terça-feira, 11 de agosto de 2020

Ermance Dufaux - Livro Escutando Sentimentos - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 10 - A sombra amigável



Ermance Dufaux - Livro Escutando Sentimentos - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 10


A sombra amigável


“Pois nada há secreto que não haja de ser descoberto, nem nada oculto que não haja de ser conhecido e de aparecer publicamente”. (S. Lucas, 8:16 e 17, O Evangelho Segundo o Espiritismo - Cap. XXIV - Item 2)


A sombra designa “o outro lado” do ser humano, aquele em que vige a escuridão. 

Comumente destacamos a sombra negativa nos ambientes educativos da doutrina.

Convém, porém, uma atenção à sombra positiva, que são nossos potenciais e talentos ainda não expressados ou descobertos. Em meio a essa escuridão da vida inconsciente existe muita sabedoria e riqueza ainda não exploradas.

Escutando nossos sentimentos e o que eles têm a nos ensinar sobre nós mesmos, estaremos entrando em contato com esse “material” reprimido no inconsciente, com todas as habilidades instintivas que nos asseguram a Herança inalienável de Filhos do Altíssimo em Sua Obra magnânima.

Escutar sentimentos é aceitá‐los. Aceitação quer dizer pensar sobre eles.

Habitualmente exageramos a colocação: “Não quero nem pensar nisso!”, referindo‐nos a questões desagradáveis do mundo íntimo. Os sentimentos são os principais canais de conexão emitindo constantes mensagens do inconsciente.

Quando usamos a expressão sentimentos mal resolvidos, estamos tratando de sentimentos não aceitos ou negados pela consciência e reprimidos para o inconsciente por alguma razão particular. A sombra originou‐se basicamente em função dessa relação insatisfatória com nosso poder de sentir e os arquivou em forma de culpas, desejos estagnados, bloqueios, traumas, medos, criando todo um complexo psíquico que, em muitos lances, são fatores geradores das psicopatologias, desde as mais toleráveis até as mais severas.

Ao longo dos últimos milênios (aproximadamente quarenta mil anos, dependendo da história individual), o que mais fizemos foi negar e temer nossos sentimentos — um fato natural na trajetória evolutiva da animalidade para a hominalidade. O medo de sentir e do que sentimos acompanha‐nos desde o momento em que começamos a tomar consciência desse mecanismo biopsíquico‐emocional‐espiritual. Ainda hoje, esconder o que se sente, é uma conduta social comum e até necessária para a maioria das pessoas.

O mundo, no entanto, prepara‐se para o século do amor vivido e sentido. A pergunta mais formulada em todas as latitudes neste momento é: como está você? E o interesse por uma resposta que fale de sentimentos é eminente; tende a tornar‐se um hábito. Estamos com enorme necessidade de falar do que sentimos e saber com mais clareza sobre o mundo das emoções, embora ainda temerosos de suas consequências.

Quando digo “sou minha sombra” não significa que tenha que viver conforme sua orientação. Apenas admiti‐la, entender suas mensagens.

A sombra só é ameaça quando não é reconhecida. Só pode ser prejudicial quando negligenciamos identificá‐la com atenção, respeito e afabilidade.

“É importante para a meta da individuação, isto é, da realização do si mesmo, que o indivíduo aprenda a distinguir entre o que parece ser para si mesmo e o que é para os outros. É igualmente necessário que conscientize seu invisível sistema de relações com o inconsciente, ou seja, com anima (1), a fim de poder diferenciar‐se dela. No entanto, é impossível que alguém se diferencie de algo que não conheça” (The collected works of GG Jung (CW) - 17 vol. VII par. 28).

Essa colocação do Doutor Jung é clara. Escutar sentimentos é a primeira lição na nossa educação espiritual para o autoamor. Amaremos a nós mesmos somente quando deixarmos de culpar os outros pelas nossas dores e desacertos e tivermos a coragem de perscrutar o íntimo, interrompendo o fluxo das projeções e fugas ainda ignoradas nas nossas atitudes.

Recebemos contínuos “chamados” do inconsciente através do que sentimos. Uma análise atenta de nossos impulsos emotivos e da nossa “reação afetiva” a tudo que nos cerca levar‐nos-á a entender com exatidão as “reclamações” do psiquismo profundo. Nessa investigação da alma encontraremos indicativas seguras no entendimento das mais ocultas raízes de nossos conflitos. Percorreremos caminhos mentais até então incognoscíveis. Igualmente, descobriremos valores adormecidos que solicitam nossa criatividade para desenvolvê‐los a contento. 

