quando a disposição de melhorar tomar os vossos sentimentos. Nós estamos escrevendo para homens que estão abrindo os olhos para a luz e que desejam, quando for a hora da despedida da vida física, estarem mais ou menos limpos do fardo que os faz sofrer.

E muitos daqueles que observamos, padecem por teimosia.

Sentem as distorções das leis naturais e arranjam recursos na escola do desculpismo, para demorar mais um pouco nas sensações inferiores, que o condicionamento dos ambientes lhes ofertam em todos os momentos.

O primeiro passo para a Libertação é querer! O segundo é agir!

Dentro desses dois ditames, não faltarão as bênçãos de Deus e a presença do Cristo, estabelecendo uma sinfonia espiritual em todos os nossos corpos, presença esta que conheceis pelo nome de Saúde.


Miramez



Fonte: Saúde-pdf




VÍDEO:

Livro Saúde, psicografia de João Nunes Mais - Cap. 1 
Narração de José Lício




Este é mais um trabalho, dentro do Projeto “Textos que nos fazem refletir”. 

Santo Agostinho - Revista Espírita - Allan Kardec, Ano V, Abril de 1862 - Dissertações espíritas - Perseguição



Santo Agostinho - Revista Espírita - Allan Kardec, Ano V, Abril de 1862 - Dissertações espíritas


Perseguição


Bem! Bravo, meus filhos! Estou satisfeito de ver-vos reunidos, lutando com zelo e persistência. Coragem! Trabalhai arduamente no campo do Senhor, porque eu vos digo que chegará o momento em que não será apenas a portas fechadas que será necessário pregar a doutrina santa do Espiritismo.

A carne foi flagelada. É preciso flagelar o Espírito. Ora, em verdade vos digo, quando isso acontecer, estareis prestes a entoardes em uníssono o cântico de ação de graças, e estaremos em vésperas de ouvir um só e mesmo grito sobre a Terra. Mas, eu vo-lo digo, antes da idade de ouro e do reinado do espírito, são necessários grandes sofrimentos, lágrimas e ranger de dentes.

As perseguições já começaram. Espíritas! Sede firmes e mantende-vos de pé. Estais marcados pela unção do Senhor. Sereis chamados de insensatos, de loucos, de visionários. Não mais ferverão o óleo nem erguerão cadafalsos e fogueiras, mas o fogo que usarão para vos levar à renúncia às vossas crenças será mais intenso e ainda mais vivo.

Espíritas! Despojai-vos, portanto, do homem velho, pois é ao homem velho que farão sofrer. Que vossas novas túnicas sejam brancas. Cingi as vossas frontes com coroas e preparai-vos para entrar na liça. Sereis amaldiçoados. Deixai que vossos irmãos vos digam racca1; em contrapartida, orai por eles e afastai de suas cabeças o castigo que o Cristo disse estar reservado aos que dissessem racca aos seus irmãos!

Preparai-vos para as perseguições pelo estudo, pela prece, pela caridade. Os servos serão expulsos das casas de seus patrões e tratados como loucos, mas à porta da casa encontrarão o Samaritano e, embora pobres e nus, ainda partilharão com ele as suas vestes e o último pedaço de pão. Ante tal espetáculo, os patrões pergunta­rão: “Mas, quem são essas criaturas que expulsamos de nossa casa? Só têm um pedaço de pão para esta noite e o dão! Só têm uma capa e a dividem com um estranho!”

Então suas portas serão reabertas, pois vós é que sois os servidores do Mestre. Mas dessa vez eles vos acolherão e vos abraçarão. Pedir-vos-ão que os abençoeis e lhes ensineis a amar. Não mais vos chamarão de servos ou escravos, mas vos dirão: “Meu irmão, vem assentar-te à minha mesa. Há uma só e mesma família na Terra, como há um só e mesmo Pai no Céu”.

Ide, ide meus irmãos! Pregai, e sobretudo sede unidos. O Céu vos está preparado.

 
Santo Agostinho










1 - Racca é um termo de desprezo que pode significar tolo, estúpido.




Miramez - Livro Filosofia Espírita Vol. 1 - João Nunes Maia - Cap. 14 - Unidade do Criador



Miramez - Livro Filosofia Espírita Vol. 1 - João Nunes Maia - Cap. 14


Unidade do Criador


A Deus é uma unidade dinâmica, no Seu caráter criativo e fecundo, mas único na Sua majestosa intimidade de valores incomparáveis.

Ele não é produto das coisas e inteligências, disseminadas por toda a criação, pois causa e efeito são duas coisas distintas uma da outra. Basta um pouco de raciocínio para podermos harmonizar estas idéias, referentes ao Senhor de todas as coisas.

Em todos os momentos que voltamos a pensar em Deus, os nossos sentidos passam a vê-Lo na Sua unidade total, único na Sua posição de benfeitor universal. Dividi-Lo é contrariar a nossa consciência e sentir insegurança sobre a verdadeira paternidade. Registramos nas nossas deduções mais apuradas, no mundo espiritual, a unidade do Criador, como ouvimos os grandes missionários da luz, que descem até nós com as mesmas idéias, os quais nos mostram a realidade pelos fatos da própria natureza, engenhoso processo que reflete a presença da Grande Luz em todas as intimidades criadas.

Não nos preocupemos quando os homens pretendem adorar outros deuses, ou muitos deuses, como no passado. A verdade não se inquieta; ela se impõe porque é a verdade. No perpassar dos tempos, somente ela ficará de pé, diante de todas as deduções humanas. O que temos a dizer, com toda a sinceridade do coração, é que Deus é uno, é um ser individual, ligado por agentes sutis a toda a criação, e mais amante na intimidade de todas as coisas. Quando o Espírito encontra a si mesmo, passa a sentir Deus com mais intensidade, por ser essa a senda, a porta de partida para novos conhecimentos sobre a Divindade.

