Manoel Philomeno de Miranda - Livro Trilhas da Libertação - Divaldo P. Franco - Pág. 62/69
Serviços de desobsessão
Quando a ocasião nos pareceu própria, inquirimos o Dr. Carneiro:
— Qual será o destino do médium nessa nova Entidade?
O amigo sorriu, paciente, e respondeu:
— Conforme a direção que dê aos próprios passos, será levado à paz de consciência ou ao inferno das culpas. Cada caminho conduz a um tipo de objetivo. A eleição é do viajante. Caso, porém, persevere nas atitudes atuais, terá muitos problemas à frente.
— E o adversário desencarnado que o acompanhava? — voltei a interrogar.
— Prosseguirá aguardando oportunidade para a agressão — esclareceu. — Se as forças mediúnicas fossem canalizadas para a ação da caridade real, o exemplo moral do médium ajudaria o Dr. Hermann a compreender melhor a finalidade do serviço que realiza, adquirindo as virtudes que lhe faltam, qual ocorre conosco, e estas envolvê-lo-iam em títulos de enobrecimento que sensibilizariam o inimigo, contribuindo para a pacificação de ambos. Não ignoramos que somente o bem possui a força indispensável para anular o mal. Por esta e outras razões, a mediunidade é um instrumento que, colocado ao serviço do amor, proporciona iluminação e sabedoria, granjeando amigos para a eternidade. Dignificada, torna-se escada de libertação; mal utilizada, converte-se em poço de sombras e abismo de perturbação.
“Infelizmente, para o nosso Davi, a sua tem sido a escalada para o erro, deixando-se alucinar e algemando-se a compromissos tenebrosos de difícil liberação. O seu último chamamento ao dever não o despertou para a realidade — sua fragilidade e limitações pessoais. O médium, que se permite enovelar em problemas dessa natureza, torna-se vítima de obsessões que culminam, quase sempre, na loucura, no suicídio ou no assassinato... Os seus sicários utilizam-se das suas impulsividades e o arrojam aos despenhadeiros da amargura de difícil retorno.”
Cessadas as atividades de cirurgias mediúnicas, o irmão Vicente e seus cooperadores deram início a exaustivo trabalho de limpeza do ambiente, desimpregnando-o das construções mentais do desespero humano, das ideoplastias negativas, das fixações de ansiedade, revolta e dor que já lhe empestavam a psicosfera.
Utilizando-se de aspiradores que absorviam os fluidos semicristalizados que pairavam no ar, preparavam o recinto para outros misteres de elevação sem os riscos de desencarnações prematuras e conflitos de outra natureza.
Certamente, na fase anterior, as medidas de preservação da higiene psíquica e da harmonia não eram descuradas. Todavia, pela própria razão do serviço, os atraídos ao pátio dos milagres geravam desordens graves, em razão da irregular conduta, como das companhias espirituais de que se tornavam objeto.
Agora se percebiam os evidentes sinais de ordem e paz, que devem viger em todos os lugares dedicados aos labores espirituais.
Convidados especialistas (desencarnados) em socorros à saúde, estes anuíram em cooperar sem ruído ou estardalhaço, pois que onde frondesce a árvore da caridade, as flores e frutos da paz aí se multiplicam em abundância.
Acompanhando a renovação que se processava naquele Núcleo de ação espírita, o Dr. Carneiro explicou-me, espontaneamente:
— O Espiritismo é uma Doutrina que sintetiza o conhecimento humano em uma abrangência admirável. Nem poderia ser diferente, pois que foi revelado pelos Espíritos que se tornaram pioneiros do saber na Terra, e que, com a visão da vida ampliada no Além, ofereceram tudo quanto se faz imprescindível à felicidade dos seres. Tem a ver, portanto, com todos os ramos da cultura em uma expressão holística da realidade, que se faz indispensável para o entendimento integral do homem e da vida. As doutrinas secretas ressurgem nele desvestidas dos mitos e rituais, facilitando o intercâmbio entre as inteligências encarnadas e desencarnadas, ampliando o quadro de informações por meio das Ciências, na sua faina de tudo explicar e submeter.
“Com esse arsenal de instrumentos próprios, o Espiritismo liberta as consciências das sombras e as conclama às escaladas desafiadoras do progresso.
“Por tal razão, a Casa Espírita avança para a condição de Educandário, fornecendo os contributos para o estudo e a análise das criaturas, libertando-as das crendices e superstições, ao tempo em que lhes oferece os recursos para a ação com liberdade sem medos, com responsabilidade sem retentivas, perfeitamente lúcidas a respeito do destino que lhes está reservado, ele próprio resultado das suas opções e atitudes.
