quarta-feira, 20 de maio de 2020

Hammed - Livro Os Prazeres da Alma - Francisco do Espírito Santo Neto - Pág. 84 - Segurança



Hammed - Livro Os Prazeres da Alma - Francisco do Espírito Santo Neto - Pág. 84


Segurança


Só tropeça quem está a caminho. Só erra quem é livre para tentar.

A palavra "penitência" (do latim poenitentia) quer dizer arrependimento, redenção. Dela provém outro termo, "penitenciária", originário dos tribunais romanos, onde se concediam ou não as absolvições.

Por estranho que pareça, "penitenciária" não tem hoje a mesma significação etimológica que se esperaria, ou seja, lugar onde se redime a falta cometida. Tanto os presídios da atualidade, como muitos do passado, não criaram nem desenvolveram mecanismos educativos e de promoção social para que houvesse renovação e recuperação dos que poderíamos chamar de "penitentes".

De modo geral, o prisioneiro fica mais perverso e corrompido depois de ingressar no presídio - lugar que deveria ter como finalidade única o reajustamento moral do ser humano. São paradoxos do grau evolutivo de nossa humanidade.

Reflexionando sobre essas questões, talvez possamos redirecionar os conceitos que envolvem celas e penitenciárias para outros níveis de compreensão e reestruturá-los em novos pontos de vista.

É interessante observar que indivíduos presos por vários anos, quando ficam fora dos muros da prisão, começam a sentir medo e enorme insegurança quanto ao futuro. Na cela, esses homens se viam seguros, recebiam invariavelmente alimentos, roupas e agasalhos. Ao deixarem o cárcere e entrarem em contacto com outras pessoas, com a comunidade, enfim com as intempéries do cotidiano, a realidade para eles tomará outra dimensão.

Se antes possuíam uma fictícia certeza e não se preocupavam com o dia de amanhã, agora vão recomeçar, libertos, uma nova etapa existencial. A liberdade nesse instante, porém, lhes trará os imprevistos comuns da vida livre e, por consequência, inúmeras hesitações e ansiedades.

Fora da prisão, têm de trabalhar para suprir as necessidades básicas; então surge o receio de não conseguirem saciar a fome, de não possuírem um teto que os abrigue, pois, doravante, precisam usar o senso interior e guiar-se por si mesmos. Necessitam prover o próprio sustento, o que, nessa conjuntura, gerará temores e desconforto. Intimamente também somos assim. Presos durante anos na "cela do ego", vivendo em um cubículo supostamente seguro, sentimos muita estabilidade e bem-estar.

Abrindo mão de nossa verdadeira liberdade, por preferirmos a falsa proteção da cela interior e algumas migalhas de um conforto rotineiramente fugaz, não saímos da prisão onde nós mesmos nos encarceramos.

São celas que nos dão pálidas honrarias e efémeros sucessos - por alto preço emocional -, criadas por nós próprios para nos auto-penitenciar.

Muitas pessoas acabam num "inferno íntimo" por não se libertarem do apego, da culpa, do orgulho e da mágoa. Criamos:

• celas que isolam os sentimentos.
• celas que disputam os cumes sociais.
• celas que mendigam afetos.
• celas que disfarçam o perfeccionismo.
• celas que sustentam o fanatismo religioso.
• celas que confinam os bens alheios.
• celas que ambicionam o poder público.
• celas que estimulam a luxúria.

São inúmeros os cárceres que parecem confortáveis. Conquanto disfarçados de veludo e móveis refinados, perfumes e jóias caras, não deixam de ser prisões que confinam a alma, impedindo-lhe a expansão da consciência.

Sair dos grilhões mentais ou da "cela egoica" não é tão fácil. Somos conservadores, acomodados, e estamos tão sujeitos a uma robotização de hábitos que nunca adquirimos um duradouro conforto psicológico. Sem nos darmos conta, pagamos um preço elevado por algo que as normas sociais dizem ser seguro e garantido.

Abandonar as algemas que nós mesmos nos colocamos e nos dar auto-absolvição é o que mais precisamos no momento atual. O homem verdadeiramente liberto sabe que sempre estará correndo riscos e, por consequência, nunca terá absoluta segurança. Só tropeça quem está a caminho. Só erra quem é livre para tentar.

A vida é um processo dinâmico; não pode ser predeterminada segundo nossa diminuta visão evolutiva. Ninguém tem condições de afirmar com plena certeza o que acontecerá amanhã. Nas estradas das múltiplas existências, caminhamos com mil e uma incertezas.

De conformidade com os ensinos dos Nobres Emissários da Codificação "(...) só Deus é soberano senhor e ninguém o pode igualar"(1), pois até mesmo as Entidades Superiores que alcançaram a perfeição absoluta não possuem o conhecimento completo do futuro. E prosseguem afirmando que "(...) O Espírito vê o futuro mais claramente, à medida que se aproxima de Deus"

Podemos até entender o porquê de alguns dizerem que a liberdade vem acompanhada de certa dose de insegurança.