Começa, meu irmão, a estudar as tuas próprias reações, a analisar teus próprios feitos, a corrigir os teus próprios deslizes, no silêncio que é próprio ao iniciante da verdade, que conhecerás outras dimensões do saber. Estas sempre vibram ao nosso redor sem que as suas notícias nos atinjam por faltar o bater às portas da simbologia evangélica. Quando os nossos pensamentos se educarem na razão direta das qualidades superiores e a boca se esquecer de ferir, os olhos de perscrutar os erros alheios e as mãos se tomarem somente instrumentos de ajudar, estabelecer-se-á a harmonia em nossos corações. Se Deus é Unidade, é de nosso dever criar a unidade do bem, do amor e da caridade em nós, para que possamos refletir a Divindade em todos os nossos passos.

O homem inteligente procura não contrariar as leis naturais e, quando ele desencarna com essas mesmas intenções, sentirá na profundidade o porquê desta obediência. Ninguém é livre na totalidade da expressão. Somos todos servos do Senhor e essa deve ser a nossa imensa alegria, porque Ele sabe o que mais nos convém nas linhas do nosso despertar.

O panteísmo foi uma verdade "camuflada", por encontrar uma humanidade sem condições de senti-la face a face. A verdade se toma, pois, relativa em todas as suas nuances de claridades espirituais. Agora estamos comungando com idéias mais puras sobre a Divindade e a maturidade nos aproxima mais da Luz que nos alimenta e nos sustenta a vida. Por isso cremos na unidade de Deus, na sua justiça cheia de misericórdia e de Amor. Quanto mais conhecemos o Senhor, mais notamos as nossas deficiências em conhecê-Lo, dada a Sua grandeza de poderes e os Seus atributos indescritíveis.

Crê, meu filho, em Deus, sê obediente ao Comando Maior, que tudo virá ao teu encontro pelas linhas do teu merecimento e de acordo com a tua capacidade de suportar. Não existe injustiça em quaisquer dos acontecimentos da vida, esta é a verdade.


Miramez












quinta-feira, 26 de outubro de 2023

Allan Kardec - Revista Espírita 1868, Junho - O Espiritismo em toda parte - O Jornal a Solidarité



Allan Kardec - Revista Espírita 1868, Junho - O Espiritismo em toda parte


O Jornal a Solidarité


O Espiritismo conduz precisamente ao fim a que se propõem todos os homens progressistas. É, pois, impossível que, mesmo sem se conhecerem, eles não pensem da mesma maneira sobre certos pontos e que, quando se conhecerem, não se deem as mãos para caminhar juntos, na mesma rota, ao encontro de seus inimigos comuns, os preconceitos sociais, a rotina, o fanatismo, a intolerância e a ignorância.

La Solidarité é um jornal cujos redatores levam o seu título a sério. E que campo é mais vasto e mais fecundo para o filósofo moralista do que essa palavra que encerra todo o programa do futuro da Humanidade! Assim, essa folha, que sempre se faz notar pelo alto alcance de suas vistas, se não tem a popularidade das folhas leves, conquistou um crédito mais sólido entre os pensadores sérios [1], embora até hoje ela não se tenha mostrado muito simpática às nossas doutrinas, não rendemos menos justiça à sinceridade de seus pontos de vista e ao incontestável talento de sua redação. É, pois, com uma viva satisfação que hoje a vemos, por sua vez, fazer justiça aos princípios do Espiritismo. Seus redatores nos farão também a de reconhecer que não fizemos nenhum movimento para trazê-los a nós. Sua opinião não é, pois, o resultado de qualquer condescendência pessoal.

Sob o título de: Boletim do movimento filosófico e religioso, o número de 1º de maio contém um notável artigo, do qual extraímos as passagens seguintes:

“A lama vai aumentando sem cessar. Onde irá parar? Não é só em política que não se entendem mais; não é somente economia social, é também em moral e em religião, de sorte que a perturbação se estende a todas as esferas da atividade humana, que invadiu o domínio da consciência e que a própria civilização está em causa.

“Não que a ordem material esteja em perigo. Há hoje na Sociedade muitos elementos adquiridos e muitos interesses a conservar, para que a ordem material possa nela ser seriamente perturbada. Mas a ordem material nada prova. Ela pode persistir por muito tempo até que o princípio da vida social seja atingido e que a corrupção dissolva lentamente o organismo. A ordem reinava em Roma sob os Césares, enquanto a civilização romana se ia esboroando dia a dia, não sob o esforço dos bárbaros, mas sob o peso de seus próprios vícios.

“Nossa Sociedade conseguirá eliminar de seu seio os elementos mórbidos que ameaçam transformar-se, para ela, em germes de dissolução e de morte? Assim esperamos, mas é necessário o ponto de apoio dos princípios eternos, o concurso de uma ciência verda­deiramente positiva, e a perspectiva de um ideal novo.

“Eis as condições da salvação social, porque aí estão, para os indivíduos, os meios de um verdadeiro renascimento. Uma sociedade não pode ser senão o produto dos seres sociais que a constituem, e o resultante de seu estado físico, intelectual e moral. Se quiserdes uma transformação social, fazei, para começar, o homem novo [2].

“Embora o círculo dos leitores de publicações filosóficas tenha crescido muito nestes últimos anos, quanta gente ainda ignora a existência destes jornais ou quanta gente negligencia a sua leitura! É um erro. Sem eles, é impossível se dar conta do estado das almas. Os órgãos da filosofia contemporânea têm ainda um outro alcance: preparam as questões que os acontecimentos levantarão em breve, e que será urgente resolver.

“Certamente a confusão é grande na imprensa filosófica; é um pouco a torre de Babel: cada um aí fala a sua língua e aí se preocupa muito mais em cobrir a voz do vizinho do que em escutar as suas razões. Cada sistema aspira ser único e exclui todos os outros. Mas há que se guardar de tomá-los ao pé da letra em seu exclusivismo. Talvez não haja um só que represente um ponto de vista legítimo. Todos passarão, porquanto só a verdade é eterna, mas nenhum deles, talvez, terá sido completamente estéril; nenhum terá desaparecido sem adicionar alguma coisa ao capital intelectual da Humanidade. O materialismo, o positivismo religioso e o positivismo filosófico, o independentismo (perdoem o barbarismo, que não é meu), o criticismo, o idealismo, o espiritualismo, o espiritismo ─ pois é preciso contar com este recém-vindo, que tem mais partidários que todos os outros reunidos; ─ e, por outro lado, o protestantismo liberal, o idealismo liberal, e mesmo o catolicismo liberal: tais são os nomes das principais bandeiras que, a títulos diversos e com forças desiguais, se acham representados no campo filosófico. Sem dúvida não existe aí um exército, porque não há obediência a um chefe nem hierarquia nem disciplina, mas esses grupos, hoje divididos e independentes, podem ser reunidos por um perigo comum.

