segunda-feira, 16 de dezembro de 2019

André Luiz - Livro Nos Domínios da Mediunidade - Chico Xavier - Cap. 27 - Instrutor Áulus - Mediunidade transviada






André Luiz - Livro Nos Domínios da Mediunidade - Chico Xavier - Cap. 27


Mediunidade transviada
(Sumário)


Descera a noite totalmente, quando penetramos estreita sala, em que um círculo de pessoas se mantinha em oração.

Várias entidades se imiscuíam ali, em meio dos companheiros encarnados, mas em lamentáveis condições, de vez que pareciam inferiores aos homens e mulheres que se faziam componentes da reunião.

Apenas o irmão Cássio, um guardião simpático e amigo, de quem o Assistente nos aproximou, demonstrava superioridade moral.

Notava-se-lhe, de imediato, a solidão espiritual, porquanto desencarnados e encarnados da assembleia não lhe percebiam a presença e, decerto, não lhe acolhiam os pensamentos.

Ante as interpelações do nosso orientador, informou, algo desencantado:

— Por enquanto, nenhum progresso, não obstante os reiterados apelos à renovação. Temos sitiado o nosso Quintino com os melhores recursos ao nosso alcance, mobilizando livros, impressos e conversações de procedência respeitável, no entanto, tudo em vão… O teimoso amigo ainda não se precatou quanto às duras responsabilidades que assume, sustentando um agrupamento desta natureza…

Áulus buscou reconfortá-lo com um gesto silencioso de compreensão e convidou-nos a observar.

Revestia-se o recinto de fluidos desagradáveis e densos.

Dois médiuns davam passividade a companheiros do nosso Plano, os quais, segundo minhas primeiras impressões, jaziam convertidos em criados autênticos do grupo, assalariados talvez para serviços menos edificantes. Entidades diversas, nas mesmas condições, enxameavam em torno deles, subservientes ou metediças.

O fenômeno da psicofonia era ali geral.

Os sensitivos desdobrados se mantinham no ambiente, alimentando-se das emanações que lhes eram peculiares.

Raimundo, um dos comunicantes, sob as vistas complacentes do diretor da casa, conversava com uma senhora, cuja palavra leviana inspirava piedade.

— Raimundo — dizia —; tenho necessidade do dinheiro que há meses vem sendo acumulado no Instituto, do qual sou credora prejudicada. Que me diz você de semelhante demora?

— Espere, minha irmã — recomendava a entidade —, trabalharemos em seu benefício.

E a palestra continuava.

— A solução é urgente. Você deve ajudar-me com ação mais expedita. Tente uma volta pelo gabinete do diretor ranzinza e desencrave o processo… Você quer o endereço das pessoas que precisamos influenciar?

— Não, não. Conheço-as e sei onde moram…

— Vejo, Raimundo, que você anda distraído. Não se interessou por meu caso, com a presteza justa.

— Não é bem assim… Tenho feito o que posso.

E enquanto a matrona baixava o tom de voz, cochichando, um cavalheiro maduro dirigia-se a Teotônio, o outro comunicante da noite, clamando, indiscreto:

— Teotônio, até quando me cabe aguardar?

A entidade, que parecia embatucar-se com a pergunta, silenciou, humilde, mas o interlocutor alongou-se, exigente:

— Vai para quatro meses que espero pela decisão favorável referente ao emprego que me foi prometido. Entretanto, até hoje!… Você não conseguiria liquidar o problema?

— Que deseja que eu faça?

— Sei que o gerente da firma é do contra. Ajude-me, inclinando-o a simpatizar-se pela boa solução de meu caso.

Nisso, outra senhora ocupou a atenção de Raimundo, solicitando:

— Meu amigo, conto com o seu valioso concurso. Sou mãe. Não me conformo em ver minha filha aceitar a proposta de um homem desbriado, para casar-se. Nossa posição em casa é das mais alarmantes. Meu marido não suporta o homem que nos persegue, e a menina revoltada tem sido para nós um tormento. Você não poderá afastar esse abutre?

Raimundo respondeu, subserviente, enquanto Quintino tomava a palavra, logo em seguida, pedindo uma prece, em conjunto, a fim de que os desencarnados se fortalecessem para corresponder à confiança do grupo, prestando-lhe os serviços solicitados.

Entendimentos e conversas continuaram entre comunicantes e clientes da casa, todavia, não mais lhes dei atenção, considerando-lhes o obscuro aspecto.

Em aflitivas circunstâncias, vira obsidiados e entidades endurecidas no mal, através de tremendos conflitos; contudo, em nenhum lugar sentia tanta compaixão como ali, vendo pessoas sadias e lúcidas a interpretarem o intercâmbio com o mundo espiritual como um sistema de criminosa exploração, com alicerces no menor esforço.

Aqueles homens e mulheres que se congregavam no recinto, com intenções tão estranhas, teriam coragem de pedir a companheiros encarnados os serviços que reclamavam dos Espíritos? Não estariam ultrajando a oração e a mediunidade para fugir aos problemas que lhes diziam respeito? Não dispunham, acaso, de veneráveis conhecimentos para mobilizar o cérebro, a língua, os olhos, os ouvidos, as mãos e os pés, no aprendizado enobrecedor? Que faziam da fé? seria justo que um trabalhador relegasse a outros a enxada que lhe cabia suportar e mover na gleba do mundo?