“Uma sociedade que se conduza fiel a esses conceitos e determinações torna-se justa, equânime e os membros que a constituam serão, sem dúvida, felizes.
Portanto, é indubitável que o Espiritismo liberta as consciências das sombras e as conclama às escaladas desafiadoras do progresso.
“Tudo marcha na direção da Unidade, pois que dela partem todos os rumos. No afã de penetrar a sonda da investigação no organismo universal, os cientistas constatam a interdependência das informações que detectam, umas em relação às outras, tão interpenetradas estão. A análise de qualquer conteúdo exige uma
ampla malha de conhecimentos, a fim de bem captá-lo.
“O homem, em razão do seu largo processo de evolução, das suas vinculações ancestrais e experiências, não deve ser examinado apenas por um dos seus ângulos, seja físico, psíquico, emocional, social... Cada faceta da sua realidade traz embutidos outros aspectos e contributos que respondem pela manifestação e aparência daquela focalizada. Assim, na área da saúde, são muitos os fatores que respondem pelo equilíbrio ou desarmonia do indivíduo, e, no que tange à de ordem espiritual, mais complexos se fazem os fatores que lhes dão origem ou os desarticulam. Nesse painel, a consciência exerce um papel preponderante por ser o árbitro da vida, a responsável por todos os acontecimentos, o Deus em nós das antigas tradições de nossos antepassados.”
Fazendo uma pausa oportuna, o amigo relanceou o olhar pelo recinto da Instituição que nos albergava e, ante a simplicidade de tudo, a ausência de ganchos e bengalas psicológicas para a fé,
arrematou:
— O homem realmente livre é consciente das suas responsabilidades, não necessitando de nada externo para os logros elevados a que se propõe. Torna-se-lhe condição essencial o conhecimento real, defluente da meditação e da vivência dos seus estatutos para seguir a marcha com a elevação indispensável à vitória. Certamente foi esta a ideia de Jesus ao preconizar-nos buscar a Verdade que nos torna livres.
Começavam a chegar os participantes da sessão mediúnica de desobsessão da Casa, que se realizava hebdomadariamente.
Era a primeira atividade deste gênero após os sucessos narrados e havia expectativa, certa intranquilidade em alguns cooperadores dos trabalhos.
A sala reservada para o mister recebera cuidados especiais: técnicos do nosso plano dispuseram aparelhos próprios para o socorro desobsessivo em várias partes do recinto.
O irmão Vicente comandava a programação conforme o fazia sempre. Agora, menos preocupado que antes, em face da alteração realizada, sentia-se feliz pelas possibilidades que se delineavam para o futuro, sem os riscos desnecessários dos dias idos.
Conscientes dos deveres, os membros do grupo mediúnico eram recebidos à entrada da sala pelo presidente da Sociedade, o Sr. Almiro, um cavalheiro tranquilo, de aproximadamente setenta anos, que irradiava bondade espontânea e gentileza sem afetação.
Sorrindo com afabilidade, podíamos perceber-lhe o alívio de que era possuído com a alteração dos programas espirituais que havia sido efetivada.
Às 19h30 já se encontravam presentes todos os participantes, em recolhimento silencioso.
A pontualidade era ali requisito indispensável, já que constitui um dos fatores para o êxito do cometimento.
Tomando lugar à cabeceira da mesa, em torno da qual sentavam-se mais onze companheiros e, nas cadeiras em frente, mais catorze pessoas, o diretor começou a ler uma página de O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec.
A leitura não se fazia enfadonha, porque ele enunciava as perguntas, e uma senhora, ao lado, as respostas.
Logo após, quando foram examinadas três ou quatro questões, os membros da mesa apresentaram comentários complementares, fizeram perguntas adicionais em tom de voz agradável, sem entonação de discurso ou debate, procurando-se recolher ensinamentos proveitosos e saudáveis.
Posteriormente se procedeu ao exame de O livro dos médiuns e de O evangelho segundo o espiritismo, ambos também de Allan Kardec, gerando uma psicosfera de paz e receptividade.
Percebi que as Entidades convidadas para o intercâmbio da noite, ainda em sofrimento ou perturbadoras, permaneciam entre as pessoas, isoladas por barreiras vibratórias que, no entanto, lhes permitiam escutar as leituras e os comentários. As que eram lúcidas e trabalhadoras movimentavam-se com liberdade, e os obsessores, alguns já vinculados aos médiuns pelos quais se deveriam comunicar, a contragosto escutavam os ensinamentos, recalcitrando e reagindo com blasfêmias e grosserias. Espíritos familiares dos presentes também permaneciam no recinto, em atitude digna, reflexionando a respeito da tarefa e das comunicações, e os demais cooperadores, os que transportam os enfermos desencarnados, igualmente estavam a postos.