“O movimento filosófico a que assistimos precede de pouco tempo o grande movimento religioso que se prepara. Em breve as questões religiosas apaixonarão os espíritos, como o faziam há pouco as questões sociais, e mais fortemente ainda.

“Que a ordem deva fundar-se por uma simples evolução da ideia cristã reconduzida à sua pureza primitiva, como o pensam alguns, ou por uma espécie de fusão de crenças no terreno vago de um deísmo judeu-cristão, como esperam outros homens de boa vontade, ou, o que nos parece muito mais provável, pela intervenção de uma ideia mais larga e mais compreensível que dê à vida humana o seu verdadeiro objetivo, a primeira necessidade da época em que estamos é a liberdade: liberdade de pensar e de publicar o seu pensamento; liberdade de consciência e de culto; liberdade de propaganda e de pregação! Certamente, em meio a tantos sistemas em confronto, é impossível não se veja uma fase de discussões ardentes, apaixonadas, aparentemente desordenadas, mas essa fase preparatória é necessária como a agitação caótica é necessária à criação. Como os relâmpagos e os raios na atmosfera terrestre, o amálgama das ideias agita a atmosfera moral para purificá-la. Quem pode temer a tempestade, sabendo que ela deve restabelecer o equilíbrio perturbado e renovar as fontes da vida?”

O mesmo número contém a seguinte apreciação de nossa obra sobre a Gênese. Não a reproduzimos senão porque ela se liga aos interesses gerais da Doutrina:

“Passa-se em nossa época um fato de importância capital, e fingem não ver. Entretanto, aí há fenômenos a observar, que interessam à Ciência, notadamente à Física e à Fisiologia humanas; mas, mesmo que os fenômenos que são chamados Espiritismo só existissem na imaginação de seus adeptos, a crença no Espiritismo, por toda parte espalhada tão rapidamente, é em si mesma um fenômeno considerável e muito digno de ocupar as meditações do filósofo.

“É difícil, mesmo impossível apreciar o número das pessoas que creem no Espiritismo, mas podemos dizer que essa crença é geral nos Estados Unidos, e que ela se propaga cada vez mais na Europa. Na França, há toda uma literatura espírita. Paris possui dois ou três jornais que a representam. Lyon, Bordeaux, Marselha, cada uma tem o seu.

“O Sr. Allan Kardec é na França o mais eminente representante do Espiritismo. Foi uma felicidade para essa crença ter encontrado um chefe que soube mantê-la nos limites do racionalismo. Teria sido muito fácil, com toda essa mistura de fenômenos reais e de criações puramente ideais e subjetivas que constitui a maravilha do que se chama o Espiritismo, deixar-se arrastar pela atração do milagre e pela ressurreição de velhas superstições! O Espiritismo poderia ter dado aos inimigos da razão um poderoso apoio, se ele tivesse voltado à demonologia, e existe no seio do mundo católico um partido que para isto ainda faz todos os esforços. Há também uma literatura deplorável, malsã, mas felizmente sem influência. Ao contrário, o Espiritismo, na França como nos Estados Unidos, resistiu ao espírito da Idade Média. O demônio nele não representa nenhum papel, e o milagre nele não vem introduzir as suas tolas explicações.

“Deixando de lado a hipótese que constitui o fundo do Espiritismo, e que consiste em crer que os Espíritos das pessoas mortas se entretenham com os vivos por meio de certos processos de correspondência, muito simples e ao alcance de todos; deixando de lado, dizíamos, a hipótese deste ponto de partida, encontramo-nos em presença de uma doutrina geral que está perfeitamente em relação com o estado da ciência de nossa época, e que responde perfeitamente às necessidades e às aspirações modernas. E o que há de notável é que a Doutrina Espírita é mais ou menos a mesma em toda parte. Se não é estudada senão na França, pode-se crer que as obras do Sr. Allan Kardec, que são como a enciclopédia do Espiritismo, aí são abundantes. Mas esta paridade de doutrina se estende aos outros países; por exemplo, os ensinamentos de Davis, nos Estados Unidos, não diferem essencialmente dos do Sr. Allan Kardec. É verdade que nas ideias emitidas pelo Espiritismo, nada se encontra que não pudesse ter sido encontrado pelo espírito humano entregue apenas aos recursos da imaginação e da ciência positiva; mas, considerando-se que as sínteses que são propostas pelos escritores espíritas são científicas e racionais, elas merecem ser examinadas sem prevenção, sem ideia preconcebida, pela crítica filosófica.

“A nova obra do Sr. Allan Kardec aborda as questões que constituem objeto de nossos estudos. Não podemos hoje fazer-lhe o relato. A ela voltaremos num próximo número, e diremos, ao mesmo tempo, o que pensamos dos fenômenos ditos espíritas e das explicações que deles podem ser dadas no estado atual da ciência.”


Allan Kardec






 

NOTA: Esse mesmo número contém um notável artigo do Sr. Raisant, intitula­do Meu ideal religioso, e que os espíritas não desdenhariam.

[1] O Solidarité, jornal mensal de 16 páginas in-4, aparece no dia 1º de cada mês. Preço: Paris, 5 francos por ano; Departamentos, 6 francos; estrangeiro, 7 francos. Preço por número, 25 centavos; pelo correio, 30 centavos. ─ Redação: Rua des Saints-Pères, 13, na Librairie des Sciences Sociales.

[2] Escrevemos em 1862: “Antes de fazer as instituições para os homens, há que formar os homens para as instituições” (Viagem espírita).





Maria Dolores - Livro A Vida Conta - Chico Xavier - Cap. 32 - Deus te guarde



Maria Dolores - Livro A Vida Conta - Chico Xavier - Cap. 32


Deus te guarde


Deus te guarde, alma querida e boa,
Pela dor que não dizes,
Quando a injúria te induz a suportar
Os problemas e os atos infelizes.