De início, quando começamos a viver fora das quatro paredes do ego, fora das grades da falsa estabilidade, podemos sentir vacilações, incertezas e até muito medo.

Retomemos o exemplo da cela: os detentos usam roupas padronizadas e não escolhem sua alimentação. Escolher suas vestimentas e optar por determinadas comidas são vantagens primordiais de quem conquistou a liberdade. Tomar as próprias decisões, ser livre para errar, dançar, correr, rir e brincar, ser independente para trabalhar como e onde quiser, fazer o próprio horário, viajar e conhecer novas pessoas — essa é a recompensa de toda criatura livre.

O que você quer: a segurança da cela — uma "bela prisão" onde possa viver sem nenhuma consciência - ou a insegurança sadia, ou seja, viver por si mesmo, utilizando a direção que a força e o potencial da alma lhe dão em forma de senso interior?

Fincar-se numa só linha de pensamento ou corrente filosófica pode parecer a maneira mais segura de viver, contudo é a mais infantil delas.

O Universo infinito é constituído de número incalculável de mundos que se intercalam e se interligam uns aos outros. Nosso planeta representa uma minúscula nave estelar percorrendo o Cosmo. Estamos numa viagem interminável, navegando pelo espaço sideral, ajustados e guiados pelas leis soberanas da Divina Providência.

Muitas vezes, coabitamos espaços pluridimensionais com outras sociedades astrais, porém vibrando em diferentes frequências de sintonia, o que nos impede de perceber nitidamente essa realidade. Há inúmeras esferas onde vivem aqueles que amamos outrora e/ou que, na presente encarnação, nos precederam na viagem de retorno à Pátria Espiritual.

Existem momentos na vida em que somos envolvidos por inexplicáveis saudades ou indefiníveis sensações de falta de alguém. Vem-nos à mente o desejo de ir além das barreiras da memória presente, de visualizar criaturas queridas, mas não há como distingui-las pelos sentidos físicos. Um saudosismo nos abate e, na acústica da alma, algo nos fala de um passado distante e nostálgico.

Berço e túmulo são simples fronteiras entre uma e outra condição. Não nos damos conta de que estamos interligados por diversas reencarnações e de que há uma gama incontável de pessoas que amamos e com as quais convivemos durante longas jornadas.

Muitos de nós estamos confinados e apegados aos laços consanguíneos da vida atual, profundamente agarrados uns aos outros, visto que aprendemos a amar apenas os parentes mais próximos. Formamos uma equipe familiar sedimentada no apego; estamos amarrados nos elos corporais, que geram a insegurança e a "neurose da separação".

Essa forma de viver não traz segurança; as pessoas percebem o mundo através de um dualismo redutivo, que as leva a supervalorizar o status quo. Pessoas independentes e seguras vêem a existência de forma criativa e habilidosa, enxergando soluções claras e objetivas para seus relacionamentos problemáticos, pois utilizam uma visão ampla de família, jamais fragmentada ou unilateral.

Os indivíduos que despertam para a grandeza dos Domínios da Criação quebram os grilhões da possessividade que os prendiam à passageira parentela terrena. Caminham pela Terra à maneira de peregrinos sem nacionalidade e sem lar, porque compreendem os fundamentos superiores da família universal. Contemplam a nave terrena sob o impacto do progresso espiritual e observam a transformação que altera os rumos dos seus habitantes - companheiros de jornada - por meio da lei da reencarnação.

Disseram-lhe: Eis que tua mãe, teus irmãos e tuas irmãs estão lá fora e te procuram. Ele perguntou: "Quem é minha mãe e meus irmãos?" E, repassando com o olhar os que estavam sentados ao seu redor, disse: "Eis a minha mãe e os meus irmãos. Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe."

Quando amadurecemos, não damos importância apenas aos valores e princípios éticos assimilados individualmente no convívio do atual vínculo familiar ou religioso, mas também aos valores e princípios éticos de cada ser humano. Temos muito a aprender com os outros; precisamos respeitar a realidade de todos e lembrar que grande parte do mundo está fora de nosso campo de visão. Todo extremo leva-nos à insegurança; já a segurança está no meio dos extremos.

Ao ampliarmos nosso nível psicológico-espiritual, observaremos a vida pela ótica da pluralidade das existências e constataremos que tanto o amor como o ódio atraem as almas antes, durante e após a sua encarnação.

Quantos pais e irmãos já tivemos? Quantos cônjuges e filhos compartilharam conosco o mesmo ambiente doméstico? Quantas criaturas, em número bem maior que o de hoje, já trocaram conosco ternura, atenção e desvelo?