Tudo se encontrava em ordem, qual sucede em um tratamento cirúrgico, quando a equipe aguarda o sinal do chefe para o início da operação.
Às 20h, o Sr. Almiro formulou sentida oração a Deus, na qual agradecia as bênçãos recebidas e suplicou-lhe a proteção para as atividades que se iriam desenvolver.
Ao terminar a prece, uma suave auréola de tom solferino emoldurou-lhe a cabeça, exteriorizando os sentimentos nobres que o possuíam.
De imediato, o irmão Vicente, por meio da psicofonia sonambúlica de dona Armênia, deu as instruções iniciais e nos preparamos para acompanhar o desdobramento da reunião.
Observei que cada médium, assim como os demais participantes irradiavam claridades que variavam desde os tons mais escuros e fortes aos diáfanos e laranja. Alguns havia, entre o público, que não apresentavam qualquer alteração, permanecendo como um bloco inanimado.
O Dr. Carneiro, que me acompanhava a observação silenciosa, veio em meu socorro, esclarecendo:
— São companheiros que não conseguem arrebentar as algemas dos pensamentos habituais: pessimistas, ansiosos, distraídos que, não obstante interessados, aproveitam-se da penumbra para dar curso aos pensamentos trêfegos e viciosos do cotidiano ou ao sono anestesiante. Enquanto o indivíduo não se esforce por educar a mente, substituindo os temas agradáveis, mas prejudiciais, por aqueles de elevação e disciplina, sempre que se veja sem atividade física, emergem-lhe as ideias perniciosas que vitaliza, produzindo-lhe uma cela sombria, na qual se encarcera. Sempre dirá que se esforça para concentrar-se nas faixas superiores, no entanto, não o consegue. E é natural que tal aconteça, porquanto os rápidos tentames, logo abandonados, não geram os condicionamentos necessários à criação de um estado natural de sintonia superior. Acostumado aos clichês mentais mais grosseiros, escapam-lhe as imagens mais sutis em elaboração.
— E os médiuns — indaguei interessado — por que tão diferentes colorações? Denotam-lhes os diferentes estágios de evolução?
— De certo modo, sim — respondeu generoso. — No caso destes aqui presentes, podemos observar que a nossa irmã Armênia é um Espírito mais lúcido, mais experimentado neste tipo de serviço, além do que transformou a existência em um verdadeiro ministério do bem. Senhora pobre, casada com um homem viciado em alcoólicos, conduziu a família com sacrifício e estoicismo, ajudada pelos benfeitores desencarnados, que lhe infundiam ânimo e vitalidade. Não abandonou jamais os deveres espirituais, que braça há quase trinta anos, mesmo nos dias mais rudes e doridos, havendo, por isso mesmo, granjeado respeito e consideração dos seus mentores e amigos espirituais.
“Outros há, entre nós, com expressiva folha de serviço no culto dos seus deveres humanos e sociais, nas suas atividades públicas e particulares, o que os torna homens e mulheres de bem, aureolados, portanto, pelo merecimento a que fazem jus.
“Diversos, todavia, atravessam fases e experiências humanas diferentes, de provas, de testemunhos para os quais ainda não se encontram com os recursos amealhados, todos, porém, dignos do nosso carinho, respeito e acatamento. Cada criatura vale o que logra, não o que lhe falta.”
Após uma breve pausa, prosseguiu:
— Os médiuns são criaturas humanas como outras quaisquer, que se diferenciam, apenas, pela aptidão especial que possuem para se comunicar com os Espíritos. Não são santos, embora devam caminhar pela senda da retidão, nem pecadores, apesar dos seus deslizes naturais. Costuma-se exigir-lhes muito, esperando-se que sejam modelos perfeitos do que ensinam os mentores por seu intermédio. Certamente, esta seria a condição ideal para todos. Desse modo, somos pacientes com as suas dificuldades e delíquios morais, de responsabilidade deles mesmos, buscando, entretanto, auxiliá-los sempre, qual fazemos com todas as demais pessoas.
“É da Lei que os médiuns deverão aceitar para si as instruções de que se fazem intermediários, antes de as considerar para os outros... Como, porém, são frágeis, na sua condição de humanidade, entendemos que todo aprendizado exige esforço e tempo, cabendo-nos auxiliá-los sempre e sem cessar
Manoel Philomeno de Miranda
(1) Solferino: a cor escarlate, ou entre o encarnado e o roxo, que é usada nas vestes episcopais.
Fonte: Trilhas da Libertação -pdf
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