Deus te compense a tolerância
Quando olvidas o mal,
Interpretando aquele que te agride
Por doente mental.

Deus te ilumine a frase de humildade
Ante o verbo agressor,
Quando te apagas para garantir
A presença do amor.

Deus te engrandeça o gesto de renúncia,
Onde a ambição, às tontas, se compraz,
Quando sabes perder conforto e benefício
Em proveito da paz.

Deus proteja o silêncio em que te esforças
Na compreensão que te sustém,
Quando toleras golpe ou desafio
Sem ferir a ninguém.

Por tudo o que há de bom que nos ofertas
Na jornada de luz que te bendiz,
Pelo perdão constante em que te nutres,
Deus te guarde, alma irmã, Deus te faça feliz.


Maria Dolores






VÍDEO:

Chico Xavier: "Testemunho do Brasil no momento da Grande Regeneração"






quarta-feira, 25 de outubro de 2023

André Luiz - Livro No Mundo Maior - Chico Xavier - Cap. 9 - Mediunidade



André Luiz - Livro No Mundo Maior - Chico Xavier - Cap. 9


Mediunidade


Sobremodo interessado no expressivo caso de Marcelo, apresentei a Calderaro, no dia seguinte, certas questões que fortemente me preocupavam.

Os reflexos condicionados não se aplicariam, igualmente, a diversos fenômenos medianímicos? Não elucidavam as mistificações inconscientes que, muita vez, perturbam os círculos dos experimentadores encarnados?

Alguns estudiosos do Espiritismo, devotados e honestos, reconhecendo os escolhos do campo do mediunismo, criaram a hipótese do fantasma anímico do próprio medianeiro, o qual agiria em lugar das entidades desencarnadas. Seria essa teoria adequada ao caso vertente? 

Sob a evocação de certas imagens, o pensamento do médium não se tornaria sujeito a determinadas associações, interferindo automaticamente no intercâmbio entre os homens da Terra e os habitantes do Além? 

Tais intervenções, em muitos casos, poderiam provocar desequilíbrios intensos. Ponderando observações ouvidas nos últimos tempos, em vários centros de cultura espiritualista, com referência ao assunto, inquiria de mim mesmo se o problema oferecia relações com os mesmos princípios de Pavlov.

O instrutor ouviu-me, paciente, até ao fim de minhas considerações, e respondeu, benévolo:

— A consulta exige meditação mais acurada. A tese animista é respeitável. Partiu de investigadores conscienciosos e sinceros, e nasceu para coibir os prováveis abusos da imaginação; entretanto, vem sendo usada cruelmente pela maioria dos nossos colaboradores encarnados, que fazem dela um órgão inquisitorial, quando deveriam aproveitá-la como elemento educativo, na ação fraterna. 

Milhares de companheiros fogem ao trabalho, amedrontados, recuam ante os percalços da iniciação mediúnica, porque o animismo se converteu em Cérbero. Afirmações sérias e edificantes, tornadas em opressivo sistema, impedem a passagem dos candidatos ao serviço pela gradação natural do aprendizado e da aplicação. Reclama-se deles precisão absoluta, olvidando-se lições elementares da natureza. 

Recolhidos ao castelo teórico, inúmeros amigos nossos, em se reunindo para o elevado serviço de intercâmbio com a nossa Esfera, não aceitam comumente os servidores, que hão-de crescer e de aperfeiçoar-se com o tempo e com o esforço. Exigem meros aparelhos de comunicação, como se a luz espiritual se transmitisse da mesma sorte que a luz elétrica por uma lâmpada vulgar. 

Nenhuma árvore nasce produzindo, e qualquer faculdade nobre requer burilamento. A mediunidade tem, pois sua evolução, seu campo, sua rota. Não é possível laurear o estudante no curso superior, sem que ele tenha tido suficiente aplicação nos cursos preparatórios, através de alguns anos de luta, de esforço, de disciplina. 

Daí, André, nossa legítima preocupação em face da tese animista, que pretende enfeixar toda a responsabilidade do trabalho espiritual numa cabeça única, isto é, a do instrumento mediúnico. 

Precisamos de apelos mais altos, que animem os cooperadores incipientes, proporcionando-lhes mais vastos recursos de conhecimento na estrada por eles mesmos perlustrada, a fim de que a espiritualidade santificante penetre os fenômenos e estudos atinentes ao espírito.

Fez pequeno intervalo que não ousei interromper, fascinado pela elevação dos conceitos ouvidos, e continuou:

— Vamos à tua sugestão. Os reflexos condicionados enquadram-se, efetivamente, no assunto; no entanto, cumpre-nos investigar domínio de mais graves apreciações. 

Os animais de Pavlov demonstravam capacidade mnemônica; memorizavam fatos por associações mentais espontâneas. Isto quer dizer que mobilizavam matéria sutil, independente do corpo denso; que jogavam com forças mentais em seu aparelhamento de impulsos primitivos. 

Se as “consciências fragmentárias” do experimento eram capazes de usar essa energia, provocando a repetição de determinados fenômenos no cosmo celular, que prodígios não realizará a mente de um homem, cedendo, não a meros reflexos condicionados, mas a emissões de outra mente em sintonia com a dele? Dentro de tais princípios, é imperioso que o intermediário cresça em valor próprio. 

Ocorrências extraordinárias e desconhecidas ocupam a vida em todos os recantos, mas a elevação condiciona fervorosa procura. Ninguém receberá as bênçãos da colheita, sem o suor da sementeira. Lamentavelmente, porém, a maior parte de nossos amigos parece desconhecerem tais imposições de trabalho e de cooperação: exigem faculdades completas. 

O instrumento mediúnico é automaticamente desclassificado se não tem a felicidade de exibir absoluta harmonia com os desencarnados, no campo tríplice das forças mentais, perispirituais e fisiológicas. Compreendes a dificuldade?

Sim, começava a entender. As elucidações, todavia, eram demasiado fascinantes para que me abalançasse a qualquer apontamento; guardei, por isto, a continuação das definições, na postura de humilde aprendiz.

