O carvalho e o caniço - Retirar os remos da água
Às vezes, quando o vento da renovação começa a uivar, não temos certeza de que as transformações serão para melhor. Apesar disso, devemos nos entregar, mesmo quando não sabemos aonde as mudanças irão nos levar. A Providência Celestial tem um plano só para nós, e as ventanias nos conduzirão aonde precisamos ir. Em certas ocasiões, é necessário "retirar os remos da água" e confiar na embarcação divina. Hammed
O CARVALHO E O CANIÇO
Um carvalho, de bom coração, porém superficial em seus julgamentos, uma vez que acreditava na superioridade da aparência e desconhecia os valores verdadeiros ocultos na essência, olhando a fragilidade do caniço e dele se compadecendo, assim falou:
- A natureza foi injusta com você. Frágil como é, um passarinho é uma carga pesada para suas forças. E o mais fraco dos ventos o abriga a inclinar-se e vergar a fronte. Ainda se tivesse nascido à sombra de minha ramagem e fosse mais alto, eu poderia servir de escudo para você e protegê-lo das tempestades que o ameaçam. Devo acrescentar que o admiro pela maneira como aceita, sem reclamar, a sua pequenez e a sua debilidade.
O caniço agradeceu a compaixão e a bondade do carvalho e replicou: Não se preocupe com a minha suposta fragilidade. Você se engana com ela. Por trás dessa aparência delicada existe, em essência, uma força que me faz ser forte e autossuficiente. Eu sou flexível. Eu me curvo, se preciso for, mas não quebro. Na verdade, os ventos são mais perigosos para você do que para mim.
Mal terminou de proferir essas palavras, no final do horizonte forma-se um terrível vendaval que, furioso e implacável, fustiga tudo que lhe aparece pela frente. E o carvalho e o caniço são alvos de seus açoites.
A árvore enfrenta o vento forte e tenta a todo custo manter-se em pé; a cana dobra, inclina a fronte.
O forte, que se julgava alto como as montanhas do Cáucaso e capaz de suportar os violentos temporais, não resiste. E o vento fica mais violento e arranca aquele cuja cabeça era vizinha do céu e cujos pés tocavam o império dos mortos.
RETIRAR OS REMOS DA ÁGUA
Nada na Terra pode vencer o homem flexível, pois tudo pode conseguir aquele que não oferece resistência. A propósito, a maioria das coisas muito duras tem grande propensão para quebrar.
Dizem as tradições orientais que a água é o mais poderoso dos elementos, porque é a excelência no mais alto grau da “não-resistência. Ela pode desgastar uma rocha e arrasar tudo à sua frente. Ao mesmo tempo, quando encontra uma pedra pelo caminho, não fica irritadiça, contorna os obstáculos; e, se pressionada por algum motivo, comprime-se o quanto quer.
Não fica lá, parada, censurando, pois não vê nenhuma vantagem em perder tempo e energia por causa de um incidente natural. A água se desvia da pedra e segue normalmente seu curso. Por que se estressaria com a ordem regular das coisas?
As águas de um rio vão para o oceano, para o grandioso. É para isso que ela está em andamento. Isso é que importa. Os detritos são entraves característicos do caminho. Se a água combatesse os pedregulhos, as grandes pedras, árvores submersas, terrenos em declive, ela se consumiria desnecessariamente e, por consequência, retardaria sua chegada ao mar.
A correnteza ficaria intoxicada pelo mau humor e contaminada pelos ressentimentos, maculada de amarguras por todas as adversidades encontradas no leito fluvial.
Assim como o curso natural do rio tem como desígnio levar suas águas para a imensidade do oceano, nós igualmente temos um ministério a cumprir. Se ficarmos inflexíveis, resistindo e nos envolvendo com cada um dos pequenos contratempos do cotidiano, isso só vai redundar em impedimento para cumprimos a tarefa evolutiva de nossa existência.
O que mantém o dinamismo da vida na água é o fluxo da correnteza.
O movimento contínuo sustenta a vida ativa, não deixando que ela se altere substancialmente. O curso fluvial de um rio é que sustenta a vida nele.
Diz o caniço ao carvalho: "Não se preocupe com a minha suposta fragilidade. Você se engana com ela. Por trás dessa aparência delicada existe, em essência, uma força que me faz ser forte e autossuficiente. Eu sou flexível. Eu me curvo, se preciso for, mas não quebro. Na verdade, os ventos são mais perigosos para você do que para mim."
Os antigos sábios perceberam que, no fato do bem viver, o que impera é a flexibilidade, tal como faz a água, o melhor modelo de fluxo da Natureza.
Se a vida é transformação, variação, ciclo e impermanência, o que rege a existência humana também são as oscilações sucessivas e flexíveis que obedecem a uma Ordem Providencial. É bom lembrarmos que as almas mais fortes são as mais maleáveis, abertas a mudanças e a novas informações.
