Aos leitores
Estas páginas não são fruto de veleidade literária. Posso classificá-las primeiramente como registros de uma profunda e humilde gratidão a um amigo que, com amor, caridade e toda a beleza que enaltece seu espírito, houve por bem amparar-me e orientar-me em momentos de tristeza e inquietudes. Em segundo lugar, como obediência fraterna às solicitações do diletíssimo Sr. José Martins Peralva Sobrinho, vice-presidente da União Espírita Mineira — U. E. M. — colmeia de trabalho e fraternidade, onde modesta e singelamente, porém de todo o coração, nos dedicamos às tarefas de servir, por acréscimo da misericórdia do Excelso Amigo Jesus. Considerações essas — acerca da responsabilidade pertinente a todos que tiveram a oportunidade de uma convivência mais ou menos longa com FRANCISCO CÂNDIDO XAVIER — que resultaram na narração de fatos, ocorrências e exemplos presenciados, vividos e coletados com o admirável apóstolo da humildade, da renúncia, da abnegação, da honestidade e da lealdade aos sublimes princípios doutrinário-evangélicos do Cristianismo Redivivo.
O convívio com o nosso Chico. Como o conheci
Um simples e fortuito encontro de rua. Um esbarrão para ser sincero.
Foi numa tardezinha de 22 de outubro de 1946.
Subia apressadamente a Av. Santos Dumont, em direção contrária à Estação Ferroviária. Ia triste, angustiado e acabrunhado. Havia perdido minha esposa 21 dias antes e, desde então, estabelecera-se em minha cabeça uma infinidade de pensamentos e reflexões díspares, desconexas. Meus conceitos materialistas e ateus digladiavam-se violenta e brutalmente com uma verdade insofismável: a sobrevivência do ser, a vida além da morte física. Uma verdade constatada casualmente, certa noite.
Buscando abrigar-me de forte temporal, bati à porta da casa de meu irmão Geraldo, no momento exato de iniciar-se uma reunião de intercâmbio espiritual. Convidado a entrar, fiquei diante de um impasse: ou enfrentava a chuva fria e torrencial ou ficava para a reunião. A questão fé, religião e Doutrina Espírita não me interessava. Porém, contrariado, optei por ficar, sendo acomodado não longe da mesa de orações, próximo à D. Eny Fassanelo, uma amiga de longa data, originária da Itália, que, mesmo residindo no Brasil há mais de 30 ou 40 anos, ainda conservava um falar bem “macarronado”.
Atento aos acontecimentos, notei que as luzes foram diminuídas e as leituras e preces iniciadas. Pouco tempo depois, percebi mudanças em D. Eny que, subitamente, tornara-se fremente, estuante. Um estremecimento a fazia sofrer, parecia aflita, como se vomitasse substância grossa, viscosa, pegajosa.
Meu irmão Geraldo, defrontando com a ingerência — que para mim não passava de estultícia — dirigiu-se a ela com palavras ternas e carinhosas, acalmando-a, inspirando-a a relatar o que estava a lhe acontecer.
Um silêncio longo e inquietante foi logo quebrado pelo som claro, bonito e musical de uma voz que era-me muitíssimo familiar. Uma voz que fazia-me evocar doces recordações e que identifiquei como sendo de minha esposa, Irma, desencarnada havia poucos dias.
Estupefato, ouvi minha cunhada Luiza chamando-lhe de Naná — seu apelido — pedindo-lhe notícias, portando-se como se nada tivesse acontecido. Agindo tão naturalmente como se Meimei estivesse ali, em carne e osso, ainda que apresentando um corpo e rosto bem diferentes dos seus.
Aumentavam ali minhas perturbações e questionamentos. As elucidações de Geraldo foram insuficientes e, em minha ignorância, revoltei-me, reneguei o fato presenciado veementemente.
Pois bem: esvaí-me em desesperos e angústias noite e dia e até que se verificasse meu encontro casual com Chico Xavier, 22 dias se passaram. Vinte e dois dias vividos numa intensa comburência mentopsíquica e emocional.