O Assistente percebeu minha íntima atitude e continuou:

— Buscando símbolo mais singelo, figuremos o médium como sendo uma ponte a ligar duas Esferas, entre as quais se estabeleceu aparente solução de continuidade, em virtude da diferenciação da matéria no campo vibratório. 

Para ser instrumento relativamente exato, é-lhe imprescindível haver aprendido a ceder, e nem todos os artífices da oficina mediúnica realizam, a breve trecho, tal aquisição, que reclama devoção à felicidade do próximo, elevada compreensão do bem coletivo, avançado espírito de concurso fraterno e de serena superioridade nos atritos com a opinião alheia. 

Para conseguir edificação dessa natureza, faz-se mister o refúgio frequente à “moradia dos princípios superiores”. A mente do servidor há-de fixar-se nas zonas mais altas do ser, onde aprenderá o valor das concepções sublimes, renovando-se e quintessenciando-se para constituir elemento padrão dos que lhe seguem a trajetória. 

O homem, para auxiliar o presente, é obrigado a viver no futuro da raça. A vanguarda impõe-lhe a soledade e a incompreensão, por vezes dolorosas; todavia, essa condição representa artigo da Lei que nos estatui adquirir para podermos dar. Ninguém pode ensinar caminhos que não haja percorrido. 

Nasce daí, em se tratando da mediunidade edificante, a necessidade de fixação das energias instrumentais no santuário mais alto da personalidade. 

Fenômenos — não lhes importa a natureza — é forçoso reconhecer que assediam a criatura em toda parte. A Ciência legítima é a conquista gradual das forças e operações da Natureza, que se mantinham ocultas à nossa acanhada apreensão. 

E como somos filhos do Deus Revelador, infinito em grandeza, é de esperar tenhamos sempre à frente ilimitados campos de observação, cujas portas se abrirão ao nosso desejo de conhecimento, à maneira que gradeçam nossos títulos meritórios. 

Por isto, André, consideramos que a mediunidade mais estável e mais bela começa, entre os homens, no império da intuição pura. 

Moisés desempenhou sua tarefa, compelido pelas expressões fenomênicas que o cercavam; recebe, sob incoercível comoção, os sublimes princípios do Decálogo, sentindo defrontar-se com figuras e vozes materializadas do Plano espiritual; entretanto, ao mesmo tempo que transmite o “não matarás”, não parece muito inclinado ao inquebrantável respeito pela vida alheia; sua doutrina, venerável embora, baseia-se no exclusivismo e no temor. 

Com Jesus, o aspecto da mediunidade é diferente. Mantém-se o Mestre em permanente contato com o Pai, através da própria consciência, do próprio coração; transmite aos homens a Revelação Divina, vivendo-a em si mesmo; não reclama justiça, nem pede compreensão imediata; ama as criaturas e serve-as, mantendo-se unido a Deus. Em razão disto, a Boa-Nova é mensagem de confiança e de amor universal.

Vemos, pois, dois tipos de medianeiros do próprio Céu, eminentemente diversos, mostrando qual o padrão desejável. 

No mediunismo comum, portanto, o colaborador servirá com a matéria mental que lhe é própria, sofrendo-lhe as imprecisões naturais diante da investigação terrestre; e, após adaptar-se aos imperativos mais nobres da renúncia pessoal, edificará, não de improviso, mas à custa de trabalho incessante, o templo interior de serviço, no qual reconhecerá a superioridade do programa divino acima de seus caprichos humanos. 

Atingida essa realização, estará preparado para sintonizar-se com o maior número de desencarnados e encarnados, oferecendo-lhes, como a ponte benfeitora, oportunidade de se encontrarem uns com os outros, na posição evolutiva em que permaneçam, através de entendimentos construtivos. 

Devo dizer-te que não cogitamos aqui de faculdades acidentais, que aparecem e desaparecem entre candidatos ao serviço, sem espírito de ordem e de disciplina, verdadeiros balões de ensaio para os voos do porvir; referimo-nos à mediunidade aceita pelo cooperador e mobilizável em qualquer situação para o bem geral. 

Comentando atividades e tarefas, devemos salientar os padrões que lhes digam respeito, e este é o característico da instrumentalidade espiritual nas Esferas superiores. Logicamente, é impossível alcançá-lo de vez; toda obra impõe começo.

Como revelasse nos olhos a indomável comoção que se apossara de mim ante os conceitos ouvidos, o Assistente modificou a inflexão da voz e tranquilizou-me:

— Reportando-nos ainda ao Cristo, importa-nos reconhecer que o Mestre viveu insulado no “monte divino da consciência”, abrindo caminho aos vales humanos. 

Claro está que nenhum de nós abriga a pretensão de copiar Jesus; contudo, precisamos inspirar-nos em suas lições. 

Há milhões de seres humanos, encarnados e desencarnados, de mente fixa na região menos elevada dos impulsos inferiores, absorvidos pelas paixões instintivas, pelos remanescentes do pretérito envilecido, presos aos reflexos condicionados das comoções perturbadoras a que, inermes, se entregaram; outros tantos mantêm-se, jungidos à carne e fora dela, na atividade desordenada, em manifestações afetivas sem rumo no apego desvairado à forma que passou ou à situação que não mais se justifica; outros, ainda, param na posição beata do misticismo religioso exclusivo, sem realizações pessoais no setor da experiência e do mérito, que os integre no quadro da lídima elevação. 

Subtraído o corpo físico, a situação prossegue quase sempre inalterada, para o organismo perispirítico, fruto do trabalho paciente e da longa evolução. Esse organismo, constituído, embora, de elementos mais plásticos e sutis, ainda é edifício material de retenção da consciência. 

Muita gente, no Plano da Crosta Planetária, conjetura que o Céu nos revista de túnica angelical, logo que baixado o corpo ao sepulcro. Isto, porém, é grave erro no terreno da expectativa.

Naturalmente, não nos referimos, nestas considerações, a Espíritos da estofa de um Francisco de Assis, nem a criaturas extremamente perversas, uns e outros não cabíveis em nosso quadro: o zênite e o nadir da evolução terrestre não entram em nossas cogitações; falamos de pessoas vulgares, quais nós mesmos, que nos vamos em jornada progressiva, mais ou menos normal, para concluir que: tal o estado mental que alimentamos, tais as inteligências, desencarnadas ou encarnadas, que atraímos, e das quais nos fazemos instrumentos naturais, embora de modo indireto. 