Somos membros do Universo em contínua evolução e precisamos aprender a nos adaptar e a nos ajustar a uma visão de mundo passível de transformação, reciclando pensamentos, crenças e ideias, fazendo novas interpretações das circunstâncias e das ocorrências do cotidiano. Não devemos ser homens automatizados. Onde não há liberdade para se questionar, não há ética.
Quantas vezes a maneira rígida de pensar ilude o "homem carvalho", "de bom coração, porém superficial em seus julgamentos" fazendo-o acreditar que possui uma força indestrutível como a árvore desta fábula, mas diante das tempestades existenciais "tenta a todo custo manter-se em pé; (..) se julgava alto como as montanhas do Cáucaso e capaz de suportar os violentos temporais, não resiste. E o vento fica mais violento e arranca aquele cuja cabeça era vizinha do céu ( .. .)".
Nossa alma terá firmeza e vigor diante das intempéries se conseguirmos manter a mesma flexibilidade do “caniço”, prontos a ceder diante das renovações, reformulando planos, admitindo novas opiniões, aderindo a convicções baseadas em provas incontestáveis, fazendo associações prazerosas e estimulantes; angariando, assim, energias que fortalecem e alimentam o próprio espírito.
“Fluir” não quer dizer somente “passar por”, “deixar-se conduzir”, “percorrer distância, “circular com rapidez”. O fluxo ao qual nos referimos é muito mais do que isso. Na verdade, falamos da ritmicidade cósmica que comanda o Universo e que mantém tudo em perfeita ordem.
Não existe o caos. Em todas as coisas reina um ciclo, um propósito ou trajetória em completa harmonia. Às vezes, temos a impressão de que a desordem e a confusão mental invadem nosso reino interior, mas, se olharmos num nível mais profundo, perceberemos que tudo está em plena concordância. A dureza, a agitação e o tumulto provêm da postura ególatra da visão humana.
De modo geral, as pessoas resistentes, podem estar sendo assaltadas por fortes imagens mentais de situações de inflexibilidade vividas no lar. Quando uma criatura associa um fato recente a uma situação registrada anteriormente (ainda que não se dê conta disso), seus sentimentos agem imediatamente como se ela estivesse vivenciando o próprio fato precedente.
O antigo ditado "Tal pai, tal filho", utilizado comumente para justificar qualquer tipo de escolha de um indivíduo que se revela afortunado ou malsucedido, vincula erros e hábitos, virtudes e vícios a um padrão familiar, imutável e inflexível. É uma generalização que confina e explica as ações dos pais e dos filhos, para o bem ou para o mal.
Existe uma ponte entre hábitos e generalização. A existência humana nada mais é do que uma textura de hábitos. Hábitos do pretérito somados aos do presente. Evidentemente, nossa forma costumeira de ser, fazer, sentir, individual ou coletivamente, é produto de nossas vivências associadas às mais diversas motivações. Elas determinam ao comportamento uma intensidade, uma direção determinada e uma forma de desenvolvimento individual da criatura.
Entretanto, não devemos nos esquecer de que na infância poderemos formatar novos padrões de comportamento, alicerçados em hábitos adquiridos em outras existências. Os regulamentos e preceitos impostos pelos pais influenciam no desenvolvimento psicossocial dos filhos.
A criança precisa do afeto real, não de cobranças. De um sentimento intenso, consistente, suave, tranquilo, sem arrebatamentos exagerados e momentâneos, mas sim, frequentes e duradouros.
Uma simples palavra de incentivo, um sorriso de aprovação, um olhar de encorajamento funcionam como um fermento magnífico que os pais podem e devem dar aos filhos.
Crianças que nunca são elogiadas se desenvolvem com certa dose de frustração, desapontamento, decepção, inibição e com baixa estima.
Os adultos devem aprender a aceitar os filhos como são e não formar modelos inatingíveis, desumanizá-los, julgando-os como super-homens ou tentando enquadrá-los a um padrão idealizado.
Indivíduos intransigentes são como investigadores que se apegam apenas a uma pequena parte de um todo como resultado final sobre a questão que estão tentando decifrar. E quando outras evidências são encontradas, eles as alteram para que se encaixem impecavelmente em suas conclusões precoces.
Em contrapartida, as criaturas flexíveis formulam estimativas de importância e de valor relativos até que se prove o contrário, ou seja, reconsideram e revisam de forma permanente seus pontos de vista a fim de alcançarem verdadeiramente os fatos reais.
Às vezes, quando o vento da renovação começa a uivar, não temos certeza de que as transformações serão para melhor. Apesar disso, devemos nos entregar, mesmo quando não sabemos aonde as mudanças irão nos levar. A Providência Celestial tem um plano só para nós, e as ventanias nos conduzirão onde precisarmos ir. Em certas ocasiões, é necessário "retirar os remos da água" e confiar na embarcação divina.
