terça-feira, 11 de agosto de 2020

Ermance Dufaux - Livro Escutando Sentimentos - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 13 - Nossa maior defesa



Ermance Dufaux - Livro Escutando Sentimentos - Wanderley S. de Oliveira - Cap. 13


Nossa maior defesa


"Quem dizem que eu sou? - Eles lhe responderam: Dizem uns que és João Batista; outros, que Elias; outros, que Jeremias, ou algum dos profetas." O Evangelho Segundo o Espiritismo - Cap. IV - Item 1


Eminentes cientistas consideram, sob a ótica materialista, que o fortalecimento do ego (ego estruturado) é a fonte da livre manifestação do homem na busca de seus reais objetivos. De fato, a criatura autônoma na perspectiva psicológica é dona de si mesma e reúne elementos para o alinhamento mental, que lhe permite fluir em suas metas.

Um ego estruturado, porém, pode levar-nos a estagiar nas experiências da arrogância, do personalismo, da auto-suficiência e da ostentação - traços de egocentrismo. Muito ao contrário quem se conecta com o self divino, capacita-se para gerenciar suas potências internas e adota a humildade como conduta, pois não sente necessidade de passar uma imagem, mas apenas ser. Tem consciência de sua real importância perante a vida. Nem mais, nem menos valor. Apenas o que realmente é; nada além, nem aquém.

Autonomia, porquanto, à luz do espírito imortal, é a habilidade de gerir bons sentimentos em relação a nós mesmos sustentando crenças, atitudes e escolhas que correspondam ao legítimo valor pessoal. É a expressão do auto-amor e o alicerce psicológico-emocional da maturidade. É a capacidade de dilatar essa conexão com o self - fonte emissora das energias do amor.

A autonomia vem da capacidade de libertar-se dos padrões idealizados, assumindo sua realidade em busca do melhor possível. Libertar-se da correnteza de baixa auto-estima proveniente do subconsciente.

A grande batalha pela autonomia não está em se libertar de pressões externas e sim das velhas programações mentais e "gatilhos emocionais" que nos escravizam aos processos de desamor e crueldade conosco. É uma mudança na forma de relacionar-se consigo próprio através do foco mental positivo.

Contra nossos nobres propósitos de iluminação, temos variados inimigos íntimos gestores de mensagens corrosivas da auto-estima e da segurança. Somente aprendendo a nos amar, conseguiremos transformar esses clichês pessimistas em respeito, reflexão, auto-avaliação e perdão.

A saúde mental surge quando nos livramos dessas estruturas internas opressoras que são impulsos, condicionamentos, complexos, tendências, clichês emocionais, clichês intelectuais, que constituem subpersonalidades ativas na nossa vida subconsciente.

Quando não reconhecemos nosso valor, vivemos à mercê dos "estímulos-evolutivos", ou seja, pessoas, lugares, guias espirituais, cargos, instituições e filosofias que nos dizem quem somos e o que devemos fazer.

Somos todos interdependentes, precisamos uns dos outros, mas não a ponto de depositar em algo ou alguém a responsabilidade de nos fazer felizes ou determinar nossas escolhas. Ouviremos a todos e refletiremos sobre tudo que aconteça, tomando por divisa o compromisso da melhoria e do crescimento gradativo. Acima de tudo, porém, devemos guardar por guia infalível os sentimentos positivos, a consciência individual.

Os bons sentimentos são portadores de orientações do inconsciente para nosso destino particular. Quando os escutamos, tornamo-nos mais úteis a Deus, ao próximo e a nós próprios.

A atitude de autonomia pode ser sintetizada na frase: entrego-me a mim mesmo e respondo por mim. Seu princípio básico é: somente eu posso dizer o que quero e interpretar através dos meus sentimentos o que realmente necessito para crescer.

Allan Kardec, dotado de excelente senso psicológico, indagou aos Luminares Guias da Verdade:

"A obrigação de respeitar os direitos alheios tira ao homem o de pertencer-se a si mesmo?"

"De modo algum, porquanto este é um direito que lhe vem da Natureza". (1)

Pertencer-se a si mesmo é adquirir gerência sobre o repositório da vida interior. Ter domínio de si próprio. Responder por si perante o Criador.

A convivência humana na Terra é caracterizada por processos emocionais e psicológicos que, frequentemente, nos afastam da Lei de Liberdade. Raríssimas criaturas escapam da submissão e da dependência em matéria de relacionamentos. Sentimentos estruturados no processo evolutivo do egoísmo ainda nos atam aos enfermiços contágios da ilusão de galgar o progresso através do outro, delegando o direito natural de pertencer a si mesmo. Com essa atitude, atolamos no apego a pessoas e bens passageiros como únicas referências de bem-estar e equilíbrio, navegando no mar da existência como descuidados viajantes ao sabor dos fatos externos, sem posse do timão dos fenômenos internos da alma.

Fomos treinados para ter medo de pensar bem sobre nós ou sobre a capacidade de gerenciar nossos caminhos evolutivos. Fomos treinados para atender a expectativas. Até mesmo em nossos grupos de amor cristão, com assídua frequência, é enaltecida a dependência e, algumas vezes, até a submissão.

A pior consequência da falta de autonomia é medir o valor pessoal pela avaliação que as pessoas fazem de nós. Por medo de rejeição, em muitas situações, agimos contra os sentimentos apenas para agradar e sentir-se incluído, aceito. Quem se define pelo outro, necessariamente tombará em conflitos e decepções, mágoas e agastamentos.