E a realidade, meu amigo, é que todos nós, que nos contamos por centenas de milhões, não prescindimos de medianeiros iluminados, aptos a colocar-nos em comunicação com as fontes do Suprimento Superior.

Necessitamos do auxílio de Mais Alto, requeremos o concurso dos benfeitores que demoram acima de nossas paragens. Para isto, há que organizar recursos de receptividade. 

Nossa mente sofre sede de luz, como o organismo terreno tem fome de pão. Amor e sabedoria são substâncias divinas que nos mantêm a vitalidade.

O instrutor fez breve interrupção e acrescentou:

— Compreendes agora a importância da mediunidade, isto é, da elevação de nossas qualidades receptivas para alcançarem a necessária sintonia com os mananciais da vida superior?

Sim, respondi, entendera-lhe as observações, ponderando-lhes a magnitude.

— Não é serviço que possamos organizar da periferia para o centro, — prosseguiu Calderaro, — e sim do interior para o exterior. O homem encarnado, quase sempre empolgado pelo sono da ilusão, poderá começar pelo fenômeno; à maneira, porém, que desperte as energias mais profundas da consciência, sentirá a necessidade do reajustamento e regressará à causa de modo a aperfeiçoar os efeitos. Obra de construção, de tempo, de paciência…

Chegados a essa altura da conversação, o orientador convidou-me ao serviço de assistência a dedicada senhora, médium em processo de formação, que lhe vinha recebendo socorro para prosseguir na tarefa, com a fortaleza e serenidade indispensáveis.

Propiciando-me o feliz ensejo, meu gentil interlocutor concluiu:

— O caso é oportuno. Observarás comigo os obstáculos criados pela tese animista.

Marcava o relógio precisamente vinte horas, quando penetramos confortável recinto. Várias entidades de nosso Plano ali se moviam, ao lado de onze companheiros reunidos em sessão íntima, consagrada ao serviço da oração e do desenvolvimento psíquico. Logo à entrada, recebeu-nos atencioso colega, a quem fui apresentado com sincera satisfação.

Recebi dele, de início, informações condensadas que anotei, contente. Fora igualmente médico. Deixara a experiência física antes de concretizar velhos planos de assistência fraternal aos seus inumeráveis doentes pobres. Guardava o júbilo de uma consciência tranquila, zelara o bem geral quanto lhe fora possível; contudo, entrevendo a probabilidade de algo fazer além-túmulo, recebera permissão para cooperar naquele reduzido grupo de amigos, com o objetivo de efetuar certo plano de socorro aos enfermos desamparados. 

O intercâmbio com os desencarnados não poderia transformar os homens em anjos de um dia para outro, mas poderia ajudá-los a ser criaturas melhores. Impossível seria instalar o paraíso na Crosta do mundo em algumas semanas; entretanto, era lícito cooperar no aprimoramento da sociedade terrestre, incentivando-se a prática do bem e a devoção à fraternidade. Para esse fim, ali permanecia, interessado em contribuir na proteção aos doentes menos aquinhoados.

Acompanhando-lhe os argumentos com admiração, mantive-me silencioso, mas Calderaro indagou, cortês, após inteirar-se das ocorrências:

— E como vai no desenvolvimento de seus elevados propósitos?

— Dificilmente, — informou o interpelado; — os recursos de comunicação ao meu alcance ainda não são de molde a inspirar confiança à maioria dos companheiros encarnados. A bem dizer, não me interessa comparecer aqui, de nome aureolado por terminologia clássica, e nem me abalançaria a oferecer teses novas, concorrendo com o mundo médico. Guia-me, agora, tão somente o sadio desejo de praticar o bem. Entretanto…

— Ainda não lhe ouviram os apelos, por intermédio de Eulália? — Perguntou o meu instrutor.

— Não; por enquanto, não. Sempre a mesma suspeita de animismo, de mistificação inconsciente… Ia a palestra a meio, quando o diretor espiritual da casa convidou o colega a experimentar. Chegara o minuto aprazado. Poderia acercar-se da médium.

Aproximamo-nos do grupo de amigos, imersos em profunda concentração.

Enquanto o novo conhecido se abeirava de uma senhora de porte distinto, certamente ensaiando a transmissão da mensagem que desejava passar à Esfera carnal, Calderaro observou-me:

— Repara o conjunto. Já fiz meus apontamentos. Com exceção de três pessoas, os demais, em número de oito, guardam atitude favorável. Todos esses se encontram na posição de médiuns, pela passividade que demonstram. 

Analisa a irmã Eulália e reconhecerás que o estado receptivo mais adiantado lhe pertence; dos oito cooperadores prováveis, é a que mais se aproxima do tipo necessário. 

No entanto, o nosso amigo médico não encontra em sua organização psicofísica elementos afins perfeitos: nossa colaboradora não se liga a ele através de todos os seus centros perispirituais; não é capaz de elevar-se à mesma frequência de vibração em que se acha o comunicante; não possui suficiente “espaço interior” para comungar-lhe as ideias e conhecimentos; não lhe absorve o entusiasmo total pela Ciência, por ainda não trazer de outras existências, nem haver construído, na experiência atual, as necessárias teclas evolucionárias, que só o trabalho sentido e vivido lhe pode conferir. 

Eulália manifesta, contudo, um grande poder — o da boa vontade criadora, sem o qual é impossível o início da ascensão às zonas mais altas da vida. É a porta mais importante, pela qual se entenderá com o médico desencarnado. 

Este, a seu turno, para realizar o nobre desejo que o anima, vê-se compelido, em face das circunstâncias, a pôr de lado a nomenclatura oficial, a técnica científica, o patrimônio de palavras que lhe é peculiar, as definições novas, a ficha de renome, que lhe coroa a memória nos círculos dos conhecidos e dos clientes. 

