terça-feira, 31 de dezembro de 2019

André Luiz - Livro E a Vida Continua - Chico Xavier - Cap. 26 - Instrutor Ribas - E a vida continua…





André Luiz - Livro E a Vida Continua - Chico Xavier - Cap. 26



E a vida continua…
(Sumário)


O matrimônio de Caio e Vera trouxe a Ernesto e Evelina nova fonte de incentivo ao trabalho.

Túlio, algo melhor ante as promessas de futura assistência por parte daquela a quem amava tanto, concordou em matricular-se voluntariamente no Instituto de Serviço para a Reencarnação, internando-se, de pronto, num dos gabinetes de restringimento, entregando-se aos aprestos necessários.

Antecedendo, porém, a medida, certa noite, em que Serpa se ausentara do lar, foi levado à presença de Vera, para familiarizar-se, de algum modo, com aquela que o receberia nos braços de mãe.

Ao vê-la na costura, em sua casa de Vila Mariana, o moço, de imediato, simpatizou com ela. Viu-lhe o semblante meigo, os olhos serenos de criatura sofrida, as mãos ágeis na tarefa, e respirou-lhe, encantado, o ambiente tranquilo.

Recomendou-lhe Evelina para que a abraçasse, nela venerando a protetora que o abençoaria por filho, em nome de Deus… Mancini não apenas se confiou ao amplexo carinhoso, como também lhe osculou a fronte, enternecidamente.

A filha de Ernesto não percebeu aquela manifestação afetiva, em sentido direto; no entanto, por alguns momentos, deixou que o cérebro divagasse, feliz.

“Como desejava obter um filhinho!…” — pensou. — “Quanto anelava ser mãe!…” Aguardava essa bênção do Todo-Misericordioso que, decerto, não a esqueceria!… Por outro lado, não ignorava que o esposo ansiava acolher um herdeiro para o futuro e, por isso, nos sonhos que entremostrava, desperta, rogava conscientemente a Deus um menino!…

À medida que as doces prefigurações da maternidade se lhe esboçavam no imo da alma, sintonizava, mais intensamente, com Túlio, na mesma onda de esperança e regozijo, ambos experimentando santo prelúdio de inenarráveis alegrias…

Ao separar-se dela, às despedidas, formulou ele a pergunta esperada: quem lhe seria o genitor? a quem chamaria por pai?

Evelina, porém, deu-se pressa em explicar que o dono da casa se achava distante e que ele, Mancini, o conheceria em momento oportuno.

Na base da verdade prometida, Túlio renasceria de Caio Serpa, absolutamente magnetizado pelo devotamento materno, a fim de se reaproximar do antigo adversário e metamorfosear ressentimento em amor, pela terapêutica do esquecimento.

Ante as realizações em processo, o tempo para Fantini e a companheira jazia repleto de obrigações agradáveis e belas. Auxílio constante a Mancini, Caio e Vera, na formação do novo porvir, e amparo infatigável a Elisa e Desidério, convenientemente hospitalizados.

Ernesto, renovado pelo sofrimento, como que remoçara, enquanto que Evelina, modificada pelas novas experiências, parecia haver amadurecido, qual se os dois houvessem combinado operar um reajuste da forma, com vistas à harmonização em nível de idade semelhante de um para o outro. Comungavam as mesmas ideias, partilhavam os mesmos serviços.

Impressionado com aquela conciliação gradativa, a surgir mecanicamente da associação sempre mais ampla e mais íntima dos dois, na obra da própria edificação espiritual, Ernesto procurou o Instrutor Ribas, inquirindo, respeitoso, se lhe seria cabível conhecer o passado, sem mais delongas, reavendo a memória de outras existências, ao que o mentor informou, sensato:

— Não, Fantini. Desaconselhável a providência, conquanto possível. Você e Evelina estão abraçando longa empresa de serviço em nosso plano. Terão muitos problemas a resolver, muito trabalho a realizar… Desidério, Elisa, Amâncio, Brígida, Caio, Vera, Túlio, Evelina e você formam uma equipe de corações comprometidos uns com os outros, perante as Leis de Deus, há muitos séculos… Todos reciprocamente enlaçados no clima da provação, lembrando elementos químicos em cadinho fervente para o acrisolamento indispensável!… Outros componentes do grupo chegarão com o tempo para a vitória geral sobre os alicerces do amor que ainda vem muito ao longe!… Integramos, eu também com vocês, uma grande família… E num sorriso amistoso:

— Somos aqui milhares de criaturas nas mesmas condições, trabalhando e batalhando por nossa redenção, começando pelo aperfeiçoamento de nós mesmos, nos recessos do mundo individual.

— Na Terra, não formulamos ideia do volume de obrigações que nos espera depois da morte…

— Sem dúvida. Toda construção nobre há que ser dirigida. Primeiro, o projeto; em seguida, a execução… No plano físico, idealiza-se a continuação da vida, no mundo espiritual… No mundo espiritual, idealiza-se a correção, o reajuste, a melhoria e o polimento dessa mesma vida, no plano físico. Somos viajores do berço para o túmulo e do túmulo para o berço, renascendo na Terra e na Espiritualidade, tantas vezes quantas se fizerem precisas, aprendendo, renovando, retificando e progredindo sempre, conforme as Leis do Universo, até alcançarmos a Perfeição, nosso destino comum…

— Isso quer dizer que, de futuro, talvez Evelina e eu venhamos a renascer, entre os homens, daqueles mesmos Espíritos, em cuja aproximação estamos colaborando…

— Quem sabe? Isso é mais que possível, por obviamente natural…

O orientador ainda não havia articulado o esclarecimento, de todo, quando Ernesto aventou, tímido, qual jovem que estivesse abrindo o coração, diante da autoridade paternal:

— Instrutor Ribas, Evelina e eu temos refletido, refletido…

Fantini, receoso, não conseguiu terminar o enunciado. Foi o próprio Ribas que lhe completou a exposição, carregando as palavras de bom humor:

— Já sabemos, Fantini, vocês dois pensam num casamento compreensível e digno, conscientes agora da imensa obra de transformação e burilamento que estarão dirigindo, por muito tempo, no grupo espiritual a que se vinculam.