Entretanto, somente daremos importância às mensagens da sombra quando nos relacionarmos amigavelmente com ela. O processo de ouvir a voz do inconsciente através dos sentimentos passa por algumas etapas na alfabetização do sentir:

* Imprescindível o auto-respeito. O que sentimos é indiscutível, individual, é a nossa forma de viver a vida. Com isso não devemos admitir que os apelos do coração devam ser seguidos como brotam. Muito menos supô-los a expressão da Verdade. Apenas tenhamos respeito por nós sem reprimendas e condenações, procurando compreender os recados do coração.

* Havendo respeito, instaura-se o clima da serenidade, da ausência de conflitos e batalhas interiores. Somente serenos vamos conseguir uma comunicação sem interferências. É o silêncio interior. O fio que nos leva ao intercâmbio produtivo.

* Aprender a linguagem dos sentimentos exige meditação, atenção. Separar a "imagem programada" pela educação social da "imagem idealizada" é um trabalho lento. Diferenciar o que pensam que sou daquilo que penso que sou é o caminho para se chegar ao que sou verdadeiramente.

* Utilizar indagações. A sombra adora dar respostas. Nossa tarefa será discernir no tempo a natureza dessas respostas. No início elas serão confusas, enganosas, talvez decepcionantes

Na medida em que se dilata esse exercício, a intuição vai aclarando a capacidade de perceber e sentir o que nos convém. Teremos a sensação do melhor caminho, das melhoras escolhas, do que queremos. É o início da identificação com o projeto singular do Criador a nosso respeito.

O Doutor Jung estipulou: “As pessoas, quando educadas para enxergarem claramente o lado sombrio de sua própria natureza, aprendem ao mesmo tempo a compreender e amar seus semelhantes” (The Collected Works of CG Jung (CW) - 16 vol. VII par. 310).

Ao conquistarmos a sombra de maneira amigável, criaremos uma relação de paz com a vida íntima e, nesse ponto, as projeções não serão mecanismos defensivos contra nossas imperfeições, mas reflexos da bondade e harmonia que habitarão a vida mental. Nessa postura mental amaremos a vida com mais ardor. Será muito mais interessante olhar o nosso próximo, senti‐lo e perceber a grandeza da vida que nos cerca.

A Lei Divina contida na fala de Jesus é determinante: Pois nada há secreto que não haja de ser descoberto. 

O crescimento pessoal e a felicidade incluem a missão de explorar as riquezas do inconsciente. Escutar sentimentos é a arte de mergulhar na vida profunda e descobrir o manancial de força e beleza que possuímos.

Amigo querido das lides espiritistas, nos instantes de tormenta ocasionados pelos efeitos de tuas imperfeições, busca Deus na oração e escuta tua alma. 

Ouve os ditames suaves que ela te envia. Não os julgue agora e enquanto meditas.

Indaga‐te: que fazer ante os impulsos menos felizes? Como agir para mudar?

Ouve! Ouve a resposta em ti mesmo! Escuta teus sentimentos! 

Ora novamente, aquieta os raciocínios e escuta os "sons” dos sentimentos nobres que te arrimam.

Estás agora em estado alterado de consciência. Tua sombra avizinha. Teu self permanece em vigília. Tonifica‐te com as energias revigorantes.

Agora agradece o dom da vida... O corpo... A beleza de pertencer a ti mesmo.

A presente existência é a tua oportunidade. É a tua ocasião de libertar. Recomeça quantas vezes se fizerem necessárias. Perdoa‐te pelos insucessos.

Recorda as muitas vitórias e preenche‐te com o labor.

Algumas respostas para serem compreendidas solicitam o concurso do tempo.

Prossegue sem ilusões de conforto. Deseja o sossego interior e acredita merecê‐lo, mas não o confunda com facilidades transitórias.

Teus sentimentos: a realidade de tua posição espiritual. Por eles sabes de teu valor e de tuas necessidades.

Não te agrida quando sentires o que não gostarias. 

Ama‐te ainda mais nesses momentos. Aceita‐te. 

Diz: eu aceito minha imperfeição. Senti‐la não quer dizer que eu seja menor. Eu aceito minhas particularidades. Eu me amo como sou e não me abandonarei porque somente eu posso me resgatar.

Agora vai cumprir teu dever – esse sublime “analgésico mental”. 

Em outros instantes, fora da tormenta mental, medita sobre aquilo que te incomodou.

Medita sempre sobre tuas imperfeições e Teu Pai, secretamente, na acústica do ser, providenciar‐te‐á os recursos abundantes para tua cura. 

Deus jamais te esquece. Acredite nisso e sente o amparo em teu favor. O universo está a teu favor. Acredita


Ermance Dufaux





(1) na teoria de C. G. Jung 1875-1961, o componente feminino da personalidade de todos os seres humanos.


Fonte: Escutando Sentimentos-pdf

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