Se fizéssemos uma "equação simbólica" a fim de conhecermos melhor a imensidão de entes queridos que já desfrutaram conosco o mesmo ambiente de afetividade, poderíamos ter uma noção mais apurada da "família universal" ou da "quantidade de afetos" que iremos encontrar um dia no mundo astral.

Supondo que já percorremos em nossa jornada evolutiva em torno de duzentas encarnações, e que, em cada uma delas, tivemos três filhos e nos consorciamos uma só vez, assim ficaria nosso "cálculo figurado": cerca de duzentos maridos ou esposas e seiscentos filhos nos esperando no além-túmulo. Com quais criaturas iríamos conviver? Coisas ignoradas ou não pensadas criam mais insegurança do que as conhecidas ou já analisadas.

Allan Kardec, o sistematizador dos ensinos espíritas, oferece em O Livro dos Espíritos a resposta dada pelas Almas Superiores sobre essa questão: "Vemos nossa vida passada e a lemos como num livro; vendo o passado de nossos amigos e de nossos inimigos, vemos sua passagem da vida para a morte."(1) De acordo com o pensamento da Espiritualidade Maior, os Espíritos se conhecem por terem coabitado a Terra. O filho reconhece o pai, o amigo, seu amigo, assim de geração a geração.(2)

Seres humanos seguros não reprovam ninguém; antes vêem, em todos e em si mesmos, uma contínua e inseparável ligação com o Criador e com as criaturas. A ilusão nos faz acreditar na existência de um "mundo exterior" (físico ou astral) independente ou separado do "mundo interior", quando, na realidade, são apenas dois lados de um mesmo tecido, no qual os fios de todos os fatos e de todas as formas de consciência estão interligados numa rede inseparável.

O "amor sem fronteiras" - o verdadeiro amor - é sempre respeitoso e abrangente, totalmente diferente da atitude possessiva e limitada dirigida apenas à parentela consanguínea. Quando o "amor fica doente", induz os seres ao isolamento, e este tudo sufoca a seu redor.

A Espiritualidade Superior nos ensina a pensar holisticamente, lembrando-nos de que somos parte de um todo muito mais amplo. Para sermos seguros é preciso que tenhamos visão da totalidade.

Segundo o apóstolo João, assim Jesus orou, erguendo os olhos ao céu: "(...) a fim de que todos sejam um. Como tu, Pai, estás em mim e eu em ti, que eles estejam em nós (...)".(3)

O que deve, mais tarde, ter levado Paulo de Tarso a escrever às igrejas da Galácia: "Não há judeu nem grego, não há escravo nem livre, não há homem nem mulher; pois todos vós sois um só em Cristo Jesus".(4)

Nós nos sentimos seguros entre irmãos, e o verdadeiro significado de irmandade é justamente olhar à nossa volta e redescobrir que, quando utilizamos o "pensamento holístico", nos soltamos dos antigos grilhões de uma visão linear ou simplista. Fincar-se numa só linha de pensamento ou corrente filosófica pode parecer a maneira mais segura de viver, contudo é a mais infantil delas.

Seja qual for nossa instrução religiosa, nós só nos tornamos pessoas seguras quando aprendemos a pensar em termos de universalidade, percebendo nosso papel na unidade da vida, tanto no aspecto físico como no espiritual, e buscando, acima de tudo, o bem comum - manter um compromisso com o coletivo. "Quem fizer a vontade de Deus, esse é meu irmão, irmã e mãe". Essa a proposta cristã para ampliar nosso conceito de família, de humanidade; de mundo ético, enfim.


Hammed





1 Questão 243

Os Espíritos conhecem o futuro?

"Isto depende ainda da sua perfeição; frequentemente, eles apenas o entreveem, mas nem sempre têm a permissão de o revelar. Quando o vêem, parece-lhes presente. O Espírito vê o futuro mais claramente, à medida que se aproxima de Deus. Depois da morte, a alma vê e abrange, de um golpe de vista, suas migrações passadas, mas não pode ver o que Deus lhe reserva; para isso, é necessário que esteja integrada nele, depois de muitas existências."

Os Espíritos que alcançaram a perfeição absoluta têm o conhecimento completo do futuro?

"Completo não é a palavra, porque só Deus é soberano senhor e ninguém o pode igualar."

' Marcos, 3:32 a 35
2 Questão 285
Os Espíritos se conhecem por terem coabitado a Terra?
O filho reconhece o pai, o amigo, seu amigo?
"Sim, e assim de geração a geração. "

Como os homens que se conheceram sobre a Terra se reconhecem no mundo dos Espíritos?
"Vemos nossa vida passada e a lemos como num livro;
vendo o passado de nossos amigos e de nossos inimigos, vemos sua passagem da vida para a morte. "

3 João, 17:21
4 Gálatas, 3:28




Fonte: Os Prazeres da Alma -pdf


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