segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Allan Kardec - O que é o Espiritismo? - Cap. I - Pequena conferência Espírita - Segundo diálogo - O cético - Diversidade dos Espíritos



Allan Kardec - O que é o Espiritismo? - Cap. I - Pequena conferência Espírita - Segundo diálogo - O cético


Diversidade dos Espíritos


V. — Falais de Espíritos bons ou maus, sérios ou frívolos; confesso-vos que não compreendo essa diferença; parece-me que, deixando o envoltório corporal, os Espíritos se despojam das imperfeições inerentes à matéria; que a luz se deve fazer para eles, sobre todas as verdades que nos são ocultas, e que eles ficam libertos dos prejuízos terrenos.

A. K. — Sem dúvida eles ficam livres das imperfeições físicas, isto é, das dores e enfermidades corporais; porém, as imperfeições morais são do Espírito e não do corpo. Entre eles há alguns que são mais ou menos adiantados, mo­ral e intelectualmente.

Seria erro acreditar que os Espíritos, deixando o corpo material, recebem logo a luz da verdade.

É possível admitirdes que, quando morrerdes, não haja distinção alguma entre o vosso Espírito e o de um selvagem? Assim sendo, de que vos serviria ter trabalhado para a vossa instrução e melhoramento, quando um vadio, depois da mor­te, será tanto quanto vós?

O progresso dos Espíritos faz-se gradualmente e, algu­mas vezes, com muita lentidão. Entre eles alguns há que, por seu grau de aperfeiçoamento, vêem as coisas sob um ponto de vista mais justo do que quando estavam encarnados; outros, pelo contrário, conservam ainda as mesmas paixões, os mes­mos preconceitos e erros, até que o tempo e novas provas os venham esclarecer. Notai bem que o que digo é fruto da expe­riência, colhido no que eles nos dizem em suas comunicações. É, pois, um princípio elementar do Espiritismo que existem Espíritos de todos os graus de inteligência e moralidade.

V. — Por que não são perfeitos todos os Espíritos? Tê-los-á Deus assim criado em tão diversas categorias?

A. K. — É o mesmo que perguntar por que todos os alunos de um colégio não estão cursando a aula de Filosofia.

Todos os Espíritos têm a mesma origem e o mesmo desti­no; as diferenças que os separam não constituem espécies distintas, mas exprimem diversos graus de adiantamento. Os Espíritos não são perfeitos, porque não são mais do que as almas dos homens, que não atingiram também a perfeição; e, pela mesma razão, os homens não são perfeitos por serem encarnações de Espíritos mais ou menos adiantados. O mun­do corporal e o mundo espiritual estão em contínuo revezamento; pela morte do corpo, o mundo corporal fornece seu contingente ao espiritual; pelos nascimentos, este alimenta a humanidade.

Em cada nova existência, o Espírito dá maior ou menor passo no caminho do progresso, e, quando adquiriu na Terra a soma de conhecimentos e a elevação moral que o nosso glo­bo comporta, ele o deixa, para ir viver em mundo mais elevado onde vai aprender novas coisas.

Os Espíritos que formam a população invisível da Terra são, de alguma sorte, o reflexo do mundo corporal; neles se encontram os mesmos vícios e as mesmas virtudes; há entre eles sábios, ignorantes e charlatães, prudentes e levianos, filó­sofos, raciocinadores, sistemáticos; como se não se despissem de seus prejuízos, todas as opiniões políticas e religiosas têm entre eles representantes; cada um fala segundo suas idéias, e o que eles dizem é, muitas vezes, apenas a sua opinião pes­soal; eis o motivo por que se não deve crer cegamente em tudo o que dizem os Espíritos.

V. — Sendo assim, apresenta-se imensa dificuldade: nes­ses conflitos de opiniões diversas, como distinguir-se o erro da verdade? Não descubro a utilidade dos Espíritos, nem o que ganhamos em conversar com eles.

A. K. — Quando eles apenas servissem para dar-nos a prova de sua existência e de serem as almas dos homens, só isto seria de grande importância para quantos ainda duvidam que tenham uma alma e ignoram o que será deles depois da morte.

