quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

Léon Denis - Livro Giovana - O Porquê da Vida - Cap. VI, Pág. 126 - Justiça e progresso



Léon Denis - Livro O Porquê da Vida - Cap. VI, Pág. 126


Justiça e progresso


(...) Horas sucedem-se às horas. Maurício lá está, meio inclinado sobre esse fogo que crepita e cuja fumaça se espalha na atmosfera úmida. Sonha a felicidade que fugiu, as esperanças perdidas. O desânimo de novo se apodera dele; o desgosto da vida, esse desgosto amargo de outrora, o invade novamente; idéias de suicídio germinam no íntimo do seu pensamento. Anoitece e o fogo vai-se extinguir; Maurício, porém, compraz-se nessa obscuridade cada vez mais completa. Um farfalhar faz-se ouvir atrás de si. Volta-se e nada vê. Foi sem dúvida o barulho do vento ou os passos da criada no quarto próximo. Perto da chaminé há um piano, cujas teclas estão mudas desde muito tempo. De repente, escapam-se sons desse móvel hermeticamente fechado. Confuso, de surpresa, Maurício presta atenção. Essa música é muito sua conhecida, é uma ária de Mignon, a predileta de Giovana e que ela gostava de tocar à tarde, depois do jantar.

O coração de Maurício confrange-se; seus olhos se umedecem de lágrimas. Levanta-se e rodeia o piano ninguém! o banco está vazio. Volta para o seu lugar. Será uma ilusão dos sentidos? Uma sombra branca ocupa a poltrona que ele havia deixado. Tremendo, aproxima-se.

Esses olhos, esse olhar límpido, esses cabelos louros como espigas maduras, essa boca sorridente, esse talhe esbelto, alto, é a imagem de Giovana. Oh! magia! então o túmulo restitui os seus hóspedes! Uma voz vem acariciar-lhe os ouvidos: "Amigo, nada receies, sou eu mesma, não tentes tocar-me, não sou mais que um Espírito. Não te aproximes mais, escuta-me."

Maurício ajoelha-se, chora: "ó meu anjo, ó minha noiva, és tu, então?"

- “Sim, sou tua noiva, tua muito antes desta vida. Escuta, um laço eterno nos une. Nós nos conhecemos há séculos, temos vivido lado a lado sobre muitas plagas, temos percorrido muitas existências. A primeira vez que te encontrei na Terra, era eu bem fraca, bem tímida e a vida então era dura. Tu me tomaste pela mão, me serviste de apoio; desde esse momento, não nos deixamos mais. Sempre seguíamos um ao outro em nossas vidas materiais, andando no mesmo caminho, amando-nos, sustentando-nos um ao outro. Metido em combates, em empresas guerreiras, tu não podias realizar os progressos necessários para que teu Espírito livre, purificado, pudesse deixar este mundo grosseiro. Deus quis experimentar-te; separou-nos. Eu podia elevar-me para outras esferas mais felizes, enquanto que tu devias prosseguir sozinho a tua prova aqui embaixo. Preferi, porém, esperar-te no espaço. Efetuaste duas existências desde então e, durante seu curso, testemunha invisível de teus pensamentos, não cessei de velar”. por ti. Cada vez que a morte arrancava tua alma à matéria, tu me reencontravas e o desejo de te elevares fazia-te retomar com mais ardor o fardo da encarnação. Desta vez eu também pedi, tanto supliquei ao Senhor, que ele me permitiu voltar a Terra, tomar aí um corpo e ser uma voz para ensinar-te o bem, a verdade. Nossos amigos no espaço nos aproximaram, nos reuniram, mas por um tempo limitado. Eu não podia ficar mais tempo neste planeta: meu papel estava preenchido. Não devia ser tua aqui na Terra.

“Chegou à hora em que os Espíritos podem, segundo a permissão divina, comunicar-se com os humanos. Assim, eu torno a vir para guiar-te, encorajar-te, consolar-te. Se queres que esta existência terrestre seja a última para ti, se queres que ao sair dela sejamos reunidos para nunca mais nos separarmos, consagra tua vida a teus irmãos, ensina-lhes a verdade. Dize-lhes que o fim da existência não é adquirir bens efêmeros, mas esclarecer a inteligência, purificar o coração, elevar-se para Deus. Revela-lhes as grandes leis do Universo, a ascensão dos Espíritos para a perfeição. Ensina-lhes as vidas múltiplas e solidárias, os mundos inumeráveis, as humanidades irmãs. Mostra-lhes a harmonia moral que rege o infinito”.

“Deixa após ti as sombras da matéria, as mas paixões; dá a todos o exemplo do sacrifício, do trabalho, da virtude. Tem confiança na divina justiça. Fita a todo o momento a luz longínqua que ilumina o alvo, o alvo supremo, que deve reunir-nos no amor, na felicidade”.

"Põe mãos à obra sem tardança; nós te sustentaremos, nós te inspiraremos. Estarei junto de ti durante a luta,
envolver-te-ei com um fluido benéfico. Assim como nesta tarde, tornar-me-ei novamente visível a teus olhos, revelar-te-ei o que ignoras ainda. E um dia, quando tudo que há em ti de material e ínfimo se tiver dissipado, unidos, confundidos, nos elevaremos juntos para o Eterno, juntando nossas vozes ao hino universal que sobe de esfera em esfera até Ele." 

Encontrei Maurício Ferrand, faz alguns anos, em uma grande cidade, além dos Alpes. Havia começado a sua obra. Pela pena, pela palavra, trabalhava para derramar esta doutrina conhecida pelo nome de Espiritismo. Os sarcasmos e zombarias choviam sobre ele de todas as partes. Cépticos, devotos, indiferentes uniam-se todos para o abaterem. Ele, porém, calmo, resignado, não perseverava menos em sua tarefa. "Que me importa - dizia - o desdém destes homens? Dia virá em que as provas os obrigarão a compreender que esta vida não é tudo, e pensarão em Deus, em seu futuro esplendoroso. Pode ser que então se recordem do que lhes digo. A semente neles lançada poderá germinar. E, além disso, acrescentou, fitando o Espaço - e uma lágrima brilhou em seus olhos -, o que eu faço é para obedecer àqueles que me amam para aproximar-me deles."


Léon Denis









Giovanna (Nouvelle) Paris (1880) - Novela Espírita Escrita por Léon Denis


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