Poderá identificar-se com Eulália para a mensagem precisa, usando também, a seu turno, a boa vontade; e, adotando esta forma de comunicação, valer-se-á, acima de tudo, da comunhão mental, reduzindo ao mínimo a influência sobre os centros neuropsíquicos; é que, em matéria de mediunismo, há tipos idênticos de faculdades, mas enormes desigualdade nos graus de capacidade receptiva, os quais variam infinitamente, como as pessoas.

O instrutor silenciou por momentos e prosseguiu:

— Não nos esqueça que formamos agora uma equipe de trabalhadores em ação experimental. Nem o provável comunicante chegou a concretizar as bases de seu projeto, nem a médium conseguiu ainda suficiente clareza e permeabilidade para cooperar com ele.

Num terreno de atividades definidas, neste particular, poderíamos agir à vontade; aqui, não: nosso procedimento deve ser de neutralidade mental, não de interferência. 

Compreendendo, pois, que todos os recursos cumpre serem aproveitados no êxito da louvável edificação, nenhum de nós intervirá, perturbando ou consumindo tempo. 

É-nos facultado permutar ideias, analisar a ocorrência, mas com absoluta isenção de ânimo. O momento pertence ao comunicante, que não dispõe de aparelhamento mais perfeito para a transmissão.

Nesse instante, indicou-me o colega que, de pé, junto de Eulália, mantinha a mente iluminada e vibrante num admirável esforço por derruir a natural muralha, entre a nossa Esfera e o campo de matéria densa.

— Anota as particularidades do serviço, — disse-me Calderaro, com significativa inflexão de voz; — todos os companheiros em posição receptiva estão absorvendo a emissão mental do comunicante, cada qual a seu modo. Repara calmamente.

Circulei a mesa e vi que os raios de força positiva do mensageiro efetivamente incidiam em oito pessoas. Reconheci que o tema central do desejo formulado por nosso amigo, no tocante ao projeto de assistência aos enfermos, alcançava o cérebro dos que se conservavam em atitude passiva; na tela animada de concentração de energias mentais, cada irmão recebia o influxo sugestivo, que de logo lhes provocava a livre associação dos psicanalistas.

Fixei as particularidades com atenção.

Ao receberem a emissão de forças do trabalhador do bem, um cavalheiro recordou comovente paisagem de hospital; outro rememorou o exemplo de uma enfermeira bondosa que com ele travara relações; outro abrigou pensamentos de simpatia para com os doentes desamparados; duas senhoras se lembraram da caridosa missão de Vicente de Paulo; a uma velhinha acudiu a ideia de visitar algumas pessoas acamadas que lhe eram queridas; um jovem reportou-se, em silêncio, a notáveis páginas que lera sobre piedade fraternal para com todos os semelhantes afastados do equilíbrio físico.

Examinei também as três pessoas que se mantinham impermeáveis ao serviço benemérito daquela hora. Duas delas contristavam-se por haver perdido uma sessão cinematográfica, e a outra, uma senhora na idade provecta, retinha a mente na lembrança das ocupações domésticas, que supunha imperiosas e inadiáveis, mesmo ali, num círculo de oração, onde devera beneficiar-se com a paz.

Somente Eulália recebia o apelo do comunicante com mais nitidez. Sentia-se ao seu lado: envolvia-se em seus pensamentos; possuía-se, não só de receptividade, mas também de boa disposição para servi-lo.

Decorridos alguns minutos de expectativa e de preparo silencioso, a mão da médium, orientada pelo médico e movida em cooperação com os estímulos psicofísicos da intermediária, começou a escrever, em caracteres irregulares, denunciando o natural conflito de “dois cosmos psíquicos” diferentes, mas empenhados num só objetivo — a produção de uma obra elevada.

Acompanhei a cena com interesse.

Mais alguns momentos, e fazia-se a leitura do pequeno texto obtido.

O comunicado era vazado em forma singela, como um apelo fraternal.

“Meus irmãos, — escrevera o emissário, — que Deus nos abençoe.

“Identificados na construção do bem, trabalhemos na assistência aos enfermos, necessitados de nosso concurso entre os longos sofrimentos da provação terrestre. O serviço pertence à boa vontade unida à fé viva. E a sementeira reclama trabalhadores abnegados, que ignorem cansaço, tristeza e desânimo.

“Sigamos para a frente.

“Cada pequenina demonstração de esforço próprio, nas realizações da caridade, receberá do Senhor a Divina Bênção.

“Aprendamos, pois, a socorrer nossos amigos doentes. Através de espessa noite de dor, sofrem e choram, muita vez em pleno abandono.

“Não vos magoará a contemplação de tal quadro? Lembremo-nos d’Aquele Divino Médico que passou, no mundo, fazendo o bem. D’Ele receberemos a força necessária para progredir. Estará conosco na grande jornada de comiseração pelos que padecem.

“Fiamos em vós, em vossa dedicação à causa da bondade evangélica..

“A estrada será talvez difícil e fragosa; entretanto, o Senhor permanecerá conosco.

“Prossigamos, intimoratos, e que Ele nos abençoe agora e sempre.”

O comunicante assinou o nome, e, daí a alguns minutos, encerravam-se os serviços espirituais da noite.

O presidente da sessão, seguido pelos demais companheiros, iniciou o estudo e debate da mensagem. Concordou-se em que era edificante na essência, mas não apresentava índices concludentes da identificação individual; não procedia, possivelmente, do conhecido profissional que a subscrevera; faltavam-lhe os característicos especiais, pois um médico usaria nomenclatura adequada, e se afastaria da craveira comum.

E a tese animista apareceu como tábua de salvação para todos. Transferiu-se a conversação para complicadas referências ao mundo europeu; falou-se extensamente de Richet e do metapsiquismo internacional; Pierre Janet, Charcot, De Rochas e Aksakof eram a cada passo trazidos à balha.

O comunicante, em nosso Plano de ação, dirigiu-se, desapontado, ao meu orientador e comentou:

— Ora essa! Jamais desejei despertar semelhante polêmica doméstica. Pretendemos algo diferente. Bastar-nos-ia um pouco de amor pelos enfermos, nada mais.

Calderaro sorriu, sem dizer palavra, e evidenciando preocupação em objetivo mais importante, acercou-se de Eulália, entristecida.