Eu caminhava taciturno e distraído quando, inadvertidamente, fui de encontro a um senhor, derrubando ao chão sua pequena pasta. Desculpei-me de imediato, entregando-lhe o objeto, reparando em suas maneiras simples e modestas, demorando-me em seu olhar de imensa bondade e candura. Reconheci naquele homem a personagem de reportagens lidas, há pouco tempo, na revista “O Cruzeiro”. Sim! O homem simples, modestamente trajado, alvo de meu descuido no andar, era, incontestavelmente, o Sr. Francisco Cândido Xavier, o médium de Pedro Leopoldo!
Indizível emoção me envolveu. Queria falar-lhe, apresentar-me, mas perdera a voz. Pus-me a chorar em plena via pública. Situação desconcertante, nós dois ali parados, atrapalhando os outros, dificultando o fluir normal dos transeuntes!…
O Sr. Francisco olhava-me com infinita ternura. Tomou-me o braço e falou com sua voz quente, modulada de afeto e carinho:
— Escuta, Naldinho, não é assim que Meimei lhe falava? Ela está aqui, conosco, radiante de alegria pelos seus 24 janeiros, ou melhor, ela diz 24 primaveras de amor! Hoje não é o dia de seu aniversário?!? Deixe-me ver o retrato dela que você traz na carteira.
Fiquei estuporado, siderado mesmo! Nada lhe falara, a não ser o pedido de desculpas! Como sabia meu nome? Que sabia de Meimei ou de seu aniversário? Tentava controlar o choro, suava frio, envergonhado de mim mesmo. Inerme, mostrei-lhe a fotografia.
O médium pegou-a delicadamente. Pousou nela os olhos marejados de lágrimas e com um belo e reconfortante sorriso, segredou-me:
— Nossa querida princesa Meimei quer muito lhe falar. E hoje, em comemoração ao seu aniversário, podíamos fazer uma prece. Vamos à casa de Geraldo?
E para lá seguimos. Eu continuava mudo lívido, assustado. Havia terminado a leitura de “O Problema do Ser, de Destino e da Dor” (Léon Denis, 1919, F. E. B.), iniciara a leitura de “No Invisível” (Léon Denis, 1919, F. E. B.) e ainda estudava-o “O Livro dos Espíritos” (Allan Kardec, 1857), entretanto, meus conhecimentos doutrinários eram insignificantes, pequenos! Não compreendia, na essência, o que ocorria, não sabia que estava na companhia de um excelente clarividente.
Meu interlocutor discorria alegremente sobre Meimei, como se de muito a conhecesse. Falou-me de sua alegria de viver, de sua jovialidade, poesias, leituras, sonhos e de sua doença.
Aos poucos, o mutismo e o espanto deram lugar a um encantamento e, mais à vontade, pus-me a conversar, absorvendo atentamente tudo o que aquele homem estava me revelando.
Em casa de Geraldo, preparamos uma reunião íntima e, através da Psicofonia Sonambúlica, por mais de uma hora, Meimei falou-nos de sua nova vida, da amizade dos amigos espirituais — André, Dr. Cornélio, Monsenhor Horta, sua avó Mariana…
A todo momento, exclamava jubilosa:
— “Meu amado, aqui tudo é lindo! Sou tratada como se fosse uma princesa! Todos são fraternos, tão joviais e gentis!… Aceite um conselho: leia, estude, trabalhe e sirva sempre.”
No dia seguinte, meu novo amigo partiu para Uberaba, a serviço do Ministério da Agricultura, devendo encontrar lá um outro companheiro de Doutrina, o Dr. Rômulo Joviano, presidente do Centro Espírita Luiz Gonzaga, também diretor e superior de Chico na Fazenda Modelo, em Pedro Leopoldo.
Na Estação Central do Brasil, convidou-me gentilmente a visitá-lo em sua cidade, aconselhando-me que o fizesse em dezembro. E na época aprazada, por volta do dia 20, fiz-lhe minha primeira visita. Contudo, logo logo as visitas tornaram-se constantes e abracei, felicíssimo, a oportunidade de trabalhar conjuntamente com Chico nos serviços de ordem cristã.
Arnaldo Rocha
Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano
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