Áulus registrou-me as reflexões amargas, porque, generoso, deu-se pressa em reconfortar-me:

— Um estudo atual de mediunidade, mesmo rápido quanto o nosso, não seria completo se não perquiríssemos a região do psiquismo transviado, onde Espíritos preguiçosos, encarnados e desencarnados, respiram em regime de vampirização recíproca. Aliás, constituem produto natural da ignorância viciosa em todos os templos da Humanidade. Abusam da oração tanto quanto menoscabam as possibilidades e oportunidades de trabalho digno, porquanto espreitam facilidades e vantagens efêmeras para se acomodarem com a indolência, em que se lhes cristalizam os caprichos infantis.

— Mas, prosseguirão assim, indefinidamente? — perguntei.

— André, sua dúvida está fora de propósito. Você possui bastante experiência para saber que a dor é o grande ministro da Justiça Divina. Vivemos a nossa grande batalha de evolução. Quem foge ao trabalho sacrificial da frente, encontra a dor pela retaguarda. O Espírito pode confiar-se à inação, mobilizando delituosamente a vontade, contudo, lá vem um dia a tormenta, compelindo-o a agitar-se e a mover-se para entender os impositivos do progresso com mais segurança. Não adianta fugir da eternidade, porque o tempo, benfeitor do trabalho, é também o verdugo da inércia.

Hilário, que refletia, silencioso, junto de nós, inquiriu preocupado:

— Por que se entregam nossos irmãos encarnados a semelhantes práticas de menor esforço? Há tantas lições de aprimoramento espiritual, há tantos apelos à dignificação da mediunidade, nas linhas doutrinárias do Espiritismo!… Por que o desequilíbrio?

Áulus pensou alguns instantes e redarguiu:

— Hilário, é imprescindível recordar que não nos achamos diante da Doutrina do Espiritismo. Presenciamos fenômenos mediúnicos, manobrados por mentes ociosas, afeiçoadas à exploração inferior por onde passam, dignas, por isso mesmo, de nossa piedade. E não ignoramos que fenômenos mediúnicos são peculiares a todos os santuários e a todas as criaturas. Quanto à preferência de nossos amigos pela convivência com os desencarnados ainda imensamente presos ao campo sensorial da vida física, incapazes ainda de mais ampla visão das realidades do Espírito, isso é compreensível na Terra. É sempre mais fácil ao homem comum trabalhar com subalternos ou iguais, porque, servir ao lado de superiores exige boa vontade, disciplina, correção de proceder e firme desejo de melhorar-se. Sabemos que a morte não é milagre. Cada qual desperta, depois do túmulo, na posição espiritual que procurou para si… Ora, o homem vulgar sente-se mais à solta junto das entidades que lhe lisonjeiam as paixões, estimulando-lhe os apetites, de vez que todos somos constrangidos a educar-nos, na vizinhança de companheiros evolutidos, que já aprenderam a sublimar os próprios impulsos, consagrando-se à lavoura incessante do bem.

— Mas não será isso um abuso do homem encarnado? não será crime parasitar os desencarnados de condição inferior? — indagou Hilário.

— Isso não padece dúvida — confirmou o instrutor.

— E esse delito ficará impune?

Áulus fixou leve expressão de bom humor e respondeu:

— Não se preocupem demasiado. Quando o erro procede da ignorância bem-intencionada, a Lei prevê recursos indispensáveis ao esclarecimento justo no espaço e no tempo, porquanto a genuína caridade, sob qualquer título, é sempre venerável. Entretanto, se o abuso é deliberado, não faltará corrigenda.

Vagueou o olhar sobre o diretor da assembleia e sobre os medianeiros que incorporavam os comunicantes e acrescentou:

— Teotônio e Raimundo, tanto quanto alguns outros desencarnados da posição deles, e que aqui se aglomeram, realmente são mais vampirizados que vampirizadores. Fascinados pelas requisições de Quintino e dos médiuns que lhe prestigiam a obra infeliz, seguem-lhes os passos, como aprendizes no encalço dos mentores aos quais se devotam. Na hipótese de não se reajustarem no bem, tão logo se desencarnem o dirigente deste grupo e os instrumentos medianímicos que lhe copiam as atitudes, serão eles surpreendidos pelas entidades que escravizaram, a lhes reclamarem orientação e socorro, e, mui provavelmente, mais tarde, no grande porvir, quando responsáveis e vítimas estiverem reunidos no instituto da consanguinidade terrestre, na condição de pais e filhos, acertando contas e recompondo atitudes, alcançarão pleno equilíbrio nos débitos em que se emaranharam.

Ante a nossa admiração silenciosa, o Assistente concluiu:

— Cada serviço nobre recebe o salário que lhe diz respeito e cada aventura menos digna tem o preço que lhe corresponde.

Logo após, Áulus concitou-nos a partir.

O ambiente não encorajava maior estudo e já havíamos assimilado a lição que ali poderíamos receber.


André Luiz





ÁUDIO
Nos Domínios da Mediunidade - Capítulo 27 Mediunidade transviada
Canal Bem-te-vi

 

Obra Psicografada: Francisco Cândido Xavier 
Obra Ditada pelo Espírito: André Luiz 
Coleção: A vida no mundo espiritual Editora: FEB


Nenhum comentário:

Postar um comentário