sábado, 20 de novembro de 2021

Léon Denis - Livro O Mundo Invisível e a Guerra - Cap. V - A justiça divina e a atual guerra




Léon Denis - Livro O Mundo Invisível e a Guerra - Cap. V


A justiça divina e a atual guerra

 
14 de Julho de 1915

Há um ano que sobre a França caem às provações de uma guerra sem precedentes. Um véu de tristeza e de luto estende-se sobre os nossos pais e muitos irmãos nossos choram por entes queridos.

A vista de tantos males, é mister volver os pensamentos para os princípios eternos que regem as almas e as coisas. Somente no Espiritismo acharemos a solução dos múltiplos problemas dite o drama atual apresenta: nele é que léus. Buscaremos as consolações capazes de mitigar a nossa dor.

Perturbados pelos acontecimentos que se dão, vários amigos me perguntaram: Porque permitem Deus tantos crimes, tantas calamidades?

Antes de tudo, Deus respeita a liberdade humana, pois que é o instrumento de todo progresso e a condição essencial de nossa responsabilidade moral. Sem liberdade, sem livre arbítrio, não existiria nem bem nem mal e como conseqüência não poderia haver progresso. E o principio de liberdade que constituem ao mesmo tempo a prova e a grandeza do homem, pois lhe confere o poder de escolher e de operar; é a fonte dos esplendores Moraes para quem está resolvido a engrandecer se. Não se tem visto, na presente guerra, uns descerem abaixo do bruto e outros, pela dedicação e, pelo sacrifício, atingirem o sublime?

Sabemos que, para os espíritos inferiores como os que, em maioria, povoam a terra, o mal é a resultante inevitável da liberdade. Mas, do mal praticada sabe Deus, em sua sabedoria profunda e infinita, tirar proveito para a humanidade. Colocado fora do tempo, por isto mesmo ele assiste ao decorrer dos séculos, ao passo que, uma nossa existência efêmera, tem dificuldade de abranger o encadeamento das causas e seus efeitos. Contudo, cedo ou tarde. Soará indubitavelmente a hora da justiça eterna. Sucede que ás vezes os  homens, esquecendo-se das leis divinas e do objetivo da vida, resvalam no declive do sensualismo e se chafurdam na matéria. Então, tudo o que era beleza da alma se encobre, desaparece, para dar lugar ao egoísmo, à corrupção, aos desregramentos de toda espécie. O que se verificava de muito tempo entre nós. A maior parte dos nossos contemporâneos já não tinham outro ideal senão a riqueza e os prazeres. O alcoolismo, a devassidão havia secado as fontes da vida. Para tantos excessos só restava um remédio: o sofrimento! As paixões más, sabemo-lo, desprendem fluidos que se acumulam pouco a pouco para se transformarem em borrascas e tempestades. (Dai a atual guerra).

Não faltaram, entretanto, avisos; mas os homens perseveraram surdos ás vozes do céu. Deus deixou que ela estalasse, porque sabe ser a dor o único meio eficaz para fazer voltar o homem a vistas mais sãs, a sentimentos mais generosos. Contudo, sofreu o furor do inimigo. Apesar do talento de organização e de um meticuloso preparo, a Alemanha foi detida na execução de seus planos. Sua feroz crueldade, sua desmedida ambição levantaram contra ela os poderes celestes. Depois do lento trabalho de desagregação do antimilitarismo, a Vitória do Marne e o entusiasmo das nossas tropas só podem ser explicados pela intervenção das forças invisíveis. Orar, essas forças estão sempre em ação, e eis porque, Apesar dos sombrios prognósticos do presente, conservamos, inteira a nossa confiança no porvir.

Do ponto de vista material, podia Deus impedir a guerra, porém do ponto de vista moral, não o podia, visto exigir uma de suas leis supremas que todos nós, indivíduos e coletividades, suportemos as conseqüências de nossas ações. São culpadas, em graus diversos, as nações empenhadas na presente luta. A Alemanha. Pelo seu insensato orgulho, seu culto da força bruta, seu desprezo do direito, suas mentiras e crimes, levantou contra si as forças vingadoras. O desmedido orgulho produz sempre a queda e a ruína. Foi a sorte de Napoleão; será a de Guilherme II. São tremendas as responsabilidades deste ultimo, pois o seu gesto não provoca somente hecatombes sem iguais na Historia; poderia também fazer perder a Europa o cetro da civilização. Ele conseguiu Por muito tempo, iludir a opinião: não sucedera mesmo à justiça eterna.