— O senhor vê algum impedimento?

— Absolutamente nenhum, de vez que, tanto Elisa quanto Caio já dispensaram vocês de qualquer compromisso afetivo…

Fantini, acanhado, se dispunha a prosseguir, mas um auxiliar do Instituto veio chamá-lo, com urgência, para custodiar Evelina, de viagem para a esfera física, em ação de assistência a Vera, já em avançado processo de gravidez.

Despedindo-se, o mentor afirmou-lhe, satisfeito: — Esteja tranquilo, Ernesto. Pensaremos no assunto.

Os dias de Fantini e da companheira rodavam em plenitude de serviço. Pouco a pouco, percebiam quantos deveres precisavam aceitar para assegurarem um renascimento relativamente tranquilo a um Espírito enfermo, qual Mancini, que requisitava cuidado incessante, para que o aborto não repontasse em prejuízo geral. Observavam que em milhares de outros casos não cabiam preocupações assim tantas. Entidades acomodadas ao mundo carnal ajustavam-se ao processo reencarnatório, com a simplicidade da mão, quando se adapta a uma luva. Noutras situações, as criaturas de regresso à Esfera Física, dispunham de tanta elevação que a presença delas, só por si, não apenas estabelecia distância aos Espíritos infelizes, como também bastava para propiciar sossego à mente materna… Túlio, porém, não estava entre aquelas criaturas que tão somente tocam, de leve, as forças do espírito para se refestelarem, de modo quase que absoluto, nos prazeres e mecanismos do mundo físico, e nem alcançara, ainda, a condição daquelas outras que simplesmente tocam na matéria grosseira tão só buscando energia para se sustentarem, acima de tudo, nas tarefas e operações do Mundo Espiritual. Nem pisava o início do monte de elevação, nem lhe atingira os degraus mais altos. Era um homem de cultura e virtude medianas, com aguçada sensibilidade à mostra, em função de sua própria necessidade de burilamento, à vista de débitos contraídos em outras existências.

Quaisquer choques no ambiente materno induziam-no à irritabilidade e quaisquer dificuldades pequeninas impediam-no a indisposições lamentáveis.

Certamente que se demorava em sono terapêutico no laborioso tratamento para a volta criteriosamente vigiada ao campo terrestre, a que na arena dos homens se dá sumariamente o nome de gravidez, como se gravidez, em definição tão rápida e simplista, fosse acontecimento insignificante e igual para todos os reencarnandos, com repercussões análogas para as mães que os hospedam; importa reconhecer, porém, que o sono terapêutico do Espírito, conjugado ao desenvolvimento fetal, se caracteriza por graus diversos e, por isso, nem sempre raia pela inconsciência total.

Empreendimentos e obrigações se avolumaram, a benefício de Mancini, até o dia em que lhe ouviram os primeiros vagidos no berço, entre n êxtase de Vera e a emoção de Caio, maravilhados com o filhinho…

Túlio varara a grande barreira entre os dois mundos e, daí em diante, reclamaria cuidados de outro tipo.

Reconfortados e felizes com a execução gradual do programa estabelecido, Fantini e a companheira se acharam de espírito voltado para questão que se lhes impunha, de imediato: o retorno de Desidério à experiência carnal.

Era necessário instalá-lo no sul paulista, em casa de Amâncio, segundo o esquema do Instituto.

Os dois amigos passaram às entrevistas preparatórias. Proposições e debates. Desidério dos Santos pedia, exigia, queixava-se… E, no fundo, não se lhe podia dar, de pronto, a extensão total da verdade, quanto ao porvir próximo, para que não a desacatasse com dúvidas injustificáveis ou desconsiderações prematuras. Cabia-lhe saber que era forçoso retomar o corpo terrestre e prometia-se-lhe a ida de Elisa, algum tempo depois dele, a fim de que se reencontrassem no domicílio dos homens, mas, no roteiro traçado, se lhe proibia a antecipação de informes, acerca do refúgio doméstico em que se lhe outorgaria a nova oportunidade. Merecia a bênção da reencarnação; contudo, não lhe era lícito complicar ou desprimorar as situações, em que as autoridades do Plano Superior, sempre sábias e generosas, lhe assegurariam a concessão. Competia-lhe, sobretudo, defrontar-se com Amâncio e Brígida, tanto quanto os dois, já amadurecidos nas lides humanas, deveriam arrostá-lo em casa, para adquirirem a luz do amor recíproco, em regime de esquecimento do passado, de maneira a consolidarem os méritos que já possuíam perante a Lei.

Desidério, no entanto, não era fácil de contentar. Interpunha recursos e alegava direitos, nas questiúnculas intercorrentes, que a filha, assessorada por Ernesto, se esmerava em aprovar, tanto quanto possível, angariando-lhe apreço, aceitação, cobertura e carinho. Quando o tempo marcou precisamente um ano sobre a desencarnação da viúva Fantini e quando Túlio Mancini, em novo renascimento, orçava aproximadamente dois meses de idade, Desidério deu por terminadas as exigências para o regresso pacífico ao mundo carnal, com exceção de uma só: queria rever Elisa e conversar com ela, inteiramente a sós, de modo a entretecerem projetos para o futuro.

Encaminhada a solicitação ao exame de Ribas, o Instrutor aprovou o requerimento e, conduzido o peticionário às dependências onde Elisa, agora lúcida, se demorava convalescente e tranquila, puseram-se os dois em palestra íntima, plenamente isolados, num tête-à-tête que perdurou por dez horas consecutivas.