Autonomia é a maior defesa da alma porque estabelece limites, produz a serenidade, dilata a autoconfiança e coloca-nos em contato com nossas aspirações superiores.

Em algumas ocasiões, a conquista da autogerência requer a solidão e o recomeço. Às vezes precisamos de muita coragem para abandonar estruturas que construímos durante a vida e seguir os sinais que nos indicam novos caminhos. Nessa fase, seremos convocados a responder a algumas indagações originadas do medo. Conseguirei responder pelo meu futuro? Estarei dando passos seguros para meu melhoramento? Estarei fazendo escolhas por necessidade ou teimosia? Estarei fugindo de meu "projeto reencarnatório"?

Esse medo surge porque gostaríamos de contar apenas com o êxito em nossas escolhas. Adoramos respostas e soluções imediatas, prontas para usarmos. Uma leitura. Uma opinião. Uma mensagem mediúnica. Não ter riscos. Não ter que ser criticados pelos caminhos que optamos. Esse medo ainda reflete a dependência. Nessa hora, teremos que escutar nossos sentimentos e seguir. Ouvi-los não quer dizer escolher o certo, mas optar pelo caminho particular em busca da experiência sentida e conquistada dentro de sua realidade.

Esse é o "preço" que pagamos para descobrirmos quem somos verdadeiramente. Libertar-se do ego é um parto psicológico. A sensação de insegurança é eminente. Todavia, quando a alma é chamada a semelhante experiência no "relógio da evolução", a vida mental compensa essa sensação com emoções enobrecedoras que descortinam percepções ampliadas acerca das intenções mais subjetivas do Ser. É com base na intenção que o Espírito assegura seu equilíbrio e suas escolhas no vasto aprendizado da eternidade.

Essa liberdade psíquica e emocional da alma é o resultado inevitável de algumas vivências da criatura em seu percurso evolutivo. Para alguns é a maior conquista de uma reencarnação inteira. Para outros, que já a desenvolveram com maior amplitude em outras existências, será a base para o cumprimento de exigentes missões coletivas. Podemos enumerar em quatro as principais vivências que conduzem à autonomia:

1. Auto-estima - é o aprendizado do valor pessoal. Quem se ama sabe sua real importância.

2. Resistência emocional - é a capacidade de suportar os próprios sentimentos, que muitas vezes levam-nos às crises e opressões em razão da bagagem da alma. Atravessar dores amadurece.

3. Saber o que se quer - somente fazendo escolhas, descobrimos nossas aspirações. Algumas dessas escolhas incluem a corajosa decisão de romper com velhas "muletas mentais".

4. Escutar os sentimentos - nos sentimentos está o "mapa" de nosso "Plano Divino". Aprender a ouvi-los sem os ruídos da ilusão será nossa sintonia com o "Deus Interno".

Quem adquire autonomia fica bem consigo, torna-se ótima companhia para si e passa a buscar, automaticamente, com mais intensidade, o próximo, o trabalho.

"As pessoas, quando educadas para enxergar claramente o lado sombrio de sua própria natureza, aprendem ao mesmo tempo a compreender e amar seus semelhantes." (2)

A ausência da autonomia pode levar-nos à condição de mendigos de amor ou vítimas do destino. Considerando-a como gestora da almejada condição de "sentir-se bem" perante a existência, na sua falta o ser humano debate-se em flagelos morais lamentáveis que o escravizam a condutas autodestrutivas, tais como conflitos crônicos, mágoas permanentes, baixa tolerância a frustrações, projeções psicológicas no outros, vergonha de si.

O eminente Doutor Frederick Perls, criador da terapia Gestalt nos diz: "Eu faço as minhas vontades e você faz as suas. Eu não estou neste mundo para viver de acordo com as suas expectativas, e você não está neste mundo para viver de acordo com as minhas. Eu sou eu e você é você. Se um dia nos encontrarmos, vai ser lindo! Se não, nada há de se fazer." (3)

Jesus, a título de aferir a visão alheia, indagou: Quem dizem que eu sou?

Imperioso saber quem somos, pois, do contrário, seremos quem querem que sejamos.

Em outra ocasião, o Divino Tutor de nossos destinos asseverou: "Pois que aproveita ao homem ganhar o mundo inteiro, se perder a sua alma? Ou que dará o homem em recompensa da sua alma?" (4)

A colocação de Jesus é rica de clareza acerca da autonomia como sendo nossa maior defesa na rota de ascensão.

Amiga (o) de caminhada,

Não confundas autonomia com recursos oferecidos a ti pela Divina Providência.

Autonomia é estágio de um processo deflagrado por ti mesmo (a). Em verdade, um efeito de tua perseverança na longa e exaustiva viagem da interiorização.

Pede a Deus para dilatar teu discernimento a fim de usá-la afinada com os propósitos do bem, entretanto, felicita a ti mesmo (a) lográ-la, porque é conquista individual, inalienável e intransferível.

De nossa parte, se algo fizemos para chegares até este ponto evolutivo, foi, tão somente, lembrar-te sempre que todos merecemos ser felizes.


Ermance Dufaux



(1) O Livro dos Espíritos - questão 827
(2) The Collected Works of CG Jung (CW) - 17 vol. VII par. 28
(3) Gestalt - Terapia Explicada - Frederick Perls - 1969
(4) Mateus 16:26


Fonte: Escutando Sentimentos-pdf

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