Como todas as ciências filosóficas, esta exige longos es­tudos e minuciosas observações; é só assim que se aprende a distinguir a verdade da impostura, e que se adquire os meios de afastar os Espíritos enganadores. Acima dessa turba de baixa esfera, existem os Espíritos superiores, que só têm em vista o bem, e cuja missão é guiar os homens pelo bom cami­nho; cumpre-nos sabê-los apreciar e compreender. Estes nos vêm ensinar grandes coisas; mas não julgueis que o estudo dos outros seja inútil; para bem conhecer um povo é necessá­rio estudá-lo sob todas as faces. Vós mesmos tendes a prova disso; pensáveis que bastava aos Espíritos deixarem seu envoltório corpóreo para que ficassem isentos de todas as suas imperfeições; ora, são as comunicações com eles que nos en­sinaram que isto não se dá, e fizeram-nos conhecer o verda­deiro estado do mundo espiritual, que a todos nós interessa no mais alto ponto, pois que todos temos que ir para lá.

Quanto aos erros que se podem originar da divergência de opiniões entre os Espíritos, eles desaparecem por si mes­mos, à medida que se aprende a distinguir os bons dos maus, os sábios dos ignorantes, os sinceros dos hipócritas, absolutamente como se dá entre nós; então, o bom-senso repelirá as falsas doutrinas.

V. — A minha observação subsiste sempre no ponto de vista das questões científicas e outras que podemos submeter aos Espíritos. A divergência de suas opiniões, sobre as teorias que dividem os sábios, deixa-nos na incerteza.

Compreendo que, não possuindo todos o mesmo grau de instrução, não podem saber tudo; mas, então, que peso pode ter para nós a opinião daqueles que sabem, quando não podemos distinguir quem erra ou quem tem razão? Vale tanto dirigirmo-nos aos homens como aos Espíritos.

A. K. — Essa reflexão é ainda uma conseqüência da ignorância do verdadeiro caráter do Espiritismo.

Aquele que supõe nele achar meio fácil de saber tudo, de tudo descobrir, labora em grande erro.

Os Espíritos não estão encarregados de trazer-nos a ciência já feita; seria, realmente, muito cômodo se nos bastasse pedir para sermos logo servidos, ficando assim dispensados do trabalho de estudar.

Deus quer que trabalhemos, que o nosso pensamento se exercite; e só por esse preço adquiriremos a ciência; os Espíritos não vêm libertar-nos dessa necessidade: eles são o que são; o Espiritismo tem por objeto estudá-los, a fim de que, por analogia, fiquemos sabendo o que seremos um dia; e não para nos fazer conhecer o que nos deve ser oculto, ou revelar-nos as coisas antes do tempo próprio.

Tampouco os Espíritos são leitores da buena-dicha, e aquele que se vangloria de obter deles certos segredos, prepa­ra para si estranhas decepções da parte dos Espíritos galhofeiros: em uma palavra, o Espiritismo é uma ciência de observação, e não uma arte de adivinhar e especular. Nós o estudamos com o fim de conhecer o estado das individualidades do mundo invisível, as relações que nos prendem a elas, sua ação oculta sobre o mundo visível, e não para dele tirar qual­quer vantagem material.

Deste ponto de vista, não há Espírito algum cujo estudo não nos traga alguma utilidade; alguma coisa aprendemos sempre com todos eles; as suas imperfeições, os defeitos, a incapacidade, a ignorância mesmo, são outros tantos objetos de observação, que nos iniciam na natureza intima desse mundo; e quando eles não nos instruam, nós, estudando-os, nos instruímos, como fazemos quando observamos os costu­mes de um povo desconhecido para nós. Quanto aos Espíritos esclarecidos, esses nos ensinam muito, porém sempre nos li­mites do possível; nunca lhes perguntemos o que eles não podem ou não devem revelar; contentemo-nos com o que nos dizem; querer ir além é sujeitarmo-nos às manifestações dos Espíritos frívolos, sempre dispostos a falar de tudo. A expe­riência nos ensina a julgar do grau de confiança que lhes devemos conceder.


Allan Kardec




V. - O visitante
A. K. - Allan Kardec




Fonte: Ipeak - Instituto de Pesquisas Espíritas Allan Kardec

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