Nada transpirou do que ambos confidenciaram, entre si, naquele primeiro e último encontro, no Mundo Espiritual, antes da reencarnação; no entanto, algo ocorreu de inesquecível. Desidério voltou às instalações que lhe eram próprias, tocado de novo brilho no olhar. Desapareceram nele os ressentimentos e as interrogações. Mostrou-se, desde então, paciente e respeitador.

Concomitantemente, a ex-senhora Fantini rogou o amparo de Evelina para internar-se em algum educandário, a fim de estudar os problemas da alma e reeducar-se, quanto lhe fosse possível, antes de retomar o envoltório terrestre. Informada de que partiria para a existência vindoura, daí a três anos, para reencontrar Desidério no mundo, sob a proteção dos benfeitores que ali os acolhiam, ansiava aprender, preparar-se e melhorar-se, ciente qual se achava de que todos os valores conquistados na Espiritualidade Maior se transformam em mais dilatados recursos de apoio e colaboração, para aqueles que os evidenciem, seja onde seja.

Evelina anuiu, satisfeita.

Nos três anos que lhe antecederiam o retorno ao próprio lar terreno, na condição de filha do casal Serpa, Elisa estaria internada em colégio adequado às suas necessidades, sob custódia e responsabilidade da filha de Desidério, cujos créditos e méritos aumentavam sempre no Instituto a que soubera dedicar-se e servir.

Quem poderá medir a força colocada por Deus nos prodígios do amor?

Recolhido Desidério aos gabinetes de restringimento para a reencarnação, concluíram as autoridades que não lhe seria proveitoso o conhecimento prévio do lar em que lhe cabia renascer, porquanto a condição de enjeitado haveria de compeli-lo a mergulho mais profundo no passado para a revisão de existências outras, em que fizera jus à prova em perspectiva, e não seria útil imergi-lo em avançados processos de memorização.

Felizmente, após a entrevista com Elisa, patenteava-se calmo, confiante, aceitando todas as promessas que se lhe formulavam.

Por outro lado, Ribas e os companheiros categorizavam-lhe a volta ao convívio de Amâncio e Brígida, sem que os antigos associados de luta precisassem esperar por ele em futura reencarnação, por valioso ganho de tempo, com o amparo da Providência Divina.

Situava-se, desse modo, nos serviços de introdução ao renascimento no Plano Carnal, quando o Instrutor Ribas convidou Fantini e a companheira para tomarem contato com a senhora humilde e simples que seria para Desidério a benemérita genitora. Competia-lhes assisti-la e auxiliá-la quanto possível, na gravidez próxima, e orientar o encaminhamento do amigo renascido ao lar dos Terra, já que entre as colaboradoras e obreiras do Instituto, reencarnadas nas vizinhanças de Brígida, fora ela quem aceitara a incumbência de recebê-lo nos braços maternais, não obstante a penúria que lhe marcava a existência.

Evelina e Fantini apanharam informes rápidos em torno daquela a quem passariam tanto a dever.

Tratava-se de mulher jovem, esposa de um lavrador que a tuberculose devorava, e mãe de quatro filhinhos em constrangedoras necessidades. Ela mesma, Dona Mariana, como era conhecida, já se achava em condições orgânicas deficitárias, sentenciada a contrair a moléstia, embora a tuberculose não assuma, na atualidade, entre os homens, a periculosidade que se lhe atribuía em outros tempos. Sucede, porém, que tanto o esposo quanto ela própria estavam encerrando valioso ciclo de provas regeneradoras no mundo e não conseguiriam sustentar-se, na frágil armadura de carne, por muito tempo. Desidério ser-lhes-ia o rebento derradeiro, antes da desencarnação, e aos dois amigos espirituais, erigidos ao encargo de guardiães, caberia o santo dever de criar as circunstâncias pelas quais o recém-nato entrasse no lar do velho casal Terra, na posição de filho adotivo.

Noite alta no Plano Físico…

Mariana, em desdobramento espiritual através do sono comum, penetrou a sala em que Ribas e os amigos a esperavam.

Escoltada carinhosamente por um mensageiro, a recém-chegada não poderia apresentar-se de maneira mais simples.

Ao defrontar-se com os benfeitores, deteve-se perante Ribas, com a lucidez que lhe era possível, e, magnetizada talvez por aquele olhar brando e sábio, ajoelhou e pediu-lhe a bênção.

O mentor, recalcando a emoção de que fora tangido, afagou-lhe a fronte, rogou a Jesus para que a protegesse e recomendou:

— Levante-se, Mariana, temos algo a conversar… Ao vê-la convenientemente sentada,. o orientador apresentou-lhe Evelina e Ernesto, demorando-se, todavia, a salientar Evelina, a fim de que ela lhe guardasse mais vivamente a figura na tela da memória, quando tornasse ao corpo denso:

— Esta é a irmã que velará por você, na próxima gravidez. Por favor, Mariana, esforce-se para retê-la na lembrança!…

A interpelada fitou-a com simpatia e implorou:

— Anjo de Deus, compadecei-vos de mim!…

A filha de Brígida, emocionada, retificou, de olhos úmidos:

— Mariana, não sou um anjo, sou apenas sua irmã.