Quanto a França, nos dissemos, a leviandade, a imprevidência, o amor infrene dos gozos haviam de atraiu fatalmente sobre ela duras provações. Notemos foi no dia seguinte ao de um processo em que a podridão nacional se patenteava em plena luz, que rebentou a guerra. O que entre nós de pior havia não eram os nossos defeitos, era antes esse estado de consciência que não mais distingue o bem do mal. E a pior das condições Moraes. Os laços da família se tinham afrouxado de tal modo que se considerava o filho como uma carga. Por isso, o despovoamento, resultado de nossos vícios, nos colocou enfraquecidos diminuídos, ante um adversário temível. A alma francesa, porem, conservava imensos recursos. Desse banho de sangue e lagrimas ela ponde sair retemperada, regenerada.

Perante a justiça divina, não são somente estas duas nações que se acham carregadas de pesadas dividas. Entre os males que assinalamos, há uns que se estendem a toda a Europa. Por toda parte se nos deparam homens semelhantes aos que encontramos em torno de nós, cuja consciência morreu e que fizeram do bem-estar o fim exclusivo da existência, como certos políticos e homens de estado que tiveram a pretensão de presidir aos destinos de nosso pais.

Para reagir contra essas enfermidades da consciência e esse baixo materialismo, permitiu Deus que as calamidades se revestissem de caráter geral. Se tivessem sido apenas parciais, uns teriam assistido indiferentes aos sofrimentos dos outros. Para arrancar as almas ao letargo moral, a profunda imersão na matéria, era necessário esse raio que abala a sociedade a os alicerces. Ser-nos-á suficiente a terrível lição que nos é dada Se devesse permanecer vã, se devessem persistir em nós as causas morais de decadência e de ruínas, seus efeitos continuariam a se produzir e a guerra reapareceria com seu cortejo de males.

 E mister, pois, que, passada a tormenta, a vida nacional recomece em bases Moraes e que a alma humana aprenda a se desapegar dos bens materiais, a lhe compreender o nenhum valor. Sem o que, todos os sofrimentos terão sido estéreis e a nossa bela juventude, ceifada sem proveito para a França.

Conseguir-se-á algum dia abolir, apagar os ódios que separam os povo?

Os socialistas o tentaram, mas a sua propaganda internacionalista não teve outro resultado senão a mais estrondosa derrota. Os nobres e inúteis protestos dos pacifistas, seus apelos á arbitragem não nos parecem mais, diante do presente conflito, do que pueris ilusões. Ao sopro de um vento de tempestade, as nações se atiram umas contra as outras sem pensar em recorrer ao tribunal de Haya.

As religiões se mostram não menos impotentes: dois monarcas cristãos ou que na conta de cristãos eram tidos, ou pelo menos místicos e devotos, desencadearam todas as calamidades presentes. O próprio papa não logrou encontrar a expressão forte que convinha para estigmatizar atrocidades germânicas. 

Para remediar aos nossos males, seria preciso a renovação completa da educação, um despertar da consciência profunda; cumpriria ensinar a todos, desde a infância, as grandes leis do destino com os deveres e as responsabilidades que a elas se prendem; seria preciso que todos, cedo, ficassem compenetrados de que todas as nossas ações recaem fatalmente sobre nós com suas conseqüências boas ou más, felizes ou funestas, como a pedra lançada ao ar torna a cair ao solo. Em uma palavra, cumpre dar as almas alimento mais substancial e mais vivificante do que com que as alimentaram desde muitos séculos e que atinge a falência intelectual e moral que presenciamos com tristeza. Mas, enquanto o ensino escolar e religioso deixarem o homem na ignorância do verdadeiro fim da existência e da grande lei da evolução que regula a vida através de suas fases sucessivas e renascentes, a sociedade ficará entregue ás paixões más, á devassidão, e a humanidade será dilacerada por violentas convulsões.

Seria ocasião de ensinar ao homem a conhecer-se e a dirigir as forças que nele existem.

Se ele soubesse que todos os seus pensamentos, ações, movimentos hostis, egoístas ou invejosos, contribuem para aumentar os poderes maus que pairam sobre nós, alimentam as guerras e precipitam as catástrofes, mais
cuidado teria no seu modo de proceder e assim se atenuaram muitos males.

Só o Espiritismo poderia ministrar esse ensino; infelizmente, sua falta de organização lhe tira a maior parte dos recursos. Resta a iniciativa individual. Ela muito pode, na esfera restrita de sua ação. Todos os espíritas têm por dever difundir em torno de si a luz das verdades eternas e o balsamo das consolações celestes, tão necessários nas Horas de provações que atravessamos.

No meio da procela, a voz dos poderes invisíveis se ergue para dirigir um apelo supremo á França, á humanidade. Se não for ouvido esse apelo, se não provocar o despertar das consciências, se persistir a nossa sociedade nos vícios, no cepticismo, na corrupção, a era dolorosa se prolongará ou se renovará.