A médium ouvia as definições preciosas com irrefreável amargura.

Turvara-se-lhe a mente, agora, empanada por densos véus de dúvida. A argumentação em curso nublava-lhe o entendimento. Marejavam-se-lhe os olhos de lágrimas, que não chegavam a cair.

Abeirando-se dela, o instrutor falou-me, bondoso:

— Nossos amigos encarnados nem sempre examinam as situações pelo prisma da justiça real. Eulália é colaboradora preciosa e sincera. Se ainda não completou as aquisições culturais no campo científico, é suficientemente rica de amor para contribuir à sementeira de luz. Encontra-se, porém, desabrigada, entre os companheiros invigilantes. Permanece sozinha e, assediada como está, é suscetível de abater-se. Auxiliemo-la sem detença.

A destra do Assistente espalmada sobre a cabeça de nossa respeitável irmã expendia brilhantes raios, que lhe desciam do encéfalo ao tórax, qual fluxo renovador.

A médium, que antes parecia torturada, sopitando a custo a natural reação às opiniões que ouvia, voltou à serenidade. Caiu-lhe a máscara de descontentamento, dissipou-se-lhe a tristeza destrutiva; os centros perispiríticos tornaram à normalidade; a epífise irradiou branda luz. As nuvens de mágoa, que se lhe esboçavam na mente, esfumaram-se como por encanto. Em suma, amparada pela atuação direta do meu orientador, Eulália sabia dos percalços do trabalho e mergulhava-se gradativamente no ameno clima da compreensão.

Restabelecendo-lhe a tranquilidade, o instrutor, em seguida, conservou as mãos apoiadas aos lobos frontais, agindo-lhe sobre as fibras inibidoras. Observei, então, nova mudança. A mente da médium, como que se introvertia, desinteressando-se da conversação em torno e ficando mais atenta ao nosso campo de ação. O contato benéfico do Assistente cortava-lhe, de modo imperceptível para ela, o interesse pelas referências sem proveito, convocando-a a mais íntimo intercâmbio conosco.

Com ternura paternal, Calderaro, conservando as mãos na mesma postura, inclinou-se-lhe aos ouvidos e falou carinhosamente:

— “Eulália, não desanimes! A fé representa a força que sustenta o Espírito na vanguarda do combate pela vitória da luz divina e do amor universal. Nossos amigos não te acusam, nem te ferem: tão somente dormem na ilusão e sonham, apartados da verdade; exculpa-os pelas futilidades do momento. Mais tarde eles despertarão para o esforço de espalhar-se o bem… Investigam com os olhos a superfície das coisas, mas seus ouvidos ainda não escutaram o sublime apelo à redenção. Sigamos para a frente. Estaremos contigo na tarefa diária. É necessário amar e perdoar sempre, esquecendo o dia obscuro, a fim de alcançar os milênios luminosos. Não desfaleças! O Eterno Pai te abençoará.”

Reparei que Eulália não registrava aquelas palavras com os tímpanos de carne. Encheram-se-lhe os lobos frontais de intensa luz. As frases comovedoras do instrutor represaram-se-lhe no cérebro e no coração, quais pensamentos sublimes que lhe caíam do Céu, saturados de calor reconfortante e bendito.

— Sim, — respondia, do fundo d'alma, a devotada colaboradora, embora os lábios se lhe cerrassem no incompreendido silêncio, — trabalharia até ao fim, consciente de que o serviço da verdade pertence ao Senhor, e não aos homens. 

Olvidaria todos os golpes. Receberia as objeções dos outros, transformando-as em auxílios. Converteria as opiniões desanimadoras em motivos de energia nova. Dar-se-ia pressa em reconhecer os próprios defeitos, sempre que fossem indigitados pela franqueza de alguém, rendendo graças pela oportunidade de corrigi-los, quanto possível. 

Caminharia para a frente. Ser-lhe-ia a mediunidade um campo de trabalho, onde aperfeiçoaria os sentimentos que nutria, sem cogitar dos utensílios para servi-la: que lhe importavam, com efeito, as dificuldades psicográficas, se lhe pulsava um coração disposto a amar? 

Sim, ouviria as sugestões do bem, antes de tudo. Seria fiel a Deus e a si mesma. Se os companheiros humanos não a pudessem entender, não lhe restava o conforto de ser compreendida pelos amigos da vida espiritual? Ao termo da experiência terrestre, haveria suficiente luz para todos. Cumpria-lhe crer, trabalhar, amar e esperar no Divino Senhor.

O Assistente retirou as mãos, deixando-a livre e, reaproximando-se de mim, asseverou:

— Nossa irmã foi auxiliada e está bem, louvado seja Deus!

Observando os lobos frontais da médium, tão revestidos de luminosidade, fiz sentir a Calderaro minha admiração.

O instrutor amigo, não se esquivando a novos esclarecimentos, informou:

— Eulália, neste instante, fixa-se mentalmente na região mais alta que lhe é possível. Recolhe-se, calma, no santuário mais íntimo, de modo a compreender e desculpar com proveito.

Indicando a referida região cerebral, concluiu:

— Nos lobos frontais, André, exteriorização fisiológica de centros perispiríticos importantes, repousam milhões de células à espera, para funcionar, do esforço humano no setor da espiritualização. 

Nenhum homem, dentre os mais arrojados pensadores da Humanidade, desde o pretérito até os nossos dias, logrou jamais utilizá-las na décima parte. 

São forças de um campo virgem, que a alma conquistará, não somente em continuidade evolutiva, senão também a golpes de autoeducação, de aprimoramento moral e de elevação sublime; tal serviço, meu amigo, só a fé vigorosa e reveladora pode encetar, como indispensável lâmpada vanguardeira do progresso individual.


André Luiz





VÍDEO:

No Mundo Maior - Cap. 09 - Mediunidade (Parte 1 & 2)
O Espírito da Letra

Apresentação: André Luiz Ruiz








O Espírito da Letra - No Mundo Maior - Analisando a obra de André Luiz psicografia de Chico Xavier. 

Produção - TV Alvorada Espírita - http://www.tvalvoradaespirita.com.br 

Realização - TV Mundo Maior - http://www.tvmundomaior.com.br