A jovem mãe, cujo corpo descansava no mundo de matéria grosseira, como que espiritualmente muito distante da formosa paisagem doméstica, a que se acolhia, para deter-se tão só na alegria de ser útil, voltou-se para Ribas, com quem já tivera entendimentos anteriores, e notificou, tomada de apreço filial:

— Meu pai, cumprirei a vontade de Deus, recebendo mais um filho, e aguardo a vossa proteção. Joaquim, meu esposo, está mais fraco, mais doente… Lavo e passo, trabalho quanto posso, mas ganho pouco… Quatro filhos pequenos!… Ignoro se já sabeis, mas nosso barraco não está resistindo às chuvas… Quando o vento atravessa as paredes rachadas, Joaquim piora, tosse muito!… Não estou a queixar-me, meu pai, mas peço o vosso auxílio!…

— Oh! Mariana — respondeu o mentor, sensibilizado —, não tema! Deus não nos abandona! Seus filhinhos serão sustentados e, muito em breve, você e Joaquim estarão numa casa grande…

— Confio em Deus e em vós!…

Não sabia a devotada criatura que o Instrutor se reportava à próxima desencarnação do casal, quando, por merecimento genuíno, teriam os dois cônjuges novo domicílio na Vida Maior.

Mariana voltou, agora custodiada também por Evelina e Fantini, à rústica habitação que o vento castigava e, em retomando o corpo, o coração bateu-lhe descompassado, ante o júbilo que se lhe represava no peito, e acordou o marido:

— Joaquim!… Joaquim!…

E, enquanto ele, estremunhado, articulava monossílabos:

— No sonho, acabei de encontrar o velho que já vi outras vezes… Ele disse que vamos ter mais um filho!…

— Que mais?

— Disse que nós dois vamos ter uma casa grande… Ele riu-se e aditou, ignorando que abordava a realidade:

— Ah! minha mulher!… Casa grande? só se for no outro mundo!…

Os visitantes desencarnados sorriram…

Evelina, emocionada, compreendeu que Joaquim não se deteria muito tempo na Terra e, em prece ao Senhor, a rogar-lhe forças multiplicadas, prometeu a si mesma não repousar, enquanto não ligasse Mariana a Brígida, sua querida genitora, para que os derradeiros dias daquele pouso de sofrimento fossem lenificados pelo sol da beneficência.

Transcorridos dois dias sobre o singular contato, a enteada de Amâncio, amparada em Fantini e com permissão das autoridades superiores, sediou-se na mansão do padrasto e pôs-se a influenciar o coração materno, com vistas à realização esperada. Deu-lhe sonhos com o pequenino que lhe chegaria aos braços, povoou-lhe as reflexões com ideais de caridade e esperança, sugeriu-lhe leituras renovadoras, inspirou-lhe conversações com o marido, quanto ao futuro que Deus iluminaria com a presença de um filhinho adotivo e, pela primeira vez, na casa senhoril, apareceu o hábito regular da prece, porquanto Brígida, ante a doce atuação da filha, conseguiu que o esposo lhe compartilhasse as orações, todas as noites, no preparo do sono, ao que Amâncio aquiesceu com bonomia e estranheza. Espantado, anotava ele o fervor da mulher, a inflamar-se de amor ao próximo, e, porque fosse, de si mesmo, devotado à prática da solidariedade humana, encorajava-lhe os rasgos de altruísmo.

Planeavam, planeavam…

Se Deus lhes enviasse um filhinho adotivo, tratá-lo-iam com todas as reservas de amor que conservavam no coração, procurariam analisar-lhe as inclinações para lhe propiciarem trabalho digno e, quando crescesse, realizariam um sonho de muito tempo: transfeririam residência para São Paulo, de vez que assim lograriam educá-lo com esmero… Solicitariam, para isso, a cooperação de Caio, o genro de outro tempo que se casara em segundas núpcias e que continuava amigo, conquanto lhes escrevesse apenas em ocasiões especiais… Se obtivessem um filhinho… e os projetos repontavam, sempre mais vivos e mais belos, daqueles dois corações amadurecidos na experiência.

Quatro meses haviam transcorrido sobre a nova situação, quando, numa ensolarada manhã, em que os velhos cônjuges haviam palestrado com ênfase acerca de assistência às mães desvalidas, eis que Mariana, cuja residência se erguia a quatro quilômetros, trazida espiritualmente por Evelina, bateu à porta…

Por solicitação de prestimosa servidora, Brígida veio atender.

Enlaçada, de imediato, pela filha, a fazendeira ouviu a recém-chegada, com simpatia.

Mariana implorava trabalho. E relacionou em voz triste alguns pedaços da própria história. Engravidara-se de novo, embora já tivesse quatro filhinhos… Achava-se, porém, sem recursos, com o marido muito doente…

Sem explicar-se, quanto ao motivo de tanta e tão súbita compaixão, a senhora Terra deu-lhe algum dinheiro e prometeu visitá-la em pessoa, naquele mesmo dia, logo que o esposo voltasse do serviço para o descanso caseiro.

Evelina exultava de alegria e confiança. Amâncio não regateou atenções ao pedido da companheira e, ao crepúsculo, ei-los juntos na habitação paupérrima. Condoídos ambos, providenciaram a remoção da família em penúria para estreito mas confortável domicílio, na gleba que cultivavam.

Qual se houvesse encontrado, por fim, todo o socorro a que mais aspirava, antes que o quinto filhinho viesse à luz, Joaquim demandou a Espiritualidade, louvando os benfeitores…

Mariana, desde muito enfraquecida, adoeceu gravemente. Viúva, agora, apelou para a cooperação de familiares humildes e entregou-lhes os quatro órfãos na previsão da morte próxima..

Brígida, atônita, ante a crise que se agravava, a identificar-se cada vez mais ligada à pobre irmã em penúria, transferiu-a para a própria casa, onde Desidério, reencarnado, abriu, por fim, os olhos, de novo, para a existência terrestre.

