Ermance Dufaux - Livro Laços de Afeto - Wanderley de Oliveira - Cap. 6
Habilidade Essencial
“ (...) a caridade e a tolerância são o dever primário que a doutrina impõe a seus adeptos.” O Livro dos Médiuns — capítulo 29 — item 335
O exame meticuloso dos erros alheios, ao longo das vidas sucessivas, conferiu-nos ampla capacidade de analisar as imperfeições do próximo.
Hoje, graças a essa habilidade de avaliar a conduta alheia, somos exímios “juízes e psicanalistas”, dotados de vastas possibilidades de encontrar causas e razões para os desatinos que ocorrem fora da esfera do “eu”.
O que se torna lamentável é não utilizarmos tal recurso para reerguer e auxiliar no aprimoramento do próximo, sendo que, habitualmente, o usamos para destacar o “lado” ruim e amargo de tudo e de todos.
Deter-se nesses ângulos sombrios é atitude comum para a maioria dos homens nas experiências carnais. Espera-se, entretanto, de nós outros, os aprendizes espíritas, maior lucidez nas ações. Nosso desafio enquanto discípulos é saber manter-se afetivamente focado no “lado” bom, nas qualidades, nos instantes bem sucedidos de alguém, conquanto tenhamos vastas possibilidades de perceber-lhes as imperfeições e mazelas.
A essa qualidade chamamos indulgência.
É a habilidade que consignamos como essencial frente aos imperativos da convivência social, quando temos como meta primacial a própria paz e o progresso dos grupos sob nossa tutela, ou nos quais ofereçamos a cooperação.
Sempre encontraremos motivos para a ofensa, a recriminação, a transferência de culpas, para depreciar a movimentação alheia, para rebaixar o outro.
Compreender, estimular, perdoar, reconhecer os valores alheios, dividir responsabilidades, apoiar, orientar, ser afetuoso, tudo isso é bem mais trabalhoso.
Indulgência é habilidade que qualifica o homem com abundante inteligência emocional.
O coração focado no aspecto “sublime da vida” torna a alma generosa e atraente, cuja irradiação é de aceitação e acolhimento.
Jesus, como sempre, é o modelo. Em momento algum do seu ministério de Amor o percebemos em atitude de destaque ao mal; embora astuto e vigilante, sabia sempre onde ele se ocultava e procurava erradicá-lo sem que o evidenciasse.
Com a pecadora, lembra o “quem estiver isento de pecados atire a primeira pedra”.
Com o paralítico de Cafarnaum não pergunta como algemou-se ao leito e perdoa seus pecados.
Com Pedro antecipa sua negação em clima pacífico de alerta, sem menosprezá-lo, em pleno respeito a seus limites no campo da coragem.
Com Judas usa de Amor extremado sabendo o que ocorreria posteriormente, mas permanecendo em silêncio evita revelar o “mal” de que ele próprio seria “vítima”.
Com Maria de Magdala fá-la mensageira da ressurreição, inaugurando o tempo da misericórdia ante o esforço reeducativo, esquecendo o passado ignominioso.
Alertar e repreender são instrumentos corretivos necessários para não ensejar omissão e conivência. Entretanto, para quantos cultivam a habilidade essencial da indulgência, o ato de conclamar o outro à integridade é realizado sempre pelo diálogo franco, fraterno e elevado, sem as típicas “neuroses de melindre” nutridas por receios entre quem fala e quem ouve, fazendo dessas conversas educativas verdadeiros momentos de reconsideração e autoexame para a transformação necessária a ser encetada.
Relações permeadas na indulgência são educativas, ressaltam e fixam valores e estimulam o autoamor, o autoperdão.
Assumamos o compromisso renovador de descobrir em cada passo da existência as justificativas saudáveis do “agir humano”, buscando as razões profundas dos atos alheios, a fim de penetrarmos as furnas de suas lutas espirituais na condição de enfermeiro socorrista, disposto a atender, remediar e prevenir enfermidades com as quais, muita vez, nem mesmo seus portadores conseguem avaliá-las com a lucidez por nós desenvolvida nos séculos de vivência no hábito da formação de juízos éticos sobre o comportamento alheio.
O ser humano está doente na sua autoestima e reforçar-lhe aspectos infelizes de sua ação é onerá-lo com mais sombras e dor.
Nos grupos de nossa ação estejamos atentos a semelhantes lances da escola dos relacionamentos.
O companheiro ofendido pela nossa atuação enérgica é, muita vez, alguém decepcionado com as próprias expectativas que nutria sobre nós. Auxiliemo-lo com cortesia e generosidade, no entanto, se ele recusa a oferta, sigamos adiante sem fazer achaques emocionais de pieguismo e arrependimento.
Se aqueloutro amigo de atividades espirituais apresenta-se sempre vacilante e descuidado com os compromissos assumidos, lembra que, em muitas ocasiões, ele não é mais que um aluno portador de ânimo débil, incapaz de superar velhos limites pessoais para denodar-se como deveria. Aceita-lhe o tributo inconstante e vai-lhe demarcando referências corretivas, para que possa melhor aquilatar sobre as conseqüências de sua volubilidade no andamento das realizações às quais integra.
Nódoas e empeços de variados matizes comparecerão nos serviços do Senhor. Por esse motivo procuremos sempre o “caminho estreito” e, se nessa enfermaria das lides espiritistas esquecermos a nossa condição de doentes, subtrairemos de nós mesmos as chances de recuperação e melhora. Na própria enfermaria humana, quando os doentes percebem a extensão de seus dramas, unem-se solidariamente uns aos outros, cada qual oferecendo o que pode, e solidariedade é o nome da indulgência ativa e promotora de paz e apoio às relações.
Cultivemos, dia após dia, essa habilidade essencial e consagremos vida nova com mais abundância de bênçãos, desonerando o próprio psiquismo das enfermiças fixações negativistas que costumamos encontrar ao nosso redor.
Anotemos alguns prováveis resultados das fixações sombrias despejadas sobre o mundo e as pessoas:
- Açulamento de maus sentimentos.
- Climas inamistosos.
- Inviabilização para as mudanças necessárias.
Misericórdia, tolerância máxima, eis as medicações apropriadas de uns para com outros, assim como lembrou José na seguinte colocação:
“Sede indulgentes, meus amigos, porquanto a indulgência atrai, acalma, ergue, ao passo que o rigor desanima, afasta e irrita” — O Evangelho Segundo o Espiritismo — capítulo 10 — item 16 — José, Espírito protetor (Bordéus, 1860.)
Ermance Dufaux
Fonte: Laços de Afeto-pdf
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