Mas o espetáculo das virtudes heroicas decorrentes da guerra nos conforta, enche-nos de esperança, de confiança no futuro de nossa terra que apraz-nos ver nele o ponto de partida de uma re. Surgimento intelectual e moral, a origem de uma corrente de idéias assaz poderosa para varrer os miasmas políticos e estabelecer o regimes que as circunstancias exigem. Então, do caos dos acontecimentos, surgirá uma França nova, mais digna e capaz de grandes obras.

A alma viva da França liberta-te das pesadas influencias materiais, que te detêm o surto e sufocam as aspirações de teu gênio! Neste, dia - 14 de julho -  ouvem a sinfonia que se ergue de todos os pontos do território nacional: vozes elos sinos que se escapam em ondas sonoras de todos os campanários, vozes das antigas cidades e dos burgos tranquilos, vozes da terra e do espaço que te chamam e te convidam a retomar tua marcha, tua ascensão na luz.

Soldados que, na linha de frente, opondes ao inimigo a trincheira de vossos peitos e de vossos valentes corações, sois a carne de nossa carne, o sangre de nosso sangue, a força e a esperança de nossa raça. As irradiações de nossos pensamentos e de nossas vontades dirigem-se a vós, para vos animar na luta ardente que prosseguis.

Ouvi, vós também, a harmonia que, neste dia, sobe das planícies, dos vales e dos bosques, das cidades populosas e dos campos recolhidos, unidos aos toques estridentes do clarim e aos acordes vibrantes das Marselhesas! E a voz da pátria. Ela vos diz.

Velai e lutai. Combateis pelo que neste mundo há de mais sagrado, por esse principio de liberdade que Deus colocou no homem e que ele próprio respeita, a liberdade de pensar e de obrar sem ter que prestar contas ao estrangeiro.

Combateis pela conservação do patrimônio que nos legaram os séculos, pela casa em que nascestes, pelo cemitério em que jazem nossos antepassados, pelos campos que nos alimentaram, por todos os tesouros de arte e de belezas acumulados pelo trabalho lento das gerações em nossas bibliotecas, museus e catedrais. Combateis para conservar a nossa língua, esse falar tão meigo que o mundo inteiro considera como a mais nítida e mais clara expressão do pensamento humano. Defendeis o lar da família, onde gosta de repousar vosso espírito e vossa alma; os berços de vossos filhos e os túmulos de vossos Pais!

Soldados, vós vos engrandecestes no ponto de vista terreno. Pela vossa firmeza na provação, pelo vosso heroísmo nos combates, levantastes aos olhos do mundo o prestigio da França, tornastes mais brilhante aureola de gloria que lhe orna a fronte. E mister, agora, aspirar ao céu; cumpre erguer os pensamentos para Deus, fonte de toda força e de toda a vida!

Não basta, para vencer, armas aperfeiçoadas e poderoso instrumental material. E necessário também o ideal e a disciplina; é preciso, nas almas, a confiança em um futuro infinito, a fé esclarecida, a certeza de que aos destinos de todos nos preside uma justiça infalível.

Ficai de sobre aviso com os negadores de verdades evidentes, com os que vos dizem que a morte é o fim de tudo, que o ser perece completamente, que os esforços, as lutas, os sofrimentos só têm por sanção o nada. 

Aprendei a orar antes da batalha, a implorar os socorros do alto. Abrindo-lhes os vossos corações, toar mais intensos, mais poderosos.

Desconfiai dos que vos dizem: não há fronteiras, a pátria é apenas uma. Palavra, todos os povos são irmãos. Reims, Soissons, Arras é tantas outras cidades podem responder eloquentemente a essas teorias.

Não foi dessa maneira que nossos pais constituíram a França através dos séculos, que tornaram grande, forte e respeitada.

Cada povo tem seu talento particular e para o manifestar precisa da independência. Dessa diversidade, desses contrastes mesmos é que se origina a emulação, que nascem o progresso e a harmonia.

Soldados ouviram a sinfonia que se eleva das planícies, dos vales e dos bosques, mesclada aos rumores das cidades, aos cânticos patrióticos e ás fanfarras belicosas. Das florestas da Argonne ás gargantas dos Pirineus, das margens floridas da Côte d'Azur aos vergeis da Turena e ás penedias da Normandia, dos promontórios bretões batidos pelas ondas aos Alpes majestosos, a grande voz da França entoa seu hino eterno!

Mais alto ainda se ergue a sua prece, a prece dos vivos e dos mortos, a prece de um povo que não quer parecer e que, na aflição, se volta para Deus, pede socorro, para salvar a independência e conservar intactas a gloria e grandeza!


Léon Denis










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