Na íntima convicção de que se houvera desencarregado de seu último e sagrado dever, Mariana colocou nos braços dos protetores a criancinha ansiosamente esperada e desencarnou cinco dias depois!…

Benfeitores desencarnados acolheram a piedosa mãe, ao mesmo tempo que osculavam o pequenino… Misturavam-se ali, na mansão cercada de flores, o adeus e a chegada, a tristeza da morte e a alegria da vida!… A fazendeira chorava e ria, Amâncio meditava, tocado de emoções e ideias renovadoras… Ernesto e Evelina, em preces de jubilosa gratidão, perante a misericórdia da Providência, notavam, surpresos, que tanto para Mariana, no esquife, quanto para Desidério, no berço, enviava Deus a bênção de novo dia!…

À noite, pequena carruagem voadora, em forma de estrela irisada, depunha Fantini e a companheira na cidade que lhes servia de residência.

Aí chegados, demandaram o Instituto de Proteção Espiritual, em cujas dependências almas carinhosas e amigas atiravam-lhes flores. Lampadários inflamados de luz policrômica cercavam todos os edifícios, assinalando-lhes as filigranas de arquitetura a jorros de beleza.

A casa festejava os dois obreiros que haviam sabido vencer, com devotamento e humildade, os tropeços iniciais do levantamento de bem-aventurado futuro!…

Rodeado de assessores, Ribas saudou-os no limiar e, tomando-os nos braços, como a filhos queridos, ergueu os olhos para o Alto e rogou, comovidamente:

— Senhor Jesus, abençoa os teus servos que se consagram hoje um ao outro em sublime união!… Ilumina-lhes, cada vez mais, os anseios transfigurados para o teu reino, através da abnegação com que souberam esquecer dificuldades e agravos para se deterem tão somente no auxílio aos companheiros de caminhada, ainda mesmo quando esses companheiros lhes apunhalassem os corações!… Ensina-lhes, oh! Mestre, que a felicidade é uma obra de construção progressiva no tempo e que o matrimônio deve ser realizado, de novo, todos os dias, na intimidade do lar, de maneira que os nossos defeitos se extingam, nas fontes da tolerância recíproca, a fim de que as nossas almas encontrem a perfeita fusão, diante de ti, aos clarões do amor eterno!…

Silenciou o Instrutor, enquanto Ernesto contemplava o rosto da companheira marejado de lágrimas… Do alto, choviam pequeninas grinaldas azuis, lembrando safiras que se eterizassem, radiosas, propiciando ao casal venturoso a certeza de que os Planos Superiores lhe endossavam os compromissos e de ângulos ocultos da paisagem vinham melodias de ternura, emoldurando palavras de confiança em que a Sabedoria do Universo confirmava a perpetuidade da Misericórdia de Deus na vida que, em toda parte, continua sempre mais bela, plena de grandeza, a santificar-se pelo trabalho e a inundar-se de luz.




André Luiz



Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano



ÁUDIO:
E a Vida Continua - Chico Xavier - Cap. 26 - E a vida continua…
Companheiros da Luz




Capítulo 26 - E a vida continua - Livro obra de André Luiz por Chico Xavier

Emmanuel - Livro Espera servindo - Chico Xavier - Pág. 41 - No cotidiano





Emmanuel - Livro Espera servindo - Chico Xavier - Pág. 41


No cotidiano



Não censures os companheiros famintos de poder e os que abusam da inteligência quando nos cruzem o caminho.

Eles já estão assinalados pela vida para encontrarem os obstáculos, com os quais aprenderão que todos os bens da vida pertencem a Deus.



Emmanuel





Emmanuel - Livro Espera Servindo - Chico Xavier - Pág. 70 - Age e serve sempre




Emmanuel - Livro Espera Servindo - Chico Xavier - Pág. 70 

Age e serve sempre



Age e serve sempre.


Se ainda não consegues entender o valor do trabalho, observa a tristeza dos carros em desuso, quando entregues ao abandono.



Emmanuel



Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano

segunda-feira, 30 de dezembro de 2019

Meimei - Livro Ideal Espírita - Espíritos Diversos/Chico Xavier - Cap. 5 - Espera e ama sempre



Meimei - Livro Ideal Espírita - Espíritos Diversos/Chico Xavier - Cap. 5

Espera e ama sempre


Quanta aflição desaparecerá no nascedouro, se souberes sorrir em silêncio!

Quanta amargura esquecida, se desculpares o fel!

Rogas a paz do Senhor, mas o Senhor igualmente espera por teu concurso na paz dos outros.

Reflete nas necessidades de teu irmão, antes de lhe apreciares o gesto impensado. Em muitas ocasiões, a agressividade com que te fere é apenas angústia e a palavra ríspida com que te retribui o carinho é tão somente a chaga do coração envenenando-lhe a boca.

Auxilia mil vezes, antes de reprovar uma só.

O charco emite correntes enfermiças por não haver encontrado mãos que o secassem e o deserto provoca sede e sofrimento por não ter recebido o orvalho da fonte.

Deixa que a piedade se transforme no teu coração em socorro mudo, para que a dor esmoreça.

Não estendas a fogueira do mal com o lenho seco da irritação e do ódio!

Espera e ama sempre! Em silêncio, a árvore podada multiplica os próprios frutos e o céu assaltado pela sombra noturna descerra a glória dos astros!…

Lembra-te do Cristo, o Amigo silencioso. Sem reivindicações e sem ruído, escreveu os poemas imortais do perdão e do amor, da esperança e da alegria no coração da Terra.

Busquemos n’Ele o nosso exemplo na luta diária e, tolerando e ajudando hoje, na estreita existência humana, recolheremos amanhã as bênçãos da luz silenciosa que nos descerrará os caminhos da Vida Eterna.


Meimei






Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano

Bezerra de Menezes - Mensagem psicofônica - Divaldo Pereira Franco - Tende bom ânimo



Bezerra de Menezes - Mensagem psicofônica - Divaldo Pereira Franco



Tende bom ânimo


Então neste momento muito grave que nós nos sentimos algo desarvorados que parece, que perdemos a motivação para viver, que nos sentimos vazios torna-se-nos indispensável procurar apalavra quente e amorosa do Rabi Galileu.