CONCEITOS-CHAVE
A - ERROS
Almejemos o aperfeiçoamento, não a perfeição precipitada. Nunca devemos abrir mão do nosso direito de errar, porque então perderemos a disposição de aprender coisas novas e de fazer nossa vida progredir. O único ser humano que jamais comete erros é aquele que nada faz. Quem nunca errou? Errar não é nenhuma tragédia. Quando erramos, "não desviamos as estrelas de sua rota". É uma faceta da condição humana. O delito não é o erro: o erro é insistir nele e não aprender, não mudar de atitude. Não tenhamos medo de cometer erros; não nos privemos da experiência que com eles adquirimos. Aliás, a soma de todos os nossos erros se chama experiência.
B - GENERALIZAÇÃO
Muitas vezes, ao fixarmos certas concepções ou pontos de vista alheios como se fossem absolutos e plenamente corretos, nem notamos que somos reféns emocionais. A linguagem molda a conduta, e reforçar muito um certo tipo de opinião sobre nós mesmos ou sobre outras pessoas pode influenciar negativamente nossos atos e atitudes. A generalização é o processo pelo qual o indivíduo, após vivenciar um fato traumático ou uma série deles, passa a estender essa experiência e ampliá-la de modo sucessivo para todos as áreas da sua existência. Exemplos: crianças que têm trauma em relação aos gatos, por terem sido mordidas por um quando pequenas, ou por terem ouvido dizer que gatos não são de Deus, podem transferir o pânico para outros animais; crianças desobedientes, ameaçadas constantemente pelos pais que tomariam injeção como castigo, podem desenvolver pavor a hospitais.
C - HÁBITOS
Hábitos são atos de uso repetido que levam informações ou noções de vida e, por conseqüência, induzem a uma maneira permanente e regular de agir, ou seja, a uma prática esperada de conduzir-se na sucessão dos dias. É na infância que tudo pode acontecer. Os adultos têm como intenção agir, de forma inconsciente ou não, com dois propósitos: inicialmente querem familiarizar a criança com o tipo de procedimento considerado aceitável pela família e pelo agrupamento social em que vivem; depois estabelecem limites comportamentais restringindo-as dentro dos moldes vigentes ou pré-estabelecidos pela sociedade. Quanto mais austeros tais preceitos, mais dificuldades ela encontrará na adaptação e mais transgredirá as normas estabelecidas, além dos agravos e traumas psicológicos sérios que poderão aparecer futuramente. Não estamos aqui nos esquecendo que regras e princípios demasiadamente permissivos, brandos ou tolerantes darão uma autonomia desmedida e perigosa à criança nesse momento importante da formação de seu caráter e personalidade.
Moral da História:
Novas ocorrências requerem novas conclusões. Quando verificamos nossos equívocos ou mesmo mudamos de ideia sobre algo ou alguém e, ainda assim, permanecemos inflexíveis e arrogantes diante de uma tomada de decisão, isso pode ser o caminho certo para atingirmos a infelicidade e as desditas existenciais. Não devemos subestimar a voz do coração ou nos julgar frágeis e fracos por mudarmos nossa maneira de sentir, pensar e agir diante das coisas. Sem erro não há conhecimento; sem conhecimento não há evolução: e sem evolução o homem não teria chegado ao estágio em que se encontra. Cabe a nós, então, encarar os desacertos como parte integrante do processo evolutivo, como algo a ser repensado. Libertemo-nos das culpas, das eternas queixas, das comoções de irritação, da agressividade e da frustração. Tentar parecer forte, enérgico e decidido perante as situações que requerem mudança pode nos levar ao que sucedeu com o carvalho. Quebra "a árvore que enfrenta o vento forte e tenta a todo custo manter-se em pé; a cana dobra, inclina a fronte" e permanece ilesa.
REFLEXÕES SOBRE ESTA FÁBULA E O EVANGELHO:
"Os preconceitos do mundo sobre o que se convencionou chamar o ponto de honra dão essa suscetibilidade sombria, nascida do orgulho e da exaltação da personalidade, que leva o homem a restituir injúria por injúria, insulto por insulto" ( ... ) (ESE, cap.12, item 8)
"Eu vos digo para não resistirdes ao mal que se vos quer fazer; mas se alguém vos bate na face direita, apresentai-lhe também a outra" ( ... ) (Mateus, 5:38)
"A verdadeira eloquência consiste em dizer tudo o que é preciso, e somente o que é preciso." - La Rochefoucauld.
Hammed
VÍDEO:
Ser ou Não Ser Flexível? - Fábulas de La Fontaine - Ep. 15 - Retirar os remos da água
Inspiração Espírita
Apresentação: Larissa Chaves
Com base na fábula "O carvalho e o caniço". Narração: Júlia Mattos.
Estudo sob a ótica espírita com base na obra "La Fontaine um estudo do comportamento humano", de Hammed e psicografada por Francisco do Espírito Santo Neto.
Edição: Ricardo Valois
Apoio: Marina Valois
Música: Rosalie's Waltz
Compositor: José da Vēde
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