Quando Ele nos prometeu o Consolador era para que as nossas lágrimas deixassem o sal da amargura escorressem pela comporta dos nossos olhos traduzindo angústia e dor.

O evangelho veio ter conosco para ensinar-nos o hino da santa fraternidade.



A humanidade necessita ver o Cristo descrucificado em nós, não através dos nossos padecimentos, mas por meio da nossa libertação.

A dor tem um sentido sublime de nos despertar para a realidade daquilo em que estamos, não só na carne, mas também fora do invólucro carnal.

Nós, os espíritos amigos, também experimentamos dores e esperanças, alegrias e aflições, que reunimos em uma corbeille de flores para dizer ao Senhor que retiramos todos os espinhos para adornar a senda, por onde vêm as gerações pósteras, sem maltratar os pés nem as angústias.

Necessitamos de compreender, que por mais larga seja a existência física. Ela é muito breve, depois que passa...

Então, reflexionar em torno do sentimento do amor, da tolerância, da ternura; é um dever impostergável.

A ternura que é um gesto dúlcido e humilde de envolver uma outra vida,em esperança e paz, deve estar na aura dos nossos sentimentos a fim de falarmos do irmão Alegria e do Amigo incomparável de todas as criaturas.

Jesus, meus filhos, é o zênite e o nadir da nossa existência, na matéria e fora dela.

Buscai-O, vivei-O e sede luz. Se não puderdes ser a estrela, sede um pirilampo, para que haja claridade, no caminho dos trôpegos e dos desesperados.

Acompanhamo-vos, ouvimo-vos e procuramos interceder por vós por que já estivemos nas estradas tortuosas que agora peregrinais e que nos ajudaram a subir a montanha da sublimação evangélica para aspirarmos o supremo amor de Deus através do caminho que leva à Verdade e a Vida.

Tende bom ânimo e não permitais que o desespero se aloje nas vossas almas.

O que não tiverdes agora, bom ânimo!

O amanhã começa, neste momento, e os céus brindar-vos-ão com a dádiva do reconforto se souberdes entender o que o sofrimento vos quer dizer.

Para tanto, amai com a ternura de mãe, com a gentileza de pai, com a alegria de irmão e com o devotamento de amigo e o Senhor cantará, aos ouvidos da vossa alma: “Bem Aventurados sede vós, que me ouvistes e chegastes até mim.”

Muita paz, meus amigos!

São os votos do espírito-espírita, em nome dos nossos amigos do mais além.




Bezerra
(Adolpho Bezerra de Menezes)



(Mensagem psicofônica obtida pelo médium Divaldo Pereira Franco, na noite de 10 agosto de 2017, ao término da conferência no Grupo Espírita André Luiz, Rio de Janeiro. Com revisão do autor espiritual)




ÁUDIO:
Tende bom animo - Bezerra de Menezes por Divaldo Franco




Bezerra de Menezes em mensagem psicofônica pelo médium Divaldo Pereira Franco no dia 10 de agosto de 2017 em ocasião do término da conferência no Grupo Espírita André Luiz, no Rio de Janeiro.


Emmanuel - Livro da Esperança - Chico Xavier - Cap. 17 - Supercultura





Emmanuel - Livro da Esperança - Chico Xavier - Cap. 17


Supercultura




“Graças te rendo, ó Pai, senhor dos Céus e da Terra, que por haveres ocultado estas cousas aos doutos e aos prudentes e por as teres revelado aos simples e pequeninos!” — JESUS (Mateus, 11.25)

“Homens, por que vos queixais das calamidades que vós mesmos amontoastes sobre as vossas cabeças? Desprezastes a santa e divina moral do Cristo; não vos espanteis, pois, de que a taça da iniquidade haja transbordado de todos os lados.” — (Cap. VII, 12)


Alfabetizar e instruir sempre.

Sem escola, a Humanidade se embaraçaria na selva, no entanto, é imperioso lembrar que as maiores calamidades da guerra procedem dos louros da inteligência sem educação espiritual.

A intelectualidade requintada entretece lauréis à civilização, mas, por si só, não conseguiu, até hoje, frenar o poder das trevas.

A supercultura monumentalizou cidades imponentes e estabeleceu os engenhos que as arrasam.

Levantou embarcações que se alteiam como sendo palácios flutuantes e criou o torpedo que as põe a pique.

Estruturou asas metálicas poderosas que, em tempo breve, transportam o homem, através de todos os continentes e aprumou o bombardeiro que lhe destrói a casa.

Articulou máquinas que patrocinam o bem-estar no reduto doméstico e não impede a obsessão que, comumente, decorre do ócio demasiado.

Organizou hospitais eficientes e, de quando a quando, lhes superlota as mínimas dependências com os mutilados e feridos, enfileirados por ela própria, nas lutas de extermínio.

Alçou a cirurgia às inesperadas culminâncias e aprimorou as técnicas do aborto.

E, ainda agora, realiza incursões a pleno espaço, nos albores da astronáutica, e examina do alto os processos mais seguros de efetuar aniquilamentos em massa pelo foguete balístico.

Iluminemos o raciocínio sem descurar o sentimento. Burilemos o sentimento sem desprezar o raciocínio.

O Espiritismo, restaurando o Cristianismo, é universidade da alma. Nesse sentido, vale recordar que Jesus, o Mestre por excelência, nos ensinou, acima de tudo, a viver construindo para o bem e para a verdade, como a dizer-nos que a chama da cabeça não derrama a luz da felicidade sem o óleo do coração.


Emmanuel


(Reformador, março de 1964, p. 64)
Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano

Emmanuel - Livro Migalha - Chico Xavier - Pág. 5 - Prece de paz



Emmanuel - Livro Migalha - Chico Xavier - Pág. 5


Prece de paz


Senhor Jesus!

Em teu amor infinito, concede-nos a tua paz.

Ensina-nos a viver e a servir em paz.

Conserva-nos os corações no caminho da paz.

Auxilia-nos a compreender-nos uns aos outros no clima da paz.

Senhor!

Em tua misericórdia, abençoe-nos com a tua paz, agora e sempre.

Assim seja.



Emmanuel





domingo, 29 de dezembro de 2019

Bezerra de Menezes - Livro Bezerra, Chico e Você - Chico Xavier - Pág. 31 - Esquecer e valorizar




Bezerra de Menezes - Livro Bezerra, Chico e Você - Chico Xavier - Pág. 31


Esquecer e valorizar



Esqueçamos tudo o que possa representar motivo à perturbação e valorizemos a serenidade e o proveito.


Bezerra



De mensagem  recebida em  25.08.1961.
Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano

Emmanuel - Livro Coragem - Espíritos Diversos/Chico Xavier - Cap. 37 - Oramos



Emmanuel - Livro Coragem - Espíritos Diversos/Chico Xavier - Cap. 37


Oramos


Senhor!

Não te pedimos isenção das provas necessárias, mas apelamos para a tua misericórdia, a fim de que as nossas forças consigam superá-las.

Não te rogamos a supressão dos problemas que nos afligem a estrada; no entanto, esperamos o apoio de teu amor, para que lhes confiramos a devida solução com base em nosso próprio esforço.

Não te solicitamos o afastamento dos adversários que nos entravam o passo e obscurecem o caminho; todavia, contamos com o teu amparo, de modo que aprendamos a aceitá-los aproveitando-lhes o concurso.

Não te imploramos imunidades contra as desilusões que porventura nos firam, mas exoramos o teu auxílio a fim de que lhes aceitemos, sem rebeldia, a função edificante e libertadora.

Não te suplicamos para que se nos livre o coração de penas e lágrimas; contudo, rogamos à tua benevolência para que venhamos a sobrestar-lhes o amargor, assimilando-lhes as lições…

Senhor, que saibamos agradecer a tua proteção e a tua bondade nas horas de alegria e de triunfo; entretanto, que nos dias de aflição e de fracasso possamos sentir conosco a luz de tua vigilância e de tua bênção!…


Emmanuel





Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano

sábado, 28 de dezembro de 2019

André Luiz - Livro E a Vida Continua - Chico Xavier - Cap. 3 - Ajuste amigo




André Luiz - Livro E a Vida Continua - Chico Xavier - Cap. 3


Ajuste amigo
(Sumário)


Fantini percebeu que a interlocutora havia sido sulcada mentalmente pelo olhar que lhe endereçara e dispôs-se a tranquilizá-la:

— Continuemos, Dona Evelina. Minha presença não lhe fará mal. Observe-me, não direi com a sua gentileza, mas sim com o seu discernimento. Sou um velho enfermo que pode ser seu pai e acredite que a vejo como filha…

A voz dele esmoreceu, de algum modo, entretanto cobrou ânimo e terminou:

— A filha que estimaria ter, em lugar da que possuo.

Evelina adivinhou o sofrimento moral que as palavras dele destilavam e reajustou a posição emotiva, sentenciando:

— O senhor não se alegraria com uma filha doente qual estou. Mas… voltemos ao meu caso, o caso da confissão.

— Não me conte tristezas…

— Certo. Já não dispomos de muito tempo.

E continuou com um sorriso de mofa:

— Conversando com tanta franqueza, num lugar que talvez seja a antecâmara da morte para um de nós dois, desejo dizer-lhe que só um fato me perturba. Tenho as desilusões comuns a qualquer pessoa. Meu pai morreu, quando eu mal completara dois anos; minha mãe, então viúva, deu-me um padrasto, algum tempo depois; ainda na infância, fui internada num colégio de religiosas amigas e, depois disso tudo, casei-me para ter um marido diferente daquele que eu sonhava… No meio do romance, uma tragédia… Um homem, um rapaz digno, aniquilou-se por minha causa, seis meses antes do meu casamento. Precedendo o ato que lhe impôs a morte, tentou o suicídio ao ver-se posto à margem. Compadeci-me. Busquei reaproximar-me, ao menos para consolá-lo, e, quando meu sentimento balançava entre o pobre moço e o homem que desposei, ei-lo que se despede da vida com um tiro no coração… Desde aí, qualquer felicidade para mim é uma luz misturada de sombra. Embora o imenso amor que consagro a meu marido, nem mesmo a condição de mãe consegui. Vivo doente, frustrada, abatida…

— Ora, ora! — aventou Ernesto, diligenciando encontrar uma escapatória otimista — não se julgue culpada. Não fosse supostamente pela senhora e o moço agiria de igual modo por outro móvel. O impulso suicida, tanto quanto o impulso criminoso…

A voz dele empalideceu de novo, qual se o íntimo recusasse certas reminiscências que as palavras em curso lhe suscitavam à memória; contudo, dando a ideia de quem agia fortemente contra si mesmo, prosseguiu:

— São incógnitas da alma. Talvez sejam ápices de doenças psíquicas, demoradamente mantidas no espírito. O suicídio e o crime são de temer em qualquer de nós, porque são atos de delírio, que fundos processos de corrosão mental determinam em qualquer um.

— O senhor procura apaziguar-me com a sua nobreza de coração — exclamou Evelina, cismativa —, decerto não conheceu, até hoje, um problema assim agudo, a conturbar-lhe a consciência.

— Eu? eu? — gaguejou Fantini, desconcertado —, não me faça voltar ao passado, pelo amor de Deus!… Já cometi muitos erros, sofri muitos enganos…

E, no objetivo de contornar a questão sem escalpelá-la, Ernesto sorriu à força, com a maleabilidade das pessoas maduras, que sabem usar várias máscaras fisionômicas, para determinados efeitos psicológicos, e aditou:

— Não conseguiu, porventura, esquecer o moço suicida, com apoio no confessionário? O seu diretor espiritual não lhe sossegou o coração sensível e afetuoso?

— Repito que sempre encontrei na confissão de meus erros menores uma espécie de vacina moral contra erros maiores; entretanto, no caso em apreço, não obtive a paz que desejava. Admito que se não houvesse hesitado, tanto tempo, entre dois homens, teria evitado o desastre. Basta me lembre de Túlio, o infeliz, para que o quadro da morte dele se me reavive na lembrança e, com a lembrança, surja, de imediato, o complexo de culpa…

— Não se agaste. A senhora está muito jovem. Como acontece à mão que, a pouco e pouco, se caleja no trabalho do campo, a sensibilidade também se enrijece com o sofrimento na vida. Certamente se escaparmos, com êxito, no salto que pretendemos dar para a saúde, ainda veremos muitos suicídios, muitas decepções, muitas calamidades…

A senhora Serpa refletiu alguns momentos e, dando a impressão de quem se propunha ganhar ensejo para balsamizar feridas íntimas, indagou com intenção:

— O senhor, que vem estudando as ciências da alma, acredita piamente que reencontraremos as pessoas queridas, depois da morte?

Fantini estampou um gesto de complacência e divagou:

— Não sei porque, mas, à frente de sua inquirição, veio-me à cabeça aquele pensamento do velho Shakespeare: “Os infelizes não possuem outro medicamento que não seja a esperança.” Tenho boas razões para crer que nos reveremos uns aos outros, quando não mais estivermos neste mundo; todavia, compreendo que a precariedade do meu estado orgânico é o agente fixador de semelhante convicção. A senhora já notou que as ideias e as palavras são filhas das circunstâncias? Imagine se nos víssemos hoje em plenitude da força física, robustos e bem apessoados, num encontro social, num baile por exemplo… Qualquer conceito, em torno dos assuntos que nos aproximam agora um do outro, seria imediatamente banido de nossas cogitações.

— É verdade.

— A moléstia aflitiva nos dá direito de entretecer novos recursos e novas interpretações, ao redor da vida e da morte, e, na esfera das novas conclusões que temos à frente, admito que a existência não acaba no túmulo. Estamos intimados a recordar aquela antiga ilação das novelas de amor, “o romance termina, mas a vida continua…” O envoltório de carne tombará consumido; todavia, o Espírito seguirá adiante, sempre adiante…

— O senhor costuma pensar em alguém que estimaria achar na outra vida?

Ele mostrou enigmático sorriso e zombeteou:

— Penso em alguém que estimaria não achar.

— Não consigo entender o trocadilho. Apesar disso, reconforta-me anotar a certeza com que me fala, acerca do futuro.

— A senhora não pode e nem deve perder a confiança no porvir. Lembre-se de que é, sobretudo, cristã, discípula de um Mestre que ressurgiu da campa, ao terceiro dia, depois da morte.

A senhora Serpa não sorriu. O olhar divagou, além, nas nuvens róseas que refletiam o Sol já distante, reconhecendo-se talvez sacudida nas forças profundas de sua fé por aquela inesperada observação.

Findo o longo intervalo, voltou a fitar o interlocutor e preparou a despedida:

— Bem, senhor Fantini, se houver outra vida, além desta, e se for a vontade de Deus que venhamos a sofrer, em breve, a grande mudança, creio que nos veremos de novo e seremos lá bons amigos…

— Como não? se conseguir adivinhar o fim de meu corpo, conservarei firme o pensamento positivo do nosso reencontro.

— Também eu.

— Quando volta a São Paulo?

— Amanhã pela manhã.

— Tem ocasião marcada para o trabalho operatório?

— Meu marido decidirá isso com o médico; no entanto, creio que, na semana vindoura, enfrentarei o problema. E o senhor?

— Não estou certo. Questão de mais alguns poucos dias. Não desejo retardar a intervenção. Posso, acaso, saber o nome do seu hospital?

Evelina meditou, meditou… E concluiu:

— Senhor Fantini, somos ambos portadores da mesma doença, insidiosa e rara. Não será isso o bastante para aproximar-nos um do outro? Esperemos o futuro sem aflição. Se escaparmos do atoleiro, estou convencida de que Deus nos favorecerá com um novo encontro aqui na Terra mesmo… Se a morte vier, a nossa amizade, em outro mundo, ficará também subordinada aos desígnios da Providência.

Ernesto achou graça e ambos regressaram ao hotel, passo a passo, em comovido silêncio.




André Luiz 



Fonte: Bíblia do Caminho † Testamento Xavieriano


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ÁUDIO:
Capítulo 03 - Ajuste amigo - Livro obra de André Luiz por Chico Xavier
Livro E a Vida Continua
Companheiros da Luz





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FILME COMPLETO: E a Vida Continua (2012)
Direção: Paulo Figueiredo





E a Vida Continua... é um livro espírita, psicografado pelo médium brasileiro Francisco Cândido Xavier, com autoria atribuída ao espírito André Luiz. Foi lançado pela Federação Espírita Brasileira no ano de 1968. Filme Espirita

Constitui-se na décima-sexta e última obra da série do autor espiritual André Luiz, chamada de Série André Luiz. A série pode ser subdividida em duas partes: Coleção A Vida no Mundo Espiritual e Obras Complementares. E a Vida Continua... é a décima-terceira e última obra da Coleção A Vida no Mundo Espiritual.

Esse livro conta a história das famílias Serpa e Fantini, que estão ligadas entre sí a muitas encarnações, onde tiveram que perdoar o crimes do passado cometidos uns contra os outros no decorrer de diversas vidas na Terra.

Foi levado para o cinema pelo ator e diretor Paulo Figueiredo, que também adaptou o livro para o roteiro cinematográfico. O filme